Quero contar para vocês uma história que Rubem Alves me contou ontem. Uma história a la parábola do sábio chinês, mas que, curiosamente, me prendeu e me fez pensar. Uma história que não aconteceu nunca e que acontece sempre. Como pode isso? Vocês vão me entender no final:
Um homem muito rico, ao morrer, deixou suas terras para seus filhos. Todos eles receberam terras férteis e belas, com a exceção do mais novo, para quem sobrou um charco inútil para a agricultura. Seus amigos se entristeceram com isso e o visitaram, lamentando a injustiça que lhe havia sido feita. Mas ele só lhes disse uma coisa: “Se é bom ou se é mau, só o futuro dirá.” No ano seguinte, uma seca terrível se abateu sobre o país, e as terras dos seus irmãos foram devastadas: as fontes secaram, os pastos ficaram esturricados, o gado morreu. Mas o charco do irmão mais novo se transformou num oásis fértil e belo. Ele ficou rico e comprou um lindo cavalo branco por um preço altíssimo. Seus amigos organizaram uma festa porque coisa tão maravilhosa lhe tinha acontecido. Mas dele só ouviram uma coisa: “Se é bom ou se é mau, só o futuro dirá.” No dia seguinte seu cavalo de raça fugiu e foi grande a tristeza. Seus amigos vieram e lamentaram o acontecido. Mas o que o homem lhes disse foi: “Se é bom ou se é mau, só o futuro dirá.” Passados sete dias o cavalo voltou trazendo consigo dez lindos cavalos selvagens. Vieram os amigos para celebrar esta nova riqueza, mas o que ouviram foram as palavras de sempre: “Se é bom ou se é mau, só o futuro dirá.” No dia seguinte o seu filho, sem juízo, montou um cavalo selvagem. O cavalo corcoveou e o lançou longe. O moço quebrou uma perna. Voltaram os amigos para lamentar a desgraça. “Se é bom ou se é mau, só o futuro dirá”, o pai repetiu. Passados poucos dias vieram os soldados do rei para levar os jovens para a guerra. Todos os moços tiveram de partir, menos o seu filho de perna quebrada. Os amigos se alegraram e vieram festejar. O pai viu tudo e só disse uma coisa: “Se é bom ou se é mau, só o futuro dirá…”
E assim terminou a história que Rubem Alves me contou: reticente. Percebi que esta é a história da minha vida e quiçá de todo o resto da humanidade. Não há tristeza ou alegria que dure a vida inteira. Não há vitória que garanta que a vida está ganha e nenhuma perda que implique uma condenação permanente.
O que concluo? Que só é de fato definitivo aquilo que se eterniza com a morte. Os soldados mortos na guerra, por exemplo, serão para sempre rapazes. O apaixonado que foi fatalmente atropelado, amará no infinito. O torcedor que ao gritar gol! morreu infartado, infindável será sua alegria. As crianças cujos corpos não resistiram à fome serão a perpétua vergonha da humanidade.
E tratemos nós de aprender a viver à mercê do imprevisível. Pois pelo visto, tudo é mesmo desfeito com o tempo, as alegrias tais e quais castelos na areia e as tristezas tais e quais o fim da lagarta. As dúvidas. As certezas. Tudo. Absolutamente tudo. Até virarmos pó.
Enquanto isso não acontece “se é bom ou se é mau, só o futuro dirá.”
Durmamos com esse risco parabolóide na cabeça.