A Arte e a Ciência (2)

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Já tem alguns dias em que comecei a ler Caçadas de Pedrinho de Monteiro Lobato para o Yuki.  Esse livro por muito pouco não foi proibido por conter passagens racistas com a Tia Nastácia. A despeito de Monteiro Lobato ter me chamado a atenção de uma forma negativa em algumas partes da narrativa, Caçadas de Pedrinho arrancou do Yuki altas risadas a ponto d´eu correr na livraria e comprar Reinações de Narizinho. E foi lendo esse livro que um fato se deu.

Numa passagem em que a Dona Aranha – que é manca – está falando com a Narizinho e contando que já teceu lindos vestidos para muitas princesas, Narizinho pergunta: e para Branca de Neve também costurou? Como não? Responde Dona Aranha. Pois foi justamente quando eu estava tecendo o véu de noiva de Branca que fiquei aleijada. A tesoura caiu-me sobre o pé esquerdo, rachando o osso aqui neste lugar. Fui tratada pelo doutor Caramujo, que é um médico muito bom. Sarei, embora ficasse manca pelo resto da vi… Cara, peraí! Interrompeu-me Yuki. E desde quando aranha tem osso??? E desde quando você sabe que aranha não tem osso? Desde que vi a tia falando na aula de ciências que a aranha é um aracnídeo e que o esqueleto dela é a “casca”. Quando a aranha cresce, ela troca de esqueleto como se tirasse uma roupa. Então, que história é essa, mãe?!? Ué! Já vimos boneca andando, peixe falando, besouro cantando, uma baratinha que é a Dona Carochinha de óculos e brigando! com a Narizinho… e você vem questionar a veracidade da história agora? Por que não posso ter uma aranha com osso? Só porque a “ciência” disse que não existe? E o que a ciência diz existir, existe de fato???

Yuki passou batido pela minha viagem filosófica, é claro. Me olhou como se eu fosse um ET. Pensou certamente nos outros personagens e viu que nada daquilo tinha mesmo sentido. Por fim disse: agora você me pegou… Tá. Pode continuar.

Continuei até Yuki fechar os olhos ainda com o sorriso no rosto. Mas eu… custei a dormir.

Estávamos no mundo da imaginação onde tudo era permitido e a ciência apareceu para frear a viagem criativa da minha criança. Arte e ciência pareceram, assim, universos beeeeem distantes naquele momento. Mas será de fato isso? Será que os cientistas assassinaram o Sol, transformando-o numa bola de fogo com manchas e aranhas em aracnídeos? Pensar cientificamente é proibir que a emoção se meta? Como observamos a rotação interna do Sol? Os cientistas só trabalham com imagens realistas? Há alguma imaginação mais simbólica do que os números? O que seria uma fórmula química? Por que acreditamos nas imagens que construímos com os microscópios eletrônicos? Não estamos amparados por uma teoria ao construí-las? Novas teorias não são novas representações? E as novas representações não criam diferentes realidades? Como poderemos saber o que é realidade? Será que a teoria realmente é a origem da confiança que temos na forma como vemos as coisas? As palavras foram criadas para fins práticos? Como a racionalidade é definida? Não é a partir do que pensa a comunidade da época? Será que existe um corpo de conhecimento coerente o qual não pode ser reduzido à história e à psicologia das crenças subjetivas? Por que a astrologia oriental não pode ser chamada de ciência? Existe uma única caracterização correta para lidar com um determinado aspecto da natureza? Falar de pedaços espaçotemporais de lagartixidade é o mesmo que falar lagartixa? A teoria pode funcionar para nós e ainda assim ser falsa a respeito do Universo? Há um relato completo a respeito de uma pessoa? Como termos que denotam entidade teóricas adquirem seu significado? A ciência é um fenômeno histórico? Por que a ciência é um sucesso? O que queremos dizer quando afirmamos que encontramos a explicação de um evento? Que diabos significa dizer que “o colapso do pacote de ondas” que ocorre durante a medição microfísica se dá numa interação com a mente humana? Será que pode existir cargas elétricas mínimas ainda que os elétrons não existam? Quando eu encho o quadro de setas pra cá, setas pra lá, gráficos, desenhos de cargas positivas e negativas, e bababá bububú… não estou falando de fenômenos criados? Os fenômenos que são criados em laboratório são criações de Deus ou do homem?

Definitivamente, ainda que eu não saiba responder a quase nenhuma  dessas perguntas de forma clara – se é que elas tem respostas-, há muita arte na ciência. Ensinar física, biologia, química é expôr um lado bastante criativo do ser humano. Einstein, um grande cientista, tem uma frase muito conhecida que afirma “A imaginação é mais importante do que o conhecimento”. Vai muito ao encontro do que estou querendo dizer ou “desdizer” com todo esse devaneio. Mas é pouco.  Junto o físico com o poeta Mário Quintana e consigo passar o que sinto “A imaginação é a memória que enlouqueceu.”

Deveríamos receber a explicação científica de um fenômeno com a mesmo sentimento de quando entramos pela porteira aberta do Sítio do Pica Pau Amarelo…

2 comentários em “A Arte e a Ciência (2)

  1. Viver a realidade sem contemplar a Ciência nos leva a uma cegueira em relação a nós mesmos. Antes pequenos diante do mundo do que gigantes vivendo em um mundo pequeno.

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