Carta aberta a Gregorio Duvivier. Resposta ao “Perdemos”.

Gregorio, sua “previsão do passado” de que todos perdemos nessas eleições está, a meu ver, equivocada. Ao contrário do que você pensa, a dizer, de sua visão negativa do que nos ocorreu nessa disputa eleitoral e de seu pessimismo em relação ao que vem pela frente, ganhamos todos.

Nunca houve no meu feed de páginas tantas postagens com documentos anexados com links e fontes reveladas como nessas eleições. E não vejo isso como algo ruim. Informação trocada pelos dois lados não pode ser (agora veja que ironia) censurada e deve ser, por todos, aplaudida.

É claro que ninguém convenceu ninguém, mas isso não é algo a se lamentar, Gregório, pois tivemos, ambos os lados, que ir para as urnas no dia 26 com as verdades que nos foram esfregadas na cara, ou seja, com muito menos ingenuidade e com muito mais consciência. Todos sentiam necessidade de ‘justificar o voto’ a cada fato novo que aparecia do candidato rival.

Quem não quis se inteirar do assunto reclamava e dizia em caixa alta que nada lia. Mas esses não são os que mudam o mundo e, apesar de gritarem nos pedindo silêncio, foi um brado mudo pela falta de moral dado o apoio à inércia e à ignorância (no sentido literal da palavra, já que ignoravam o que lhe era oferecido como material de reflexão). Ganharam nosso desprezo.

Perdemos a linha? A compostura? A paciência? A razão? Não vejo assim, Gregório. Se alguns se descompensaram (e concordo contigo que não foram poucos) foi sinal que foram provocados, que foram tocados, ou seja, que leram e ouviram. Portanto, ganharam esses também muito mais do que perderam.

E quem mora no Rio, Gregório, não perdeu e ponto. Ganhamos e ponto, isso sim! Mostramos para o Brasil inteiro o quanto não queríamos seja lá quem fosse eleito. Entre a milícia e a igreja, ficamos com a nossa indignação. Ganhamos todos os cariocas mais ainda auto-estima e dignidade, sendo que a primeira segue agora muito mais firme no nosso chiado.

Quanto aos paulistas, eles ganharam muito também. Ganharam mais azedamento, mais irritação, mais cólera. Mas, principalmente, eles também ganharam a reprovação de todo o Brasil pelo discurso preconceituoso quanto aos nordestinos.

Ao final, você disse que” a única maneira de não perdermos tempo brigando por política é passar os próximos quatro anos perdendo tempo com política”. Tirando o tom pesado da palavra “perda”, Gregório, você há então de concordar comigo que ganhamos todos porque, pelo que entendi nas continuidades das postagens de muitos dos meus amigos, mais do que nunca, tanto uma metade quanto o todo quase inteiro estão de olho fiscalizando mais do que nunca os seus e os deles. Como já disse, não importa em quem votamos, todos defendemos – e entendemos que precisamos continuar a defender – o melhor.

Abraços de uma fã que sempre diverge.

Elika Takimoto

PS. Ah sim, a Veja, não deu para discordar de você nessa, ela sim se perdeu por completo.

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http://www1.folha.uol.com.br/colunas/gregorioduvivier/2014/10/1538830-perdemos.shtml

O Salto Alto da Princesa

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A princesa estava presa na torre do castelo. Fosse isso um conto de fadas, ela permitiria o cabelo crescer a la Rapunzel para que homens subissem na intenção de, no mínimo, tirar-lhe um pouco do tédio. Mas não, o conto é real. Portanto, a bruxa vinha de mês em mês cortar seu cabelo curtinho.

Até que um dia aparece um príncipe. Montado em um cavalo branco ainda por cima (A princesa era louca por cavalos). E sorri com o mais lindo dos sorrisos. E lhe chama com a mão.

– Oh meodeos!, pensava ela, como posso sair daqui!?!

A princesa, outrora tão desesperançosa, foi aspirada de repente, agora veja, pelos seus próprios suspiros que aumentaram freneticamente pelo sonho de viver uma vida acompanhada.

-Pula! Pula que eu te pego! – Gritou ele de braços abertos.

A princesa pensou não duas, mas três vezes. Talvez quatro. Cinco para não errar. E decidiu.

Encostou na parede oposta à janela.

Pegou impulso.

E pulou.

Fosse isso um conto de fadas, a princesa seria amortecida pelos fortes braços do rapaz. Mas não. Como já disse, o conto é real.

O príncipe estava todo pronto para segurá-la. Isso é verdade. Mas ao olhar para o alto, de onde vinha sua princesa, a luz do Sol entrou forte em seus olhos e fez com que ele espirrasse, fato que ocorre quando somos sugados pela escuridão.

Com um ímpeto involuntário, ele piscou forte e seus músculos tiveram um intenso e rápido espasmo.

Logo quando ela se aproximava.

Sobre os Debates. Papo reto entre nós.

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Vamos combinar que isso aqui já virou um circo. Para sentirmos o nível de todos os palhaços desse espetáculo, quando o Bonner pediu para a plateia não se manifestar, todo mundo o aplaudiu. No mais, o Brasil é o único país em que o humorista é citado em um debate quando geralmente deve ser ele a fazer referência aos presidenciáveis. Foi tanto tiro, porrada e bomba onde dois papos fizeram história que eu mesma já me peguei dirigindo hoje ao colega que vai votar em Aécio, chamando-o de ‘candidato’. Aliás, candidato e candidata, depois desses debates, viraram sinônimo de, no mínimo, ‘eu não te amo’.

– Candidato, Aécio…
– É mentira! Eu não me chamo Aécio!

Eu, particularmente, senti falta de regras. Andei consultando as usadas nas “Artes marciais mistas”, achei-as bem pertinentes e que poderiam ter sido utilizadas, ainda que em sentido metafórico, nos últimos debates. Observem algumas delas: 1- Não pode morder, 2- Não pode cuspir no colega, 3- Golpear os rins com os calcanhares, 4- Aplicar joelhadas na cabeça de um adversário caído, 5- Pisar em um adversário caído e 6- Usar conduta anti-desportiva que possa causar danos ao adversário; apenas para citar aqui algumas. Tivessem essas poucas normas sido consideradas e já teríamos um mundo mais bonito. E já que é para sonhar, para variar mesmo o espírito da coisa e colocarmos mais amor no Universo, penso que teria sido mega interessante usarmos a dinâmica da terapia de casal. Imagina se as perguntas da platéia fossem, por exemplo: O que você mais admira no projeto do outro candidato?, Se você não for eleito(a), como pretende contribuir para que o Brasil cresça e prospere?, Da vida política do outro candidato, o que mais você admira? Qual a qualidade dele(a) que você gostaria de ter? Seria um belo exercício e exemplo para todos nós, não?

– Candidata, seu governo não investiu nas indústrias e o resultado disso foi a falta da bananada tachão de Ubatuba no mercado alimentício, candidata!
– Candidato, no que se refere, bem, no que se refere às questões… citadas, candidato, o meu governo investiu no povo, e o povo comprou muita bananada tachão acabando, inclusive, candidato!, dado o poder econômico e de consumo que hoje o pobre tem, com todas as bananadas tachão do estoque.

Para que o debate fizesse juz mesmo com entretenimento, poderia ter tido aquela opção do antigo programa de auditório onde quem errasse, mentisse ou desse risinho cínico levava uma torta na cara. E Ratinho poderia intervir a qualquer momento para fazer o teste de DNA que fosse necessário, a começar, pelo Bolsa-Família. Quanto a ela, só faltou alguém do público se levantar e gritar “pai é quem cria e não quem gera!”. E o público, desobedecendo Bonner como mostrou que o faria, aplaudiria o barraco montado. Em tempo, Aécio e Dilma pareciam pais brigando na separação disputando a guarda da criança.

– Candidata, eu criei a Teoria da Relatividade, Einstein só deu continuidade!

Poderíamos também ter a presença dos famosos que fizeram campanha. Gian e Giovani poderiam fazer uma ode no intervalo, Chico Idem, Lobão nem pensar, Ronaldinho poderia fazer umas embaixadinhas, Ziraldo poderia desenhar algumas cenas e Barrichelo poderia aparecer atrasado querendo que Marina ganhasse. Mas o que vimos não foi nada disso. Zero arte. Necas de beleza. Testemunhamos todos, nesses debates, o mesmo de quando também nos unimos há poucos meses atrás e ficamos de frente para a televisão torcendo para ver o Brasil fazendo bonito. E tomamos de 7 a 1. Desânimo total.

– Candidata, deixa de ser leviana, e pare de ficar ofendendo o Estado de Minas toda hora.
– Candidato, eu não ofendo aquela merda!

Quisesse mesmo Dilma ganhar as eleições de forma fácil, não precisava nem de um minuto e meio para falar no final. Bastava ela olhar com aquela cara quando ouve Aécio falar em Mensalão e Petrobrás, bastava ela mirar com aquele mesmo semblante para a câmera e dizer: brasileiro, se você não votar em mim, puxarei seu pé durante quatro anos. Pronto. Batata. Dez segundos e tudo estaria garantido. Por outro lado, se encontro Aécio na rua e ele sorri para mim daquele jeito que o faz para Dilma e se dirigindo para nós, espectadores, eu acho que seria estuprada ou sei lá meu deus, muito estuprada. Meu pesadelo é ao sair do banho, na hora que d´eu pegar a toalha, a casa vazia, silêncio total. Olho no espelho e tcharã! Aécio sorrindo atrás de mim. Morri.

– Candidata, como resolver todos os problemas do Brasil de uma vez só?
– PRONATEC.

Enfim, acho que ninguém aqui é louco de definir voto baseando-se nos debates. Não estamos buscando simpatia e nem é por um erro de português (quem nunca?) que podemos julgar se um candidato serve ou não para nos representar. Quem usa desse argumento deve acreditar que quem fala bem tem mais capacidade intelectual do que quem vacila ao fazer um discurso. Ora, Hittler era mestre em retórica. Charles Chaplin não sorria facilmente, fora de seus filmes era considerado extremamente indigesto.

Mas não quero defender ninguém hoje. O texto é só para mostrar que seja lá quem vencer essas eleições, nós, eleitores, tanto um lado quanto de outro devemos manter o empenho de continuar fiscalizando a vida de quem for eleito e divulgando os números que conseguirmos. Afinal, todos temos em comum o fato de querermos o melhor para nosso país e é bom lembrar que seja Aécio ou seja  Dilma, o nosso papel nessa história não pode acabar no dia 26.

Aproveito para convocar todos para uma manifestação pedindo um churrasco de confraternização a Mark Zuckerberg para que nos abracemos.

Ok, sem churrasco. Mas vai, aperta a mão do amigo porque o barco é um só e estamos todos nele.

O Pão que o Diabo Amassou

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Nara, minha filha adolescente, virou mesmo vegetariana de carne vermelha e como se isso já não bastasse, Nelsin, meu marido, agora entrou numa super vibe orgânica. Tudo natureba. Até sal. Açúcar nem pensar. Nada industrializado. Ou seja, só comida insípida aqui. E eu que não tenho nada a ver com isso, mas também não vou ao supermercado, vou comendo o que eles compram.

Ontem, por exemplo, Nelsin chegou em casa todo sorridente e tirou da sacola, como quem tira um saco de dez quilos de batata ruffles, um pão de abóbora. E anunciou-o em voz alta:

– Pão de abóbora!!!

– Pão? Amém! – Respondi cheia de entusiasmo e fome.

Fui ver animada. Não tinha glúten, farinha e fermento. Aquilo era tudo menos pão, gente. Sacanagem chamar coisa sem glúten de pão. Era abóbora amassada com sei lá o que meu deus, quinoa e linhaça. Deve ser. Tinha gosto de pé de mendigo. Vencia em dois dias e custou, como qualquer produto verde, os olhos da cara.

Tentei comer. Não deu. Botei manteiga. Não deu. Cortei em fatias. Botei no grill. Depois taquei sal grosso por cima (que não é industrializado). Nada. Derreti queijo branco e taquei na massaroca xulezenta. Nada. Joguei alho fritinho. Não deu também. Depois peguei uma tigela de farofa, uma galinha preta, torci o pescoço dela, bebi do sangue da bicha, fiz a dança da chuva, me virei pra meca, peguei um pedaço do vai-sonhando-que-isso-é-pão, espremi ele com um filé de peixe (frito em óleo de semente de girassol) até eu esquecer que aquela abóbora solada existe e comi.

Deu.

E assim tem sido as minhas refeições. Agora, por exemplo, estou olhando para esses nabos, rabanetes, rúcula e esse macarrão de arroz sem glúten e pensando noutra macumba.

Ganhamos em saúde, fato. Mas haja atabaque para bater com vontade e expulsar esse Exu insosso dessa casa viu.

“Tô iluminado pra poder cegar, Tô ficando cego pra poder guiar”

De uns tempos para cá mudei radicalmente a minha forma de ensinar. Ao ver o discurso de profissionais que ajudei a formar, percebi que estava, sem saber, imersa nesse sistema que se auto-reproduz “naturalmente” e ajudando a fortalecê-lo. Perguntei-me: em que medida eu ajudo os meus alunos a formular o conceito de ‘ciência’, ‘cientista’, ‘método científico’, ‘saúde’, ‘vida’, ‘organismo, natureza’, etc. ? Em que medida eu estimulo meus alunos a refletirem sobre esses conceitos?

No mais, constatei claramente que os programas escolares se baseiam no pressuposto que os conhecimentos podem ser adquiridos em uma ordem lógica pré-determinada. Ou seja, nem sonham em levar em consideração que o aprendizado só acontece em resposta a um desafio, a uma curiosidade. Isso, de certa forma, justifica a reclamação de tantos alunos quanto à necessidade daquilo que se está aprendendo dentro da escola. Vi, nitidamente, que fui objeto de tortura para quem “ensinava”. Não é à toa que crianças e adolescentes vibram quando um professor fica doente. E se ficamos horrorizados com isso é porque queremos, ainda que de forma inconsciente, que eles sejam como os necrófilos que se excitam diante um cadáver. Conhecimento morto que não serve para nada, para que?

Como professora de física, verifiquei notoriamente que muitas escolas particulares que usam seus laboratórios como vitrine para os pais para mostrar que se trata de uma escola moderna e bem equipada, de educação, nada sabem. Muitos desses laboratórios não só nada ensinam como fazem pior, enganam. Explico-me: o que os equipamentos mega moderninhos dizem é “é assim que se faz ciência de qualidade”. Não é nada disso. Ciência não é coisa que se faça em laboratórios. Ou melhor, dispensam-os facilmente, pois ciência se faz em qualquer lugar. Quando perguntaram a Einstein onde ficava o laboratório em que ele trabalhava, ele apontou para sua peruca branca descabelada. O famoso físico sabia muito bem o que dizia. Para se fazer ciência basta usar a cabeça. E a primeira tarefa de um professor de física deve ser ensinar a pensar, a perguntar e não ensinar a responder.

Nossos currículos são organizados em função de uma razão maior que está longe de ser o benefício dos alunos como seres humanos e pensantes. É mais ou menos assim, os currículos de nossas escolas servem para “formar” os alunos, na verdade, enformá-los, dito mais honestamente, deformá-los. E bem sabemos que tudo o que é “formado” é fechado. Ora, a educação não seria muito mais útil se abrisse nossos horizontes ao invés de limitá-los?

Cansei de deformar adolescentes. Dei o meu basta este ano. Há tempos percebia que a física que eu ensinava era um desserviço para a sociedade porque não servia para absolutamente nada a não ser passar no vestibular. Quem aqui usou a equação de Torricelli na vida? Eu mesma, como professora de física, jamais usei sem ser em sala de aula. Saber da existência da equação é uma coisa, compreender a sua origem idem, mas resolver um problema onde se pretende calcular se o carro vai ou não atropelar a vaca quando está a uma determinada distância da mesma e imprime ao carro uma dada aceleração… para que isso? O que isso acrescenta no meu aluno para que ele se torne mais crítico? Em que medida essa prática estimula a criatividade?

E o educador é, acima de tudo, um político, quer ele queira ou não. Trabalhando em cima do currículo-padrão, ele contribui como um instrumental de formação política e não-reflexão sobre as mazelas do país e do mundo, além de influenciar a postura do indivíduo diante dos problemas que nos afetam diretamente como a saúde pública, por exemplo. Ou ele bem ajuda a formar um sujeito reflexivo, crítico, que fomente a emancipação popular ou ele bem forma indivíduos acríticos, obedientes e conformistas, contribuindo para manutenção de um quadro de inércia coletiva diante das questões sociais.

Fazemos nossos alunos acreditar que uma aula termina quando a outra começa e que a matemática é a única forma em que a natureza se manifesta para os cientistas. Nas escolas brasileiras, os professores competem entre si em grau de importância da disciplina que leciona. Estimulam a ideia de que há uma diferença entre ciências exatas e todas as demais. Assim, formamos, literalmente, somente para citar alguns exemplos, psicólogos que não sabem fazer conta e engenheiros que não gostam de poesia. Dividimos o uno. E cérebro desses seres, monstros do dr. Frankstein que são nossos alunos, é usado como mero depósito de informações, em sua maioria, irrelevantes.

Não.

Não quero mais isso. Quero meus alunos usando a cabeça para conectar os dados que lhe são apresentados. Que eles aprendam a analisá-los, criticá-los e a reflirem sobre eles. Todo e qualquer conhecimento por nós, de fato, adquirido começa com uma interrogação e não com uma afirmação desinteressante de alguém em pé na nossa frente. Tudo se inicia na curiosidade e não na autoridade de um professor. Nosso modelo de educação entende muito bem da arte de doutrinar, habilitar, instruir, pontificar, mas pouco ou nada contribuem para alumiar mente nenhuma, pelo contrário, anuviam-na.

Educar é causar espanto, já dizia o mestre Rubem Alves. É provocar a dúvida. Minha luta hoje na educação é por uma escola em que os alunos não sejam ensinados e sim aprendam. E que todos percebam essa enorme diferença.

Soldado Rogério, General Toledo e a praga do Ebola

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Quando eu era criança, ouvia um burburinho que no ano 2000 o mundo ia acabar. Ficava apavorada, fazendo contas de quantos anos eu teria, meus pais teriam, meu cachorro teria, meus irmãos teriam ao perder nossas vidas… e não importava o resultado do cálculo, éramos sempre muito novos para morrer. Pesadelos aconteciam de forma frequente por conta de tanto desespero por saber a causa e a data certa que todos faleceríamos. Deixar de existir, definitivamente, não estava nos meus planos quando era pequena e aceitar a morte de meus pais continua fora de cogitação até os dias de hoje.

Com a notícia do vírus Ebola que anda se alastrando pelo mundo, agora é a vez de meu caçula de oito anos surtar. Há dias em que chego em casa e vejo meu pequeno acessando sites de notícias para saber em que pé anda a epidemia. Semana passada,  a suspeita de que o vírus não só chegou ao Brasil como ao Rio fez com que o meu menino sequer dormisse em paz. A criança passou a vir para meu quarto pelas madrugadas e acordava-me pedindo para ver se ele não estava com a garganta inflamada, para medir a sua febre ou para me dizer que não estava sentindo a ponta de seus dedinhos. Resolvi que era a hora d´eu sentar sério para termos uma conversa.

– Yuki, prestenção. Para começar, o vírus Ebola não é o único que existe no mundo. Há bilhões de outros vírus zanzando por aí. Então, se for para entrar em pânico, entra direito, sim?, por causa dos outros também!

Com certeza havia começado mal a minha missão de acalmar a criança, mas assim saiu e nessa linha-psicologia-reversa-vale-qualquer-coisa continuei.

– E se o senhorzinho pensa que só o vírus Ebola que mata, saiba que está enganado. O vírus da gripe mata, o da hepatite mata, o da Aids mata, o do rotavírus também, o da dengue idem… tudo mata! Mas vamos esclarecer uma coisa, Kinho: nem todos que pegam esses vírus morrem por causa deles. Eu, por exemplo, já peguei gripe, dengue, hepatite e estou aqui vivinha da Silva Takimoto conversando com você. Você e seus irmãos já pegaram rotavírus e quase que me mataram porque mãe é assim. O vírus pega no filho e a mãe padece junto sempre!

– Eu peguei rotavírus?- Perguntou-me assustado.

– Pegou, sim senhor. E sabe porque não morreu? Porque os seus soldadinhos estavam fortes e bem treinados!

Pausa para abrir um parêntese.

Todas as vezes que Yuki não quer comer algo tipo beterraba ou beber um suco tipo de melancia, a mamãe aqui entra em ação. Explico que no alimento ou no conteúdo do copo estão vários soldadinhos e seres com importantes missões que precisam entrar no corpo dele para irem se organizando e treinando. Assim, quando algum vírus ou bactéria resolver passar por ele, os soldadinhos estarão fortes, muito bem adestrados, prontos para entrar em ação e colocar essas figuras do mal para passear em outras terras. Sei que comer coisas que não nos apetecem é uma tortura daí, geralmente, eu entro em cena, mais precisamente na comida que está sendo rejeitada. Começo a fazer uma voz de homem e a falar coisas assim:

– Ei! Você aí. Eu sou o Soldado Rogério. Preciso entrar no seu corpo porque recebi um telefonema do General Toledo pedindo reforços.

Yuki percebe a necessidade urgente e acaba enfiando rapidamente a primeira colher na boca.

– Yuki! Yuki! Não me deixe ficar aqui sozinha sem meu papai! – Agora é uma menininha que ficou no prato enquanto o papai dela está correndo pelo corpo do meu caçula procurando se juntar ao batalhão que estava precisando de mais artilheiros.

Yuki vai e joga rapidamente a Julinha para dentro.

– Ei, menino! – Uma voz mega grossa de novo surge do prato.-  Aqui é o enfermeiro Alvarez. Recebi agora um whatsapp dizendo que há feridos no batalhão localizado na sua região abdominal. Preciso ajudá-los porque uma virose se aproxima. Rápido! Depressa que o tempo urge!

Yuki vai e manda ligeirim o enfermeiro para dentro.

– Nãããão! Não me deixe aqui! Preciso ir também, Yuki! Sem esses remédios o que o enfermeiro vai fazer lá? – Reclama a chefe Jacinta do departamento de fármacos.

E, assim, Yuki tem tomado até suco de kiwi gargalhando. Haja nomes e profissões de guerra para inventar…

Fecha parêntese.

– Então, meu filho, quando as mães ficam atrás dos filhos para que eles comam não é sem motivo. É porque elas sabem que existe um mundo invisível do mal que convive com tudo o que vemos e que somente os heróis invisíveis que entram na gente pelos alimentos corretos dão conta.

– Mas, mãe, e as crianças que não tem esses soldados de prontidão?

– Ah essas morrem. – Respondi sem pestanejar. – E você não precisa então se preocupar, ok?, porque os seus batalhões formados por anticorpos mega fortes estão de prontidão para combater qualquer vírus que vier tirar onda com eles, certo? E quanto ao Ebola, ele está láááá. Há quilôôôôôôôômetros de distância de nós, entendeu de uma vez por todas?

Yuki abaixou a cabeça com um semblante pra lá de triste.

– O que foi, meu filho? Eu não disse que você não precisa se preocupar? – Perguntei sem entender nada já que eu, de uma forma lúcida e madura, havia deixado tudo muito bem esclarecido mostrando que ele estava em total segurança.

– Estou pensando nas crianças que estão lá longe, sem soldados e no meio da guerra que esse Ebola anda fazendo.

Olhei para meu menino. Não havia mais o que dizer. Falar para ele não se preocupar com as crianças da Uganda, do Congo, do Sudão, do Gabão e da Guiné era causar um dano em meu filho muito pior do que esse Filovirus altamente infeccioso.

– Chega mais pra lá, Yuki, vamos ver o que podemos fazer por esses então.

Cá estou eu agora buscando uma forma de mandar o Soldado Rogério, o General Toledo, o enfermeiro Alvarez, a chefe Jacinta e mais tantos outros para a África.

Moral da história: As crianças devem ouvir os mais velhos, mas muito mais ganha o Universo quando os mais velhos ouvem as crianças, não?

Prêmio Saraiva – Minha Vida é um Blog Aberto virará livro!!!

Em maio deste ano, inscrevi-me por sugestão de minha amiga Ariete em um concurso nacional promovido pela Saraiva na categoria Literatura Juvenil.  Organizei as crônicas do “Minha Vida é um Blog Aberto” por temas e mandei  todas juntas com o título do próprio blog mesmo. O resultado sairia em outubro. Os três finalistas de cada categoria terão os livros publicados pela Saraiva e a classificação (1º, 2º ou 3º lugar) difere apenas na quantia de dinheiro dado também como prêmio.

Pois muito bem, cof cof, recebi a ligação da Saraiva agora há pouco me dizendo que estou entre os três finalistas!!! Fala sério!!!! Minha Vida é um Blog Aberto virará livro!!! A fase final do Prêmio Saraiva acontecerá em SP, no dia 04/11, para 400 pessoas no Teatro do Instituto Tomie Ohtake e será apresentado por Zeca Camargo! Gente, fiquei chique!!! Todas as despesas da viagem serão pagas por eles.

Não poderia deixar de agradecer a todos vocês que têm me apoiado, curtindo eventualmente meus blás blás blás, comentando carinhosamente meus textos, visitando sempre o meu blog, compartilhando meus devaneios…

Agradecimentos mais que especiais para Ariete que me intimou a participar desse concurso, ao amigo Paulo Andel que me colocou nesse mundo da literatura me encorajando a publicar meus primeiros escritos, a amiga Anna Basevi, excelente escritora e encorajadora nessa empreitada, a Regina Maues por se divertir a vera e a brinca com o que falo por aí, a Mazinho por se emocionar sempre com qualquer bobeira que escrevo, aos meus pais pela força incondicional a qualquer aventura em que eu me meta, ao meu marido pela compreensão de minhas ausências e aos meus filhos por serem os principais personagens de minhas crônicas e de minha vida.

Eu não tenho palavras para definir o que estou sentindo. Vivo, sem sombra de dúvidas, um dos momentos mais emocionantes de minha vida!!!

http://www.premiosaraiva.com.br/premiacao/

Aniversários

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Para você que vai fazer aniversário com a sensação de que está envelhecendo ou, dizendo de uma outra forma, de que ao passar pelo dia que você nasceu uma nova era virá plena de rugas, mais cabelos brancos ou menos cabelo, e que o tempo que lhe resta está diminuindo, ofereço a minha opinião sobre o tempo em nós.

Abdicamos de ter oito anos quando fizemos nove? Acho que não. Penso que ninguém deixa de ter idade alguma porque entendo que a idade atual não é nenhuma inauguração ou estréia. Nós não nascemos com todos esses quarenta, cinquenta, sessenta anos que estamos fazendo. Somente o dia do nosso nascimento pode ser considerado um prelúdio. De resto, teremos para sempre quinze, vinte, vinte e cinco, cinco anos. E, perceba, chegaremos sempre inexperientes no assoprar das velas porque não importa a idade que estamos fazendo, há sempre uma situação em que precisamos chamar uma pessoa adulta para nos ajudar ou que sentimos necessidade de voltar para a casa de nossos pais.

Deixamos, por acaso, de ser inseguros diante a necessidade de tomar uma decisão nas bifurcações da estrada?, de sentir a falta da mãe quando estamos gripados?, de ter o coração acelerado quando a pessoa pela qual nos apaixonamos olha profundamente em nossa direção? Paramos de sonhar? Acabaram os nossos pesadelos? A roda-gigante ficou sem graça? O chocolate menos saboroso? Ora ora… No mais, todo o passado segue agindo em nós e sendo modificado pelo presente vivido. O que passou sequer é pretérito pois o que foi decorrido ainda corre. Fatos aparentemente sem explicação passam a fazer sentido diante um novo acontecimento. Ou seja, o passado não fica para trás, assim como nenhum ciclo ao fazermos mais um aniversário. Vira tudo um caldeirão dentro da gente que está sempre sendo agitado e misturado pela frequência dos nossos passos.

E quem nos aponta o dedo na cara e nos diz que não temos mais idade de passar por certos tipos de sofrimento? Para esses, eu pergunto:  Há então a idade de sofrer e a de não sofrer mais por determinadas coisas? As coisas, essas determinadas coisas, só devem acontecer na idade certinha de senti-las? Faz sentido dizer que não devo padecer por isso porque está fora de hora? Não estaríamos mortos se declaramos que não temos mais idade e liberdade de sentir dores insuportáveis  como a de  querer comer um doce, por exemplo?

Não interrompemos uma certa idade quando passamos a ter outra. Temos sete, temos dez, temos vinte, temos quarenta e temos cinquenta, cinquenta e um, cinquenta e dois,… Se o tempo de fato passasse, ele não estaria sempre com a gente. Nada ficou para trás se ainda carregamos conosco. Só o que não temos, creio eu, é o que está por vir.

(E se, por um capricho do destino, o amor acontece… seja lá qual for a  idade, adolescemos e passamos a ter uma eternidade pela frente. Pois aí é bem como disse o poeta,  “não há tempo consumido nem tempo a economizar, o tempo é todo vestido de amor e tempo de amar”.)

Economia Yukiana

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Yuki, meu caçulinha de oito anos, veio feliz me mostrar o carrinho que havia comprado usando todo o dinheiro – nove reais – que havia economizado há meses com o troco da merenda.

– Mãe! Olha meu transformers! Ele faz isso e aquilo e mais aquilo outro!, e vira assim!, e mexe assado!, e ainda lança projétil! Gastei todo o meu dinheiro mas valeu a pena! Muito legal ele, né?
– Sim. Muito mesmo!- respondi.

Que bom, pensei, tão pequeno e já está aprendendo a lidar de forma sábia com a moeda. Sem desperdício e com maturidade. Mas daí, olhando aquele brinquedo meio robô meio carrinho e cheio de adereços, ocorreu-me uma pergunta:

– Mas, ele custou só nove reais?
– Bem…Não… Na verdade, meu pai teve que dar uma forcinha na hora.
– Imaginei. Quanto foi essa forcinha?
– Cento e noventa reais. – Respondeu ainda olhando maravilhado para o brinquedo. E completou: Vou começar uma nova economia na segunda.

Virou-se para mim e deixou escapar um sorriso gaiato.

Tenho a ligeira impressão de que fomos deliciosamente enganados aqui.