Neste ano, Nara, Hideo e Nelson, o homem mais sortudo do mundo (meu marido) resolveram fazer teatro com a talentosééééééésima Andréa Cevidanes. Esta, danada que só, simplesmente teve a ideia de fazer Vinicius de Moraes contar a história pra lá de batida de Romeu e Julieta. E assim nasce o maravilhoso espetáculo que será apresentado no próximo Domingo: “Um Poema para Romeu e Julieta” e que terá metade da minha família no elenco dentre outros.
Fato é que estão os três daqui de casa decorando as falas há tempos e mega agitados com a proximidade da apresentação. Euzinha aqui ando vivendo uma experiência ímpar na minha vida depois que o texto entrou a vera na cabeça deles.
Cena 1: Eu na cozinha colocando a mesa e chamando todos para almoçar.
ELIKA – (Fala para seu caçula de oito anos antes de sentar a mesa.) Yuki, lava as mãos!
Do nada, assim, tipo assim, do além Hideo grita.
HIDEO- As mãos queimadas do fuzil candente, as vestes podres de granizo e lama!
ELIKA – Vem você também almoçar, homem de Deus!
Nara, enquanto mexe nos talheres, tristemente fala depois que ouve a voz de Hideo.
NARA- O homem nasce da mulher e tem vida breve.
ELIKA- Ãhn???
NARA – (desprezando a mãe) No meio do caminho morre o homem nascido da mulher que morre para que o homem tenha vida.
Hideo chega na cozinha.
HIDEO – A vida é curta, o amor é curto. Só a morte é que é comprida…
Elika pensa: ai Jesus…
Cena 2: Lucimar, minha empregada, me entrega um envelope que acaba de chegar do Detran enquanto almoçamos.
ELIKA- Multa? Será? Hideo, você andou avançando sinal?
HIDEO – (responde ligeiro à sua mãe) Ele avançou. (olha para o prato) Sem temer, ele olhou a morte que vinha e viu na morte o sentido da vitória do Espírito.
ELIKA- Ãhn???
HIDEO- (desprezando a mãe) No horror do choque tremendo aberto em feridas o peito o homem gritou que a traição é da alma covarde e que o forte que luta é como o raio que fere e que deixa no espaço o estrondo da sua vinda.
Elika desiste. Liga para o marido.
Trim. Trim. Triiiim. (Som de telefone)
NELSON – Alô.
ELIKA- Nelsu, chegou multa. Avanço de sinal na Goiás. Foi você?
Nelson responde (?).
NELSON – Não! (pausa longa) Já não amo mais os passarinhos a quem, triste, contei tanto segredo.
ELIKA – Ãhn?
NELSON- (desprezando a esposa) Não amo mais as sombras do arvoredo em seu suave entardecer de ninhos nem amo receber outros carinhos e até de amar a vida tenho medo.
ELIKA- Ok.
Elika pensa: ai caceta…
Cena 3: O refrigerante está longe e a mãe pede ajuda.
ELIKA- Passa a Coca. Está gelada?
Nara responde (?):
NARA- Já está gelada. (pausa longa)
Elika pensa: Oh não! Lá vem a onda de novo.
NARA- O sangue está parado; os membros, duros. Estes lábios e a vida há muito tempo separados já estão. A morte se acha sobre ela como geada. A morte, na véspera do dia de suas núpcias, deitou-se com ela; Uma só filha, e a cruel morte arrancá-la, assim, da vista da sua família.
Elika se vira para Meca e pensa: não vou enlouquecer não vou enlouquecer não vou enlouquecer…
ELIKA – Vocês vão me deixar louca!!!
HIDEO- Minha mãe, minha mãe!
Hideo se sensibiliza enfim com a mãe naquele hospício. Hideo sempre foi um filho atento às aflições de sua mãezinha e há de salvá-la.
HIDEO- Eu tenho medo. Tenho medo da vida, minha mãe. (pausa média)
HIDEO- Canta a doce cantiga que cantavas quando eu corria doido ao teu regaço com medo dos fantasmas do telhado.
Elika pensa: puta merda.
Fecha o pano.
A despeito d’ eu não conseguir mais falar de forma normal com quase ninguém desta casa, posso garantir, o espetáculo está imperdível e os atores estão assim tipo um troço de louco mesmo. Dá até gosto de ver viu. A gente nem acredita como eles conseguem fazer isso com tanta naturalidade.
Perigo é se apaixonar pelo teatro e querer também fazer uma peça.