Para quem não leu ainda nos jornais, Angeline Jolie tirou as mamas, os ovários e as trompas com medo de ter câncer. Isso foi o suficiente para acender um debate e para que as feministas se exaltassem dizendo que Angeline Jolie faz com o corpo dela o que ela quiser. É claro que sim e que ninguém tem nada a ver com isso. A notícia deixou, porém, todo mundo meio boquiaberto e fez com que nos manifestássemos de diversas formas por três principais motivos, a meu ver.
Primeiro: a solução dada parece sim estapafúrdia a ponto das piadas serem inevitáveis. Daí para “Angeline se mata com medo de morrer”, “Angeline corta os dedos para não ter mais unha encravada”, “Angeline arranca os olhos para não ver mais a fome na África”.., não nos custou nada. Eu, particularmente, pensei que fosse notícia do Sensacionalista (um jornal de humor) quando li a manchete do caso.
Ah não, já disseram alguns, mas é que era mesmo muito provável de ela contrair o câncer porque a proteína bê-sei-lá-o-quê estava alta e bababá bububu. Justamente, Angeline e todos que usam esse argumento para justificar o feito utilizam do Princípio da Indução que é altamente falacioso. Somos induzidos a acreditar que se algo aconteceu antes vai acontecer depois. Popper e Hume, grandes filósofos da ciência, já argumentaram que o conhecimento baseado na indução é passível de erros e não serei eu a explicar isso aqui. No mais, se existem pessoas que morreram de câncer nas mamas e nos ovários, quantos foram as outras que sobreviveram e se tornaram pessoas mais saudáveis depois de ter passado por ele? Por que devo usar o princípio da indução no primeiro caso e não no segundo?
Quando estava grávida de meu primeiro filho peguei toxoplasmose. Médicos me disseram que o nenem nasceria com hidrocefalia e eu provavelmente ficaria cega já que cansaram se ver isso acontecer. Bem provável, me disseram… Quando estive grávida da minha filha sem saber que estava, bati mais de 10 chapas de raio x que incidiram diretamente na região onde ela estava crescendo. A probabilidade de ela nascer “defeituosa” era enorme. Se eu acreditasse nisso e seguisse o que me foi aconselhado, o aborto, vejam vocês o que perderia. Se eu tivesse seguido o exemplo de Angeline e não tivesse encarado o meu futuro baseando-me em probabilidades e sendo dominada pelo medo… quão menos rica seria a minha vida.
Ah mas útero só serve para gerar filho e câncer, dizem alguns médicos… será? O que me leva ao segundo ponto:
Sabemos que não somos a soma das partes como muitos médicos insistem em nos tratar. Somos um todo que se influencia mutuamente. Ainda que os ovários não sirvam mais para nada para Angeline (se é que a única função dele é produzir óvulos e câncer), mutilar o corpo tem um significado muito forte. Já dizia Clarice que cortar os nossos defeitos pode ser perigoso porque nunca sabemos qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.
Quem me garante que retirando uma parte não irei desequilibrar outras? Os médicos? A comunidade cientifica que toda hora muda de opinião e que sobrevive a base de financiamentos?
No mais, se tivéssemos o dinheiro da Angelina e fizéssemos exames a mais exames para saber a probabilidade de se contrair isso ou aquilo, isso nos faria pessoas mais saudáveis ou mais neuróticas? O que e leva ao terceiro e último ponto.
O foco maior de tanta polêmica é a atitude dela diante um problema como esse que, como todos sabem, vira exemplo para um rebanho que vem atrás e quiçá para nós mesmos. E se como ela disse, fez isso para que os filhos jamais falassem que a mãe morreu de câncer (como se fosse um futuro certo ela morrer disso caso ela não tirasse os ovários), vai ter que conviver com o fato de que eles agora podem dizer que a mãe deles vivia com medo.
É aí que isso mexe com todos nós: tenhamos ou não ovários, por sua vez, passíveis ou não de terem câncer. O que fazemos diante do medo, sentimento esse que todos nós temos.
Se soubéssemos que trocando de curso bem no meio da faculdade haveria grande probabilidade de não sermos também felizes, se soubéssemos que haveria grande probabilidade de nos sentirmos só quando saíssemos da casa de nossos pais para morar em um país distante quiçá sozinhos em um bairro próximo, se soubéssemos que haveria grande probabilidade de sofrermos muito ao amarmos demais… Ficaríamos acuados pelo medo ou o enfrentaríamos?
Chaplin, se aqui estivesse, diria que até os planetas se chocam e do caos nascem as estrelas. A vida é maravilhosa se não se tem medo dela… Einstein diria que ficar com medo de que a felicidade acabe é o melhor meio de se tornar infeliz. Clarice, já citada, atacaria dizendo que não tem medo nem de chuvas tempestivas nem de grandes ventanias soltas, pois ela também foi e continua sendo o escuro da noite.
Enfim, medo todos sentimos. O que nos diferencia é o que fazemos com ele e por isso nos alardeamos tanto quando uma mulher aparentemente muito forte recua diante dele.
Não é o corpo de Angelina que nos assusta e sim a forma com que ela se joga na vida com ele.