Fora do ar

pedra

A verdade é que estou sofrendo. E é assim que tenho passado meus dias. Assim é cada segundo: sendo lançada longe como uma pedra em alto mar. O espaço a minha volta assobia, mas há calma dependendo de como me posicione em relação ao ar que resiste a minha passagem. Ou sou eu que dificulto o movimento desse fluido? Não há chão e por vezes não há eu. O ar parou de assobiar. Parei eu de me movimentar? Agora caio verticalmente? O ímpeto natural de se mover para frente. Acabou. Devo dar cambalhotas e aproveitar a queda ou tentar voar? Nasceu no horizonte um Sol sem cor. Sem brilho. Sem força. Não sei se é a minha posição que dificulta uma visão mais radiativa ou é o Sol mesmo que às vezes nasce quadrado. E sem cor. Sem calor? É possível cor sem calor? O quente sem o vermelho? Há silêncio, o mesmo de quando os sinos tocam lá longe. Eu já não escuto há tempos os sinos tocarem quando distantes mas, perto, se os ouço, ouço sobretudo o silêncio. Silêncio que precisei tanto mas que agora parece que só serve para eu traçar essas linhas retas, paralelas, sem auxílio de réguas. Réguas. Ando repetindo as palavras para ver se mudam de significado. Significado. O relógio anda e meus instantes são vazios. Plenos de rosáceas desenhadas à mão livre. Ridículas essas rosáceas. Momentos que nada sucedem, futuros que nada podem trazer. Há um bem-estar intermitente, uma sensação difícil e furtiva. Sonsa. Estúpida. Quero ir até o fim para ver como será o meu fim. Dentro do meu corpo os significados sussurram e se desfazem e se refazem com o movimento de uma aurora boreal. Sou uma menina descansando. Estou olhando, olhando, ressentindo o próprio sentir. Sou um instrumento abandonado que sem que me toquem começo a fazer som. Nada me inspira. Toco uma música inodora e cheia de arpejos, acordes dissonantes, pausas, semibreves. Confusa. O que penso são sensações que procuro não expressar por palavras porque estou obstinada a encontrar o meu inconsciente. Algo sucede distante. Ah por que tão distante? Essas léguas me aniquilam! Venço a distância ao olhar para ela, sincera. Sinto uma noção de viagem. Distância mudando de significado. Não sinto mais fome. O espaço não tem mais mistério e o olho com estranheza. O vento me provoca arrepios de compreensão. Aonde devo voltar para não entender? Percorri mais umas moléculas de ar, um pensamento indistinto e fraco começa balançando os cabelos e percorre o corpo abandonado. Fortalece-se revolto, continua incompreensível pelas palavras. Levanto-me. Tenho sede. E retorno ao movimento parabólico do lançamento. Ando sem que nenhuma força me empurre. Sem que ninguém me chame. Faz sentido esse movimento? Falta-me angustiosamente um sentido. Uma verdade para dirigir-me. Uma incompreensão a ser descoberta. Sou mãe precisando de mãe. Não suporto mais lembrar que quero ser esquecida. Eu quero falar e embora não saiba o quê, só não digo porque me falta coragem. Esqueço que gritar é necessário e sigo, eu-projétil, muda. Os olhos estão úmidos demais. É o vento. É o vento. O mar me parece familiar. Que o medo escorra, agora que o ar me abriga. Não posso dormir para sentir tudo até que tudo se mostre e se torne por si próprio e transforma-se em outra coisa diferente de medo. Medo. Noites de primavera, então, vocês também são assim? Deslizam-se para uma inquietude sem além? Eu estou só. Eu. Eu sou isso? Vacilante fingindo-me estar concentrada enquanto me ausento a todo instante? Vou saber o que é meu depois de misturar-me? Para pensar profundamente não posso me lembrar de nada em particular. Purifica-se de lembranças? Quando tudo for livre, quando não estiver ligada fatalmente ao que existe fora de mim, atingirei os céus ou já terei caído? Não quero respeitar pai e mãe porque fui ensinada, não quero sentir alegria por ouvir batucada, não quero sentir dor quando o joelho sangra, não quero rir dos risos e nem pedir dá licença. Não quero agradecer e muito menos ser grata por tanto aprendizado. Aos poucos, lançando-me e sendo lançada, respirando e sendo expirada, inspirando e sendo esperada vou me ligando mais profundamente com o que existo. De onde apareci com essa forma? Vivendo no final de mim e no começo do que jamais serei? Equilibra-se na insipidez? Estou fraca e recebendo o que é excessivamente pesado. Vai. Vai escrever. Vai ler. Não era isso que você queria? Já vai de novo? Isso não acaba? Eu sou tola demais para ter dificuldades. Vai. Quero ver você ler e escrever agora. Estou isolada de cansaço. Tudo é indeciso e deus como tudo é tão novo, como tudo nasce e como tudo morre. Tudo é tão revolvido, revolto, revolucionário, reviravolto. Ocupo-me verdadeiramente de Deus e começo a rezar. Porque tudo que me assusta e me deixa só é o que devo procurar. Flutuo ainda. Está tudo se desfazendo nesse ar. Diabo é amor. A quase noite está chegando de novo e o terror precipita no leito onde não se dorme mais. Estou só, mas deus como eu estava só… Estou calada de tão assustada, impossível um pensamento me guiar para algum lugar. A alma está exausta. Respiro procurando prazer nesse trajeto. Ao menos sentir-me viva. Sou tola. Burra e incapaz. Morri sem saber. Ploft.

Não. Espera. O espaço a minha volta assobia, mas há calma dependendo de como me posicione em relação ao ar que resiste a minha passagem. Ou sou eu que dificulto o movimento desse fluido? Não há chão e por vezes não há eu. O ar parou de assobiar. Parei eu de me movimentar? Agora caio verticalmente? O ímpeto natural de se mover para frente. Acabou.Devo dar cambalhotas e aproveitar a queda ou tentar voar? Nasceu no horizonte um Sol sem cor. Sem brilho. Sem força. Não sei se é a minha posição que dificulta uma visão mais radiativa ou é o Sol mesmo que às vezes nasce quadrado. E sem cor. Sem calor? É possível cor sem calor? O quente sem o vermelho? Há silêncio, o mesmo de quando os sinos tocam lá longe…

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