O tema é polêmico. Se um psicanalista, por exemplo, não pode e nem deve ter intimidade com o paciente, como deve se comportar o professor? Ou ainda: é saudável para a relação professor-aluno que eles sejam amigos no feicebuque?
Os que dizem que ‘não’ a essa pergunta são aqueles que preferem manter a privacidade, ou melhor, não querem dividir a sua vida pessoal, suas opiniões, suas fotos de viagens com aqueles que vão aprender algo com eles. Entendem que a relação acaba e quiçá pode ser prejudicada com essa aproximação, diria até, com essa horizontalidade nessa paridade. Professor é professor e não amiguinho, já ouvi por aí. Aluno não precisa ser íntimo, aliás!, é bom que não seja.
Eu, como todos sabem, tenho muitos alunos como ‘amigos’ e a minha relação com eles se mudou foi para melhor. O respeito continuo tendo e, ao contrário do que muitos pensam, nunca alunos invadiram o espaço da rede social para falar sobre assuntos de escola. Quando o fizeram foi porque eu de antemão permiti em uma conversa. No momento que querem falar algo sério, sempre usam o e-mail. Eles já entenderam, sem sequer eu precisar explicar, como devem se comportar em ambientes diferentes e quando uma conversa deve ser oficializada. Os jovens não são tão irresponsáveis e imaturos como o senso-comum aponta.
Por outro lado, eu também passo a conhecê-los um pouco mais. Vejo o que compartilham, o que lhes agrada, o que lhes entristece… e isso tem facilitado muito o meu olhar para eles e nosso diálogo dentro de sala de aula. São todos muito diferentes como todos nós, adultos, também somos. E essa diferença, as vezes esquecida ao vê-los todos sentados de uniforme, fica mais clara e é lembrada por esse contato via rede social.
A única vez que tive dúvidas sobre essa relação foi nas vésperas das eleições. Sei que formo opiniões e que um professor pode cegar seus alunos com ideias. Questionei a mim mesma se seria ético mencionar e defender a minha posição política para eles. Decidi que poderia fazer isso de forma educativa, incentivando a leitura de livros, a buscar a veracidade das informações, a como expor um ponto de vista controverso, a fundamentar bem a escolha, a questionar, acima de tudo, as coisas que eu escrevia. Debates acalorados e muito respeitosos aconteceram publicamente. Inclusive com os pais que jamais, ainda que em posição política oposta, condenaram a minha atitude. Portanto, tendo todo o cuidado de não anuviar, tive a postura que todos os ‘meus amigos’ puderam testemunhar.
Quanto ao psicanalista e profissões afins, eu me pergunto se deve ser diferente o enfoque. Acho que estamos sendo todos forçados, via rede social, a ver aquele que nos serve de uma maneira ou de outra como um ser humano de carne e osso. Lembro-me, quando comecei a dar aula e nem sequer existia celular direito, que fui convidada para uma festa de 15 anos de uma aluna. Cheguei com meu marido no horário marcado – óóóóóóó a professora tem um namorado! – e dancei na pista como todos estavam fazendo. No meio do Abre as suas Asas e Solte suas Feras uma aluna apareceu com os olhos arregalados dizendo: professor dança? Pois muito bem, em tempos atuais, professor não só dança como vai à praia, usa roupa de banho, namora com quem ele quiser, pinta, borda, se fantasia no carnaval de borboleta e ainda escreve abobrinhas como eu. E médicos idem, psicólogos idem, dentistas idem, fisioterapeutas idem e engenheiros, bem, engenheiros são um caso à parte.
Cabe a nós, assim como esses alunos têm feito de maneira tão elegante e sábia, entender que ninguém aqui é o monstro do Dr. Frankenstein. Não somos feitos de pedaços, somos uno. E o profissional que lida diretamente com pessoas pode continuar a ser um excelente profissional ainda depois de ser visto e considerado como um ser humano por seus alunos ou pacientes (que são, a meu ver, em essência, a mesma coisa: pessoas que precisam de uma transformação). Mas mais ainda, o aluno e o paciente podem também ser vistos em sua completude.
Há relações, ainda que profissionais, que perdem quando nos conhecemos melhor? Eu acho que não.