Um lugar como Quintino. Uma pessoa como o Alemão.

Di-Cavalcanti-00621

Eu ando naquela fase que viramos cobaia da lei de Murphy. Já estou um tempo nessa desde que me separei, diria. Vaso entupindo, chuveiro queimando, jarros de planta caindo por causa do vento depois que eu limpo o chão do quintal, caixa d´água com problema na bucha e ficando sem encher por dias, internet pifando… Diria você que esses problemas sempre existiram, mas havia quem os resolvesse para mim. Pode ser. Mas pode ser também que o inferno astral seja algo real e eu esteja passando por ele. Inteligente que sou, formada, professora pós-graduada e bababá bububú fico com a segunda opção. A última vez que tropecei na rua, por exemplo, eu sentei, chorei, olhei para os céus e gritei por quê? Por que tudo comigo?

Pois é, eu ando nessa fase…

Ontem dirigindo a noite voltando da terapia, vejam vocês, percebi que os faróis do takimóvel não estavam acendendo. Saí do carro e fiquei alternando entre entrar no carro e liga desliga, seta para esquerda seta para a direita, farol alto farol baixo, e correr para frente para conferir de perto o tamanho da desgraça. Diagnóstico: senta e chora que deu merda de novo. Os faróis não funcionam mais.

Tristeza profunda.

Pedi o telefone de um mecânico hoje pela manhã para um amigo no CEFET. Ele, super fofo, perguntou-me qual era o problema. Eu disse: os faróis do  takimóvel  não querem mais saber de brilhar. Mas isso é caso de eletricista, não? É. Bem. Deve ser. Daí para eu parar no açougue para tentar resolver esse abacaxi automobilístico já não estava muito longe. Quando eu não entendo de um assunto eu não entendo meesssssmo. Acabei apelando para as redes sociais perguntando quem conhecia um eletricista de confiança. No mesmo segundo, Ana Paula, minha amiga de escola, salvou-me dizendo que conhecia um cara de anos, super honesto e coisa e tal. Me passa o endereço? Pois então, não tem endereço. Só tem como chegar. E lá vamos nós.

As instruções foram claras: fica entre a antiga Funabem e a Igreja de São Jorge em Quintino. No meio desses dois tem algo como um mafuá. Chegando ali, disse Ana, pergunta para qualquer um do Alemão. Todos sabem quem é ele. Ok. Para lá eu me mandei. Ao ver a Igreja na frente, a Funabem pelo retrovisor e um furdunço numa esquina parei meu carro para perguntar. Havia ali um grupo de motoqueiros todos com o capacete na parte de trás da cabeça sentados na moto conversando de braços cruzados. Cheguei naquela tribo. Bom dia, vocês sabem onde fica o Alemão?

– Gorete! Alemão já voltou? – Sondou o motoqueiro para uma mulher na calçada que vestia uma calça leg estampada e que estava sentada numa caixa de feira com um bloquinho na mão anotando o jogo do bicho.

– Já. Ele só foi comprar pão na padaria. – Respondeu Gorete que pressionava um cigarro com seus lábios enquanto falava e anotava o que um outro lá estava lhe dizendo.

– É ali, senhora. Naquele portão. – Apontou o moço mais para o fundo de uma rua.

Lá fui eu para o portão. Passado por ele, entrei em um universo paralelo. Tudo se modernizou nesse planeta, menos esses ambientes de lanternagem, borracharia e consertos de carro em geral. As lojas apresentam sempre o mesmo formato, paredes imundas, mulheres peladas tipo Xuxa quando namorava Pelé coladas na parede e uns homens vestindo jardineiras encardidas com alicates no bolso de trás. Alemão está aí? Perguntei.

– Alemão! – gritou um ermitão.- Tem cliente no balcão!

Um homem imundo da cabeça aos pés parecendo um carvoeiro saído de uma mina e com uns olhos azuis-piscina-limpíssima apareceu.

– Bom dia. Fui recomendada para procurar o senhor aqui. Os faróis do meu carro pifaram.

O Alemão foi lá conferir o Pafúncio – meu takimóvel um ponto zero – na calçada mesmo. Mandou eu ligar e desligar tudo. Começou a mexer lá dentro do motor pelas rebimbocas das parafusetas da vida, ficou mais sujo ainda e me disse:

– Vai ali naquela loja e compra duas dessas. – e me passou uma lâmpada pequenininha.- Não quero nada da China, avisa ao Macarrão. Aquelas merdas não duram nada. Compra uma de marca.

– Qual marca? – perguntei.

– Qualquer uma menos chinesa.

Ok. Fui. Atravessei a Clarimundo de Melo e parei em um outro Universo paralelo. A loja tinha como enfeites calotas de carro de todos os tipos e uma geladeira do século XV bem lá ao fundo do outro lado do balcão de onde se via também um vaso sanitário. Ninguém para atender. Macarrão não estava ali. Bati palmas e gritei Macarrão! Apareceu um homem que parecia uma salsicha. Oi, bom dia, o Alemão pediu para o senhor me vender duas dessas, mas ele não quer nada da China porque disse que lá tudo é vagabundo. Salsicha me passou duas caixinhas e me cobrou quinze reais por cada uma.

Voltei. Alemão, pelo pouco que entendo de carro, havia desmontado todo o meu. Quase entrei em desespero porque nem havíamos combinado preço da mão de obra. Mostrei para ele as lâmpadas, ele pegou da minha mão deixando marcas de seus dedos em mim e começou a montar o meu carro de novo. Pela trabalheira que ele estava tendo visualizei notas de cem voando da minha carteira para o céu.

– Pronto. Liga lá.- Disse o Alemão.

Liguei. Tudo funcionando.

– Quanto foi o seu trabalho, moço? – Perguntei já me preparando para receber um Kamehameha.

– Dez reais.

Para tudo, gente. Dez reais? Há muito, não me via tão protegida, feliz e aliviada. Meu ímpeto foi abraçar o Alemão. Freei a tempo lembrando que esse gesto poderia ser mal interpretado e da minha calça branca.

E foi isso. Voltei para casa hiper feliz e segura depois de perceber que o mundo não se limita só a mim e que o contato com outros universos por mais bizarros que sejam pode fazer o mesmo efeito do que um banho de pipoca para uns e um mês de terapia para outros – como eu. Que se danem os meus problemas. No nosso planeta existe um lugar como Quintino e pessoas como o Alemão que consertam faróis e desmancham o medo das escuridões.

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