Dancei.

dança

Sexta-feira passada, fui a um baile aqui perto de casa. Isso mesmo. Baile. Na porta, em letras gigantes, estava escrito “Baile para quem quer dançar! O melhor da dança de salão aqui! Toda sexta-feira!”. Do lado de fora, eu ouvia uma banda. Música ao vivo?! Beleza.

Abrindo parêntese:

Desde que a sofrência se apoderou de mim por conta de minha separação tenho indicação para anti-depressivo-tarja-preta. Vejam vocês, eu, a rainha do alto astral, estava com tudo em baixa. Humor, auto-estima, vontade, inspiração, concentração, fome, sono,… eu havia me tornado um bagação ambulante. A saúde já estava para lá de péssima e eu me recusando terminantemente a tomar remédio. Já virei escrava da amitriptilina para dormir. Há quatro anos toda noite tenho que enfiar um comprimido na boca para ter uma qualidade de sono razoável. Há três tento me livrar disso e não consigo. Ficar dependente de outra droga? Nananinha. Estava deprimida mas bem atenta.

Sei que tudo é químico. Felicidade, medo, paixão, tristeza… tudo isso não passa de um desequilíbrio de substâncias dentro de nós que somos vistos pelos psiquiatras como compostos por adrenalina, noradrenalina, feniletilamina, dopamina, oxitocina, serotonina, endorfinas dentre outras ‘inas’ que não sei o nome. No meu caso, por exemplo, precisava de injeções de dois litros de serotonina na veia. A serotonina é um  tipo de neurotransmissor que atua no cérebro regulando o humor. O bom humor, para ser mais exata. A minha taxa da serô estava negativa.

A pergunta que me fiz foi: como será que os índios ou os orientais curam a depressão? Esse costume de tomar remédio é universal? Claro que não. Há muitas culturas que abominam o uso de fármacos e resolvem seus problemas de outra forma. Com o pouco de força que me restava, resolvi estudar a fundo tudo isso e percebi que teria, literalmente, que me mexer. A prática de atividades aeróbicas durante trinta minutos pelo menos três vezes por semana, disseram-me vários monges, reduz quase pela metade os sintomas de uma depressão moderada, que era o meu caso. E se associarmos à música, a coisa fica ainda mais eficaz. Isso posto, resolvi seguir o conselho de meu amigo Daniel e me matriculei na melhor escola de dança de salão aqui no Rio. E lá se vão dois meses.

Hoje faço coisas que há dez anos atrás nem sonhava em fazer, tipo dar uma volta para me divertir somente com a minha companhia. Na dança, muito evoluí, ainda não saí do dois para lá e dois para cá na aula, mas já perdi a vergonha e permito-me ser conduzida por ilustres desconhecidos, o que é um avanço, para mim, mais do que considerável.

Fecha parêntese.

Bom, como estava dizendo, na sexta acabei entrando em um “Baile para quem quer dançar! O melhor da dança de salão aqui!”. Qualquer oportunidade de treinar meus passinhos recém-aprendidos é super bem vinda. Passei um batom, dei umas borrifadas de perfume no cangote e entrei. Sozinha. Mega hiper bem de cabeça.

Estava vestida como sempre. Uma calça, uma bata e uma sandália plataforma que disfarça muito bem minha altura.

Mal adentro o recinto levo um susto com o que vi. Um bando de senhorinha de mini saia e salto agulha circulava e dançava pelo salão. Os cabelos pareciam moldados por bobs, aquele negócio que dona Florinda usa na cabeça. Os decotes iam até o umbigo e as blusas mostravam os ombros sendo que alguns eram tatuados! Os senhorzinhos estavam todos muito bem vestidos com sapatos lustrosos. Eu estava, minha gente, na verdade, em um baile da terceira idade. Muito famoso aqui no subúrbio, diga-se de passagem. Eu que não o conhecia. Ainda bem que a minha cabeça estava super boa…

Enquanto observava e me dava conta de onde havia parado, pensava que se terceira idade é quando eu tiver coragem de sair assim de casa com aquela alegria  e desenvoltura toda, a minha aflição por estar envelhecendo tem destino certo: o ralo. Ao meu lado, estava uma senhorinha com meia calça brilhosa dançando sozinha com os braços abertos e cantando alto a música segurando um copo de cerveja. Percebendo a minha timidez e meu zóio atento a tudo, convidou-me para me juntar a ela. Recusei porque compreendi que para minha cabeça melhorar e chegar naquele nível de desprendimento eu precisaria fazer capoeira, dança africana, correr meia maratona e nadar até o outro continente para que meu corpo produza metade da quantidade de serotonina e dopamina que corria no sangue daquela senhora.

Não demorou, no entanto, para um senhor com a barriga protusa me puxar para um forró. Daí, meu irmão, foi irresistível. O rapaizinho mandava super bem e mesmo sem eu saber quase passinho nenhum, ele me colocava para rodopiar como uma bailarina no meio do salão. Só deu eu nos braços do Seu Barriga. Ao final de três músicas, estava já soltinha e me juntei a senhorinha do parágrafo acima e fizemos uma dupla de Beyoncé e Shakira pelo resto da noite. Eu, claro, de cara limpa sem uma gota de álcool ingerida porque, como muitos já sabem, tenho carência de aldolase que é a enzima do fígado que age na segunda etapa da metabolização do álcool. Daí que o subproduto da primeira etapa da metabolização é tóxico e me causa taquicardia e vasodilatação. Fico vermelha como um tomate e se alguém colocar a mão na minha cabeça consegue medir meu pulso. Olha aí a química de novo.

Enfim, eu me rendi. Mergulhei sem medo em um ambiente que jamais havia enfiado sequer a pontinha do dedo do pé. Não me preocupei em justificar a minha solidão e muito menos me envergonhei dela. Pelo contrário, habitei-a com percepções e muita música animada. Não fiquei menos sozinha, é verdade, mas povoei meu deserto.

Não sei se coloquei um ponto final e estou pronta para virar a página. Gosto de usar todos os recursos possíveis das vírgulas e reticências e conjugar o pretérito imperfeito e o futuro do subjuntivo com todos os verbos cabíveis. Se ele me ligar… Quando ele me convidar para um cinema… Se eu pedir… Fujo de pontos finais e sigo sonhando, querendo, relevando. Mas estou compreendendo que o expediente de muitas pontuações está se esvaindo e, pela sexta feira passada, percebo-me cada vez menos preocupada com isso.

Ainda não sei andar de mini-saia, mas um vestidinho com uma cintura apertada e um scarpin já foram providenciados para os próximos bailes. Do que restou do meu amor-próprio eu fiz uma muleta; da minha angústia, uma escada, e das minhas quedas, faço agora, passos cada vez menos desajeitados de dança.

Eu no Tinder

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Sábado passado à noite, eu estava comendo miojo de tomate vendo vídeos do padre Fábio de Melo. Para esclarecer, eu não sou e nem virei católica. Apenas achei um homem perfeito para mim.  Ele é mega inteligente, fala muito bem, canta muito afinado, charmoséééésimo, hiper espirituoso no twitter, lindo, lê muito, giga estudioso, carismático ao extremo. Mas é padre. O padre Fábio de Melo. Detalhes sem importância… Sigo trabalhando firme pelo nosso amor. Enfim, estava eu e meu sábado bombando quando decido fazer algo: uma coisa ultra diferente em minha vida. Um troço que jamais sonhava em fazer. Algo de muito risco e que teria, inclusive!, que fazer escondido. Ui! Então, tcharããã!, entrei no Tinder.

Vamos ver qual é dessa budega.

A coisa é bem profunda para não dizer o contrário. Para os neófitos como eu era, vou explicar rapidamente: o Tinder é um aplicativo que colocamos no celular que aparecem fotos de, no meu caso, rapazes. Daí, ou você marca um X e dispensa sem pena o carinha, ou marca um coração e a foto dele cai para outro lado da tela. Simples. Beleza. Consigo. Super consigo fazer. Mole.

Foto na praia mostrando o barrigão sarado X.
Foto com cordãozão grossão no pescoço X.
Foto ao lado do leão no zoológico de Buenos Aires X.
Foto de selfie na academia XXXXXX.
Selfie fazendo cara de sexy. XXXXXXXXX
Foto de tatuagem do vasco no peito XXXXXXXXXX
“Sou libriano bababá bububú”. XXXXXXXXXXX
“Estou aqui para te tirar daqui”. XXXXXXXXXXX

Mas gente, não tem nenhum com o fundo de uma biblioteca atrás? Tá bom. Ok. Marquei coraçãozinho em uns carinhas sem o menor entusiasmo porque não estava vendo sentido nenhum naquilo.

Daí eu pensei que fosse só isso mesmo e já estava bocejando quando, de repente não mais que de repente, a tela muda do nada e diz que eu combinei com um lá que eu havia marcado um coraçãozinho. Como assim? Ele viu? Ai que vergonha!!! E como sabe se eu combino com ele se eu nem informei nada?

E daqui a pouco, mais “combinação” e mais e mais. Caraca! Que devassa! Que vergonha! Não tem opção de me esconder atrás da pilastra? Será que tá todo mundo vendo essa orgia em que me meti? Socorro!

E o próximo passo foi a apresentação. Nessa hora, eu já queria voltar para o meu padre… Gente, que preguiça ter que falar quem eu sou, o que faço e bababá bububú. No mais, como assim o que eu faço? Como assim o cara vai ter uma ideia de quem eu sou quando eu disser que faço pilates, por exemplo? Faço pudim também. Não sei responder isso e não consigo me explicar em uma frase. Cara, vai ler meu blog, ler minhas resenhas, ver meu lattes, ver meus vídeos, conversar com meus pais, meus alunos, meus filhos… sei lá. Como ele vai saber quem eu sou ou ter uma ideia dessa nuvem trovejante com uma frase? O que dizer numa hora dessas? Mas gente… Eu sou a soma dos quadrados dos catetos, mas pode me chamar de hipotenusa? Fala sério…

Ou então: Temente à Deus fui somente na infância, ao Diabo, nunca. Professora sou somente pelas manhãs e a tarde sinto falta. Escritora serei um dia, doutora não me sinto e flamengo até morrer. Até parece. Dançarina nunca quis ser e caixa de supermercado só quando era criança. Boa aluna quando era bem menor e rebelde fui sem causa. Míope eu sou desde os doze e mocinha também. Por fora, um pouco japonesa; por dentro, completamente negra. Minha força não está na solidão. Preciso sempre ser orientada e jamais busquei a independência. Quando durmo sonho muito. Acordada, muito mais. Quando tomo banho me distraio com o vapor que ofusca o teto e se estou limpa, leio. Não sou como me veem e muito menos o que digo. Sou, agora, aquilo que eu escrevo.

Mandei essa.

Daí o crush: oi?

Aff. Fala sério… O padre teria amado…

E o pior. Recebi três mensagens inbox  no facebook mais ou menos assim: Professora, te vi no Tinder! ahahahahahaah

Ó, senhor, no que fui me meter?

No mais, fiquei pensando… quem sou eu? Em quem me transformei afinal? Isso me perturbou um pouco. Enquanto os crushs estavam alucinados querendo saber se gosto de ir ao cinema, se faço trilha, bato tambor ou fumo, eu ficava matutando na equação escrita quando as rugas ainda não eram residentes no meu rosto, ou seja, no que planejei ser quando eu era muito jovem. O resultado foi muito diferente do esperado. Mas isso pouco importa pois agora entendo que nós não temos o menor acesso aos cálculos dessa equação.

Enfim, não faz o menor sentido sermos medidos pelo que fazemos hoje e sim pelo que sentimos desde sempre. Assim, são as incertezas descomunais e as inquietações colossais que nunca deixaram de existir em mim seja lá para onde eu olho que poderão dar alguma pista de quem sou eu. E isso não tem nada a ver com trabalho e muito menos com o que faço nos fins de semana. Como explicar isso para seja lá quem for? Assim. Do nada? Não consigo….

O Tinder não é, definitivamente, para mim. Nada contra quem o usa. Nada mesmo. É que eu sou chegada a uma apnéia daquelas e ele só permite mergulhos com snorkel. A conta está devidamente apagada. E os vídeos do padre Fábio de Melo falando lindamente bombaram como nunca na minha tela.

Amém.

A Mãe Desnecessária: A melhor mãe. Não. Péra…

barco

Há um texto que vira e mexe vejo alguém compartilhando nas redes sociais: “A Mãe Desnecessária” cuja autoria varia de Dalai Lama passando por Clarice Lispector e chegando a jornalista Márcia Neder. Para mim, pouco importa quem escreveu. Eu discordo de tudo.

O texto afirma que a boa mãe é aquela que vai se tornando desnecessária com o passar do tempo e toma como medida se fomos uma mãe certinha o fato de quando adultos nossos filhos não mais nos procurarem para algum conselho, pois, se tornaram seres autônomos, independentes e confiantes.

Isso para mim soa não somente falso como beira o absurdo. A minha força, definitivamente, não está na solidão. Preciso sempre ser orientada e jamais busquei a independência. E, sinceramente, não conheço ninguém completamente seguro de seus passos nesse planeta. A pergunta que nos acompanha e nos atormenta “E se…?” faz parte, acho eu, da essência e da vida do ser humano.

No mais, esse texto me incomoda porque cria a ilusão que os adultos são maduros ou, pelo menos, devem ser. Daí, pergunto-me: o que esse autor, seja lá quem for, pensa sobre maturidade? Somado ao fato de que insistem em nos dizer que somos o resultado de nossas decisões, o texto corrobora a ideia de que é possível ter certeza, um dia, de que acertamos em nossas escolhas. Já escrevi aqui no texto “Somos Mesmo Resultado de Nossas Escolhas?” sobre o quanto abomino essa ideia, mas ainda que você aceite isso, questiono se é possível ter segurança sobre uma decisão ainda mais nos dias de hoje.

Antigamente, não tínhamos lá tantas opções. Às mulheres eram dados como caminhos, digamos assim embora discorde dessa metáfora radicalmente, estudar no magistério ou casar – e uma vez casada sempre casada não importava o traste que fosse o marido. Hoje, até para comprar absorventes ficamos perdidas. Com aba ou sem aba?, com perfume ou sem perfume?, cobertura seca ou suave?, fluxo pequeno, moderado ou intenso?, e uma vez decididas todas essas opções, qual a melhor marca? Esse foi um exemplo, mas temos vários outros. Até comprar um pão requer expertise: tradicional, light ou premium?, com leite de vaca ou de cabra?, com ômega 3?, com glúten, com ovos orgânicos ou com ovos de galinhas estressadas e turbinadas de hormônios? Aff. Se no supermercado estamos assim, quando saímos dele a coisa piora. E muito. Como escolher uma profissão se nem sabemos todas que existem? Antes havia três: medicina, direito ou engenharia. Hoje podemos ser dentre muitas outras coisas trendspotter, gestor de responsabilidade socioambiental, gerente de trade marketing e merchandising, silvicultor e pesquisador de fezes de baleia. Fala sério. E ainda querem que eu não consulte a minha mãe e que faça com que os meus filhos achem certo não terem dúvidas e decidirem tudo sozinhos. Como fazer isso se eu mesma estou hiper confusa nessa budega?

O que podemos fazer, penso eu, é deixar de perguntar para nossos pais o que eles acham melhor para nós, mas impossível não perguntarmos para outras pessoas ou infinitamente para nós mesmos. E para que trocarei meus pais por outras pessoas? Nessa esteira de devaneios, na minha educação com meus filhos, eu procuro fazer com eles sempre me procurem e tenham confiança de que os ajudarei a pensar. E, para deixar claro, não porque eu sei mais do que eles. Por mais que leiamos e experimentemos, as escolhas são infinitas e o ser humano é ímpar e dinâmico se vivo estiver. Eu só sei que nada sei e a única coisa que posso fazer como mãe é conversar com meus filhos menos para lhes explicar algo e muito mais para trocarmos angústias, dúvidas e curiosidades sobre seja lá o que for.

Meus filhos não precisarão mais de mim (assim como não precisarei mais dos meus pais) quando estiverem mortos em vida. Quando, enfim, satisfeitos. Deus me livre desse conforto… Eu quero ter sempre o direito ao desatino e desejo isso também para eles. Se maturidade tem a ver com paz e descanso, quero ser uma eterna criança cansada e desesperada buscando o colo da mãe. Que eu não tenha vergonha nem medo de ainda desejá-la.

Perguntam-me: O que mais você quer da vida depois que casou, fez doutorado e teve três filhos lindos? Oras. Quero uma primeira vez outra vez. Um beijo que me traga uma sensação que nunca tive, caminhar em ruas floridas jamais vistas, estrear sentimentos, perder as virgindades que ainda trago recatadamente comigo. Quero perder o recato, quero a dúvida até o fim dos meus dias pois a certeza de seja lá o que for é o que nos mata. Zona de conforto é óbito respirando dendagente.

E, se tenho como certo que viver no plural é muito mais interessante do que no singular, faço com que a minha companhia para meus filhos seja não somente necessária como extremamente desejada. Eu não quero ser o porto seguro deles como termina esse texto “A Mãe Desnecessária”. Eu quero estar navegando pelo mar revolto ao lado deles, assim como meus pais estão em uma canoinha sempre ao lado – se não à frente – de meu transatlântico. E que fique claro, não para me dizerem: isso, minha filha, é melhor ir por esse caminho!. Mesmo porque, por melhor que sejam os pais, eles não têm bola de cristal. Eles permanecem ao meu lado para me lembrar de que as minhas ideias pouco abençoáveis formam a minha essência. Tangenciando-me sempre, eles são as melhores pessoas para não me deixar esquecer de que eu devo arejar sempre a minha biografia.

E podem ter certeza, se aumento a minha velocidade nessa viagem dependo e muito das ondas emitidas por essa canoa. Quando um dia, não tiver mais ninguém remando dentro dela, amarrarei uma cordinha e farei com que ela continue me acompanhando porque a presença deles será para sempre necessária nem que seja em forma de ilusão ou saudade que é quando sentimos a presença de alguém distante dentro de nós.

Se não sou uma boa mãe desejando com que meu transatlântico navegue, agora, ao lado de navios do porte de petroleiros que são, como vejo daqui, os guiados pelos meus filhos, paciência. Se incentivo os meus filhos a conviver com a dúvida e fugir das certezas, mais paciência ainda. Se sou anormal e quero ser uma mãe necessária que fortalece a estrutura do cordão umbilical a cada dia em que convivemos, Je m’en fous du passéI! É normal termos o colesterol, triglicerídeos, pressão, sono e ansiedade controlados por remédios e acharmos que vivemos com saúde. É normal gastarmos rios de dinheiro para viajar e chegando ao lugar do destino perdermos tempo tirando e postando fotos e mal percebendo o que está a nossa volta. É normal chegarmos em casa reclamando para mostrarmos, a nós mesmos e aos outros, que trabalhamos muito e tivemos um dia duro, como se isso fosse algum tipo de mérito… Quero distância da normalidade.

‘Normal’ nada mais é um conjunto de hábitos admitidos pelo consenso social que, na realidade, são patogênicos em graus distintos se observarmos bem. Ser uma mãe desnecessária é considerado necessário, bacana, o normal a ser feito. Está nos manuais de auto-ajuda, dos psicólogos, nos compartilhamentos nas redes sociais e, como diz Chico, consta nos astros, nos signos, nos búzios, tá lá no evangelho, garantem os orixás! E ainda consta na pauta, no Karma, na carne, passou na novela, está no seguro e pixaram no muro essa cascata! Dane-se Dalai Lama, Clarice Lispector, Márcia Neder. Seja quem for que escreveu que tenho que ser desnecessária para quem eduquei, dane-se. Danem-se os astros, os autos, os signos, os dogmas, os búzios, as bulas, anúncios, tratados, ciganas, projetos, profetas, sinopses, espelhos, conselhos. Que se dane o evangelho e todos os orixás.

Serei necessária.

Serei para sempre mamãe precisando de mamãe.

Terapia: Sessão Privada.

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Hoje eu fui ao banheiro no CEFET. Para quem não sabe, dou aula de física lá. A princípio seria só aquilo de sempre, trocar umas ideias com a dona Celite, mas mal sento no trono começo a ouvir vozes. Eram duas meninas conversando.

– Foi isso, Fê. Agora eu não sei mais o que faço!

– Calma, Ju. Vamos recapitular.

Daí, pelo barulho, a Fê entrou na cabine bem ao lado da minha de forma que mesmo que eu não quisesse ouvir nada, não teve como, gente. Juro. Mal pude me concentrar no meu serviço solitário.

– Vai falando, Ju, estou te ouvindo. – disse a Fê trancando a porta.

E eu quietinha no bocão.

– Bom, primeiro o Mateus disse que estava precisando estudar e que não podia sair comigo final de semana. Eu entrava no WhatsApp e via que ele estava online o tempo todo. Depois, na segunda, ele estava super frio comigo, mas disse que me amava e coisa e tal. Na terça, estava todo esquisito. Perguntei a ele se estava tudo bem e ele disse que estava com uns problemas em casa, mas depois que eu perguntei se ele ainda me amava ele disse que me amava sim. Ontem, do nada, terminou tudo!

– Homem não presta! Tudo brocha, amiga! – sentenciou a Fê.

– Daí, eu não sei se insisto em saber o que está acontecendo. E se o Mateus estiver precisando de ajuda? Não seria meu papel, já que estou super bem de cabeça, ajudá-lo? – viajou a Ju.

– Ah não sei, amiga… Manda uma mensagem para ele!

– Mandei! Passei a minha aula toda de matemática mandando. Perguntando se ele queria conversar e coisa e tal.

– E ele?

– Ele visualizou todas. Mas devia estar enrolado prestando atenção na aula dele, tadinho. Ele anda estudando muito. – alucinou.

– Não sei não, Ju. – Disse a lerda da Fê.

E eu quieta…

– Será que o celular dele está emprestado? De vez em quando ele empresta pro João por causa da calculadora dele que é científica e calcula seno. – desvariou a Ju.

– É. Pode ser… – disse a Fê sem noção.

– Vou procurar ele na saída. Vou ficar na porta da sala dele para não me desencontrar dele. – desatinou a coitada.

– É. Pode ser. – falou a burra da Fê.

– Ah não! Isso não! – Gritei enquanto apertava a descarga cheia de atitude!

– Oi?
– Ãhn?

– Qual o problema de vocês duas?!? – abri a porta e saí direto para a pia. Enquanto lavava as mãos com firmeza continuava: – Prestenção, criatura, você não me conhece, mas eu conheço bem essa cilada. Acredita nos sinais, Ju, pelamordedeos. Não vai atrás de Mateus nenhum. Mateus não quer mais nada com você. Se quisesse e tivesse o mínimo de consideração e fosse mais homem teria aberto o jogo lá no final de semana! Mas homem é assim mesmo. Tudo covarde. Acredite nos sinais, Ju!

– Mas… mas…, tia.

– E tu não me chame de tia, Ju! Meu nome é Elika Takimoto, a rainha das sofrências! E a senhorita vai fazer o que estou falando: não vai ficar em porta de sala nenhuma, está me ouvindo? As pessoas só fazem com a gente aquilo que a gente permite! Você se dê o devido valor, dona Ju, senão não haverá Mateus, Antônio, Marcelo ou Carlos que te valorize!

– A senhora acha mesmo?

– Acho nada. Tenho certeza. Mateus não ama Ju porque Mateus despreza Ju. Mateus amanhã pode amar Ju? Pode. Mas hoje não ama. Porque quem ama dá carinho e não desprezo. Quem ama não fica falando que ama e vai embora. Deixa o homem sentir a sua falta! E se não sentir, ele quem perde. – falei olhando a fofurééésima da Ju quase que pela primeira vez.

Sei que consegui convencê-la a ir para casa, ler um livro, ver um filme e deixar o Mateus em paz e mais tarde, mais lá um pouco para frente, dar uma de Jesus e amar o próximo.

Se fiz bem se fiz mal, eu não sei. Mas recebi um abraço mega carinhoso com muitas lágrimas. Ajudei a Ju a limpar o rosto e fiz com que ela me prometesse que pelo menos durante uma semana ia ficar na dela. Foi quando a Fê saiu da cabine.

Fê olhou para mim e disse:

– Amanhã te trago a Marina. A senhora vem sempre aqui neste horário?

Enfim, meninas, agora tenho uma nova função. Das 8:00 até 8:20h, para quem quiser, terças, quintas e sextas estarei no banheiro do CEFET ao lado da lanchonete para dar uma sacudida e aquela força para quem estiver na sofrência.

Faremos bonecos de vodu caso traga foto do crush.

Beijo obrigada de nada.

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Créditos do título: Lucas Avelar.

Nomofobia

nomofobia

Oi, gente. Meu nome é Elika, mas aqui me chamem de Gilda, por favor. Tenho 42 anos, três filhos e um testemunho a dar.

Hoje, depois de muito protelar, coloquei meu celular no conserto. O GPS dele estava pifando, ficava intermitente. O Eduardo, o moço do waze que me fala para onde devo ir, engasgava justamente nas bifurcações. O aplicativo Endomondo que uso para correr e que fica me informando a quilometragem e a minha velocidade a cada cinco minutos falava só quando queria. Daí, de repente eu que tenho como meta correr 5 quilômetros duas vezes na semana até morrer poderia estar correndo 5,3km, por exemplo, e isso é simplesmente inadmissível para mim. Não quero deixar a meta aberta e muito menos dobrar a meta. Nem passar um metro da meta. A meta já me mata.

Ao chegar na Assistência Técnica, a moça pegou meu celular. Fez-me algumas perguntas do protocolo. Abriu meu filho querido bem na minha frente. Arrancou-lhe a memória e o chip. Entregou-os para mim e disse assim na lata super fria e sem o menor sentimento:

– 5 a 20 dias úteis.

Como é que é, minha gente? Pensei que fosse consertar ali na hora, no máximo pegar no dia seguinte… Cinco dias sem celular? Ou vinte? Como vou viver? Quem vai me lembrar dos meus compromissos? Quem vai me acordar? Vou perder todas as fofocas no grupo do whatsapp… E-mails importantes, notificações de comentários em minhas postagens… como vou ler Carta Capital? Como meus filhos vão me localizar se tiverem morrido? E se a luz da casa acabar, como vou andar no escuro sem a minha super lanterna? Como vou me comportar numa mesa de bar com os amigos sem poder mostrar para os outros que não estão ali como estou super me divertindo? E quando eu me achar linda ao olhar no retrovisor no meio do mó engarrafamento e quiser tirar uma selfie? Como faço, gente?

Dirão muitos de vocês que vai ser bom e não duvido que me venham com aquele discurso que todo mundo hoje só sabe olhar no celular e coisa e tal. Vão dizer que vou descobrir como me relacionar de verdade com as pessoas e bababá bububú. Bah. Eu me relaciono giga bem com as pessoas de qualquer jeito. Olhando no olho ou olhando pra tela e, as vezes, com um olho no olho da pessoa que está na minha frente e o outro virado para a tela. Tipo Cerveró. Super dou conta.

Mas, vá lá, tenho percebido que as minhas leituras dos livros de literatura caíram vertiginosamente. Por exemplo, com essas manifestações que foram a bola da vez, fiquei hiper ansiosa em saber se estava perdendo alguma coisa, lia tudo o que me aparecia pela frente para não falar bobagem e mal consegui me fixar por mais de dez minutos no alfarrábio aberto. De repente, agora, retomo a concentração e permito-me uma honesta viagem como há tempos não tenho feito na minha biblioteca. Pode ser. Vamos tentar. Força, Elika… e assim pensando voltei para o carro deixando naquele lugar frio meu filho lobotomizado.

Mal entro no takimóvel, procuro o aparelho do diabo. Estava doida para ligar para a mamãe para reclamar que ia ficar sem celular por um bom tempo. No primeiro sinal vermelho, busquei-o de novo para avisar a todos os grupos do whats que ficaria fora do ar por uma eternidade e para não ficarem preocupados porque, claro, vão sentir muito a minha falta e mal saberão viver sem mim.

Ao pegar somente a capa da criança, toda mole sem nada dentro que me conecte com o outro mundo, acabei botando o meu CD preferido do Fábio Júnior que me acalma a vera sempre. E cantei. Cantei As Metades da Laranja em volume máximo com os braços esticados para o teto balançando de um lado para o outro. Olhei para a minha direita bem no refrão e o moço todo cheiroso de blusa branca em um Eco Sport sorriu para mim. Pediu meu celular fazendo um gesto dobrando os três dedos do meio deixando o mindinho na altura da boca e o polegar perto da zoreia. Eu comecei a chorar ao lembrar do bichinho e, depois, com os zóio arregalado pro moço desatei a  coçar o pescoço fortemente com as unhas me deixando cheia de marcas vermelhas. No sinal verde, ele engatou a primeira e se foi na velocidade da luz.

E assim foi meu primeiro dia. Como meu amigo ali cheio de tiques falou, um dia de cada vez.

Obrigada por me receberem nesse grupo dos Celulacólotras Anônimos.

Até a próxima.

Direita e Esquerda. Ensino Fundamental.

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Yuki, meu caçula de oito anos, perguntou-me o que estava acontecendo no Brasil quando viu pela televisão imagens da manifestação de ontem, 16 de Agosto de 2015. Ao ver crianças dando entrevistas, ele se interessou. Criança pode ir à manifestação, mãe? Pronto, lá estava eu numa saia justa. Sou contra a doutrinação de crianças. Acho que cabe a mim como mãe ensinar meus filhos, sobretudo, a pensar. Todos, porém, que me acompanham sabem que tenho a minha posição política muito bem definida, o que, ao meu ver, não me dá o direito de decidir qual será o lado que meu filho jogará dentro da política: esquerda ou direita. O próprio Yuki percebendo a minha hesitação ajudou-me ao perguntar justamente a diferença entre esquerda e direita, já que os próprios jornalistas toda hora mencionavam essas palavras.

– Por que não positivo ou negativo, mãe? Ou branco e preto, por exemplo?

– Bom, essa é uma boa forma de começarmos. Isso tudo começou lá na França, há pouco mais de duzentos anos. O sistema político dos franceses nessa época era composto por grupos bem definidos, sendo que um deles formado por comerciantes e artesãos, por exemplo, era o único que tinha a obrigação de pagar os impostos, além de terem inúmeras limitações, como o fato de não poderem ocupar cargos públicos, por exemplo.

– Mas pode isso?

– Pois então. Parece meio injusto, não? Por isso talvez, pelo fato dos privilégios serem dados somente a uma pequena parte da população, que se iniciou a famosa Revolução Francesa. Nessa época, a burguesia procurava, com o apoio da população mais pobre, diminuir os poderes da nobreza e do clero. Daí então, para se criar uma nova Constituição, montaram uma Assembleia Nacional Constituinte. Acho que as camadas mais ricas não gostaram da participação das mais pobres, e preferiram não se misturar, sentando separadas, do lado direito. Não sei ao certo se foi isso, mas sei que a galera que representava o povão menos favorecido ficou posicionada à esquerda. Por isso, até hoje, o lado esquerdo foi associado à luta pelos direitos dos trabalhadores, e o direito ao conservadorismo e à elite.

Dentro dessa visão, ser de esquerda presumiria lutar pelos direitos dos trabalhadores e da população mais pobre, a promoção do bem estar coletivo e da participação popular dos movimentos sociais e minorias. Já a direita representaria uma visão mais conservadora, ligada a um comportamento tradicional, que busca manter o poder da elite e promover o bem estar individual.

Mas o mundo, meu filho, é muito mais complexo do que isso. Com o tempo, as duas expressões passaram a ser usadas em outros contextos. Hoje, as palavras ‘esquerda’ e ‘direita’ parecem não dar conta da diversidade política do século 21. Os contrastes até hoje como você pode ver existem, porém, não são mais do tempo em que nasceu a distinção. De uma forma geral, uma diferença crucial seria que a esquerda busca promover a justiça social enquanto a direita trabalha pela liberdade individual. Tivemos uma época no Brasil, por exemplo, da Ditadura Militar…

– O que é Ditadura Militar, mãe?

– Bem, podemos dizer que foi um período da política brasileira em que os militares governaram o Brasil. Esta época vai de 1964 a 1985. Caracterizou-se pela supressão de direitos constitucionais, censura, perseguição política e repressão aos que eram contra o regime militar, ou seja, pela falta de democracia.

– O que é democracia?

– A palavra democracia tem sua origem na Grécia Antiga. Demo quer dizer povo, kracia, governo. Dessa forma, a democracia pode ser entendida como um regime de governo onde o povo (cidadão) é quem deve tomar as decisões políticas e de poder.

Então, meu filho, continuando: essa divisão de direita e esquerda se fortaleceu muito no período da Ditadura Militar, onde quem apoiou o golpe dos militares era considerado da direita, e quem defendia o regime socialista, de esquerda.

– O que é socialista?

– Bom, o Socialismo é um sistema político-econômico ou uma linha de pensamento criado no século 19 para confrontar o liberalismo e o capitalismo. A idéia foi desenvolvida a partir da realidade na qual o trabalhador era subordinado naquele momento, como baixos salários, enorme jornada de trabalho entre outras.

Nesse sentido, o socialismo propõe a extinção da propriedade privada dos meios de produção e a tomada do poder por parte do proletariado e controle do Estado e divisão igualitária da renda. Todos ganham o mesmo. Não há como dentro do socialismo um ter carro zero enquanto o outro não tem o que comer. Isso, porém, é um sonho. Diria que é praticamente impossível pensar nesse regime.

Mas hoje, muitas outras divisões apareceram dentro de cada uma dessas ideologias de esquerda e de direita. Atualmente, os partidos de direita abrangem conservadores, democratas-cristãos, liberais e nacionalistas, e ainda o nazismo e fascismo na chamada extrema direita. Na esquerda, temos os social-democratas, progressistas, socialistas democráticos e ambientalistas. Na extrema-esquerda temos movimentos simultaneamente igualitários e autoritários. Cada qual dos lados, em diversos momentos da história (sobretudo no século 20), empenhou-se até a barbárie para fazer valer sua visão ideológica de mundo.

– Não tem meio termo? Eu tenho que escolher em que lado quero ficar?

– Não precisa. Há a posição de “centro”, por exemplo. Esse pensamento consegue defender o capitalismo sem deixar de se preocupar com o lado social. Em teoria, a política de centro prega mais tolerância e equilíbrio na sociedade. No entanto, ela pode estar mais alinhada com a política de esquerda ou de direita dependendo de sua visão sobre a economia. Por exemplo, os de esquerda pregam uma economia mais solidária, com maior distribuição de renda. Os de direita seriam associados ao liberalismo, doutrina que na economia pode indicar os que procuram manter a livre iniciativa de mercado e os direitos à propriedade particular. Algumas interpretações defendem a total não intervenção do governo na economia, a redução de impostos sobre empresas, a extinção da regulamentação governamental, entre outros. Mas veja que confuso e difícil, isso não significa que um governo de direita não possa ter uma influência forte no Estado, como aconteceu na Ditadura.

– Liberalismo me parece um nome bonito…

– E é. Na raiz, o adjetivo liberal é associado à pessoa que tem ideias e uma atitude aberta ou tolerante, que pode incluir a defesa de liberdades civis e direitos humanos. Mas não podemos esquecer que essa “liberdade” pode ter como consequência a privatização de bens comuns e espaços públicos o que poderia gerar mais desigualdades sociais.

A coisa, no entanto, é muito complexa. Por exemplo, o pensamento conservador geralmente é associado à direita. Propostas progressistas, à esquerda. No entanto, ambos, conservadores e progressistas, não raro, associam-se com liberais. É o caso, por exemplo, de quem defende ideias progressistas, como o aborto, políticas de cotas etc., mas defende a liberdade econômica, isto é, livre mercado, livre concorrência etc.; ou, ao contrário, quem defende política antiaborto, política contra as cotas e contra programas sociais fomentados pelo Estado, mas também se ajusta, igualmente, à prática do liberalismo econômico. Do ponto de vista político e ideológico, progressistas e conservadores divergem, mas concordam, por vezes, quanto à economia. Vê-se, então, que o problema é mais complexo do que se imagina.

– Não sei se estou te entendendo…

– Se você está confuso é sinal de que está bem informado e que agi honestamente. Quando, meu filho, neste mundo você vir uma pessoa com ideias muito claras sobre política, saúde, economia, progresso… pode ter certeza de que essa pessoa está mal informada. Fiquemos por aqui e aguardemos as próximas imagens e notícias para voltarmos a discutir.

– Quando você for à manifestação eu posso ir com você como essas crianças estão indo hoje?

– Não, meu filho. Quando participo de uma manifestação pode ter certeza que ninguém vai confundir a minha luta com piquenique.

Perdão, senhor, não sou de ferro. Fiz o melhor que consegui.

manfestaõ

É dando que se recebe bem.

vasssoura

Fiquei sabendo agora que a tal da Andressa Urach, ex-vice-miss bumbum, fazia programas. Até aí nada demais, sem querer ser preconceituosa mas sendo um pouco, isso para mim era mais do que esperado. Mas pasmei com o valor. Já perguntei a alguns amigos que usam esse tipo de serviço de aluguel de vagina e outros orifícios o valor cobrado pela dona dos buracos. Perguntei por curiosidade mesmo. Mas confesso que dei uma comparada básica com o meu contracheque de professora e o que ganho de direito autoral de um único (até agora) livro publicado e, sim, cheguei a repensar a escolha. Agora é tarde, já estou velha, com duas muxibinhas penduradas, barrigão protuso e desbundada mais do que nunca. Melhor continuar escrevendo e lecionando. Tô de boa e felizona também nessa.

Mas voltando a Andressa Urach… ela cobrava quinze mil reais por duas horas. Eu disse quinze mil reais por duas horas!!! Não resisti e fui para a calculadora. Isso corresponde a 125 reais o minuto ou dois reais o segundo! Mas gente… Conseguem imaginar? Vai, meninos, vamos supor que vocês pagassem isso por esse serviço. Não a mim, claro, que não valho centavos a hora no mercado mas sei lá, à miss popozuda mesmo ou outra da mesma estirpe. Como agiriam? Dariam oi já tirando a roupa? Descansar nem pensar, né? Seria bom contratar um enfermeiro ou algo que o valha para ir te dando água durante o processo, te enchendo de amendoim, ovos de codorna, ostras, catuaba, oxigênio e tudo o mais para valer cada minuto! Seria aconselhável também treinar em quantos segundos você consegue colocar a camisinha. Se demorar por exemplo, dez segundos, babau vinte reais já.

Nossa. Eu, pobre pobre pobre, nem consigo pensar…

Mas, pasmem, Andressa Urach disse que trabalhava de segunda à sábado. Descansava no sétimo dia como aquele que fez o Universo.  E ainda assim ela queria mais. Muito mais. Foi quando resolveu ficar mais, digamos, gostosa (para usar o termo correto nesse meio) e saiu colocando hidrogel até, literalmente, pasmem, no cú. Mas gente… foi aí que deu merda. Lembro-me que foi nessa época que ouvi o nome dela pela primeira vez porque ela estava entre a vida e a morte tendo que arrancar pedaços de carne lá da perna, dos seios e de mais não sei onde. Estava com tudo apodrecendo. Acabou que ela ficou toda deformada e não podia mais ganhar a vida como outrora.

Para encerrar a história, acabei de ler agora também que ela virou escritora (ui!), entrou para a Igreja do Bispo Macedo, mas não dá nada para os pobres ainda não – como fazem os cristãos e as menos ambiciosas. Disse ela que a vida agora está melhor e bem mais fácil de se viver. Alguém duvida? Livro vendendo como vassouras benzidas.

Aff…

Separação

Folha-Amassada

Diante do mar, respirou vagarosamente. Assim como devagar vinham os pensamentos que nadavam pelo ar cheio de Sol. Ele se foi. Ele se foi e como o mar é misterioso. Cada ondinha parece refletir uma estrela. Ela compreendeu de repente. Ele se foi como a pretensão de sabermos do que são feitas as estrelas, sentiu. A confusão das frases era a realidade mesma. Se ordenasse as palavras e explicasse de forma clara o que sentira, teria destruído a essência do seu sentimento. Ela estava se entendendo assim. Na confusão, ela percebia a própria verdade, seu próprio inconsciente impalpável. Sentia saudade? Não saberia dizer, pois, não era bem saudade já que o tinha naquele momento muito mais do que enquanto ele se prolongava ao seu lado. Era muito mais do que saudade. O que sentia não tinha nome. O sonho foi muito mais completo do que a realidade que a afogava em seus devaneios sobre ela, a realidade. Não bastava saber que estava vivendo, queria ela viver. Ser amada não pela casa em que morava, pelos filhos que pariu, mas por ser. Ela. No seu interior procurava o silêncio que tantas vezes pedia. Mas nele ficava tão perdida de lembranças de tantas pessoas que acabou transformando toda essa sensação na certeza de uma solidão metafísica. Era preciso que ela não se esquecesse de que foi feliz, mas ela sempre se esquecia. Juntou então todos os seus pedaços e decidiu não procurar mais ninguém. Buscaria a rede onde deitaria, como tantas vezes se deitou, na companhia dela mesma. Se é para ela se perder nesse mundo que seja em águas que fluam para seus interiores.

Tentou de súbito inventar alguma coisa que a distraísse. Inútil. Ela só sabia viver. Mas precisava mais. Era necessário renascer. Desfazer-se de tudo que havia aprendido com ele, do que viu com ele, e inaugurar-se em um terreno plano onde cada semente plantada era um novo futuro pleno de um significado até então inexistente. Precisava respirar como se fosse a primeira vez. Não sabia rezar e se soubesse não era o momento. A oração funciona como analgésico, acalma e adormece o desespero. E agiria, então, como a morfina que, dada para um paciente em estado terminal, precisa sempre aumentar a dose para fazer o efeito. Não. Ela não aceita rezar covardemente. Precisava sofrer e conhecer a dor integralmente para se entender. E se tivesse que orar a ponto de se tranquilizar deveria mudar-se para um igreja porque para sua inquietude o mais forte dos anti ansiolíticos e dos antitérmicos seria insuficiente. Se não o quisesse tanto, seria fácil suportar toda aquela incompreensão da parte dele e o fato de sua mão não mais alcançá-lo. Se ela se alongava naquelas conversas que lhe davam tanto prazer, notava-lhe um rosto heróico quase impaciente mas excessivamente paciente. Inútil seguir por tantos caminhos com ele quando para um só e para longe seus passos a guiavam.

Olhando o mar, ela não tinha medo de não ser amada. Ela tinha pavor de não conseguir  amar mais ninguém. Quando ele lhe abraçava, sentia a vida dentro dela correr subitamente como um rio caudaloso. Se ele a quisesse, ela nada poderia fazer. Agora ela está só diante do mar. Medo de não mais amar. Necessidade de ser amada. Quando pensava nele diante aquele grande volume de água salgada que corria sobretudo em seu rosto, respirava com cuidado como se algo no ar pudesse lhe envenenar. Passou a evitá-lo como sua presença fosse a ela dispensável. Tornou-se nuvem prestes a trovejar. Deveria aprender a ser feliz pelo mesmo motivo que se tornou desesperadamente infeliz. Chorava tanto diante daquele vasto oceano que, de repente, ficou serenamente vazia.

Há harmonia nesse mundo que roda sob seus pés e sob tudo o que lhe foge à compreensão? Não mais sofria, mas tão pouco sabia onde estava. Desabituou-se a dormir. O sono? passou a ser uma aventura assim como atravessar a escuridão mesmo durante o dia. Deveria reinaugurar-se? A justificativa de estar só talvez não tivesse outro valor senão o de lhe dar uma certa liberdade de pensar. Meu deus, como ela errava tanto. Diante dessa liberdade, agia como um animal enjaulado que ajusta seus passos e anda de um lado para outro para percorrer os quilômetros que sua natureza exige. De agora em diante estava somente dentro dela.

Então, naquela manhã cheia de sol, ela olhou para as gaivotas como se elas estivessem loucas. Tornou-se uma gata castrada repousando em um porão. Dentro de cada um daqueles dois, houve momentos que não poderiam ser rememorados falando ou escrevendo. Nem mesmo pensando. Para se lembrarem um do outro, deveriam parar um instante e sentir. E neste instante, ela riu um mau sorriso. Há coisas indestrutíveis que ela havia criado que o acompanhariam até a morte como se tivessem com ele nascido. Os momentos em que viveram quando, de fato, casados. Com poucas sementes, ela plantara uma floresta em sua pele. Ela era, portanto, dele sim, como uma poesia por ele escrita – em um papel amassado que repousa no fundo da lata de lixo.

Balanço Geral

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Hoje a postagem vai ser um pouco diferente. Vou lhes contar uma história que está somente começando:

Nara, minha filha adolescente, que já apareceu em N textos aqui no Minha Vida é um Blog Aberto, canta. E muito. Como um passarinho que vê a primavera. Desde os seis anos toca piano e desde os quinze já canta em público, digo, para os amigos. Eu, de forma despretensiosa, sempre gravei e compartilhei vídeos dela na internet no intuito de dividir felicidade, pois, todos sabemos que felicidade dividida é felicidade multiplicada.

Seguem abaixo os links com alguns vídeos que fizemos da Nara. Eu os organizei em ordem cronológica, então, tecnicamente eles vão melhorando na ordem dos vídeos.

Esse foi o primeiro que fizemos dela. Ela tinha 14 anos e nunca havia tido aula de canto. (Música: Mambembe de Chico Buarque)

https://www.youtube.com/watch?v=fmc3LODAsFw

Essa foi a primeira vez que ela se apresentou em público no auditório do CEFET. Nunca havia tido aula de canto. A galerinha aplaudiu de pé. Daí eu vi que ela emocionava muito a platéia. A partir desse dia, ela tomou gosto por se apresentar em público (Musica: Deixa de Vinícius de Moraes):

https://www.youtube.com/watch?v=sV8R_KI_bcA

E como eu gosto de inventar, mesmo sem ela “saber cantar tecnicamente” eu já criava uns videozinhos com ela aqui de brincadeira (música: Lisbela de Los Hermanos):

https://www.youtube.com/watch?v=cqCAegrWw50

Esse foi outro que fizemos (música: Valsa dos Clowns de Chico Buarque):

https://www.youtube.com/watch?v=kNIdSaxhEcA

Mais um. Neste, dá para ver bem como ela é teatral (música: Violeira de Chico Buarque):

https://www.youtube.com/watch?v=vksMXVtvARw

Esse foi em uma festa. Sempre somos convidados para tocar em festas de amigos e essa foi uma apresentação que emocionou muito a platéia (Música: Escravo da Alegria de Toquinho e Vinícius de Moraes):

https://www.youtube.com/watch?v=sTrCs14kmw8

Esse foi o tecnicamente mais perfeito, já resultado das aulas de canto. Ela estuda com Chiara Santoro no estúdio VOCE (Música: Vida de Chico Buarque):

https://www.youtube.com/watch?v=RowmUf0Yu24

Nada que se equipare em vê-la cantando ao vivo. Por onde ela passa, Nara emociona e muito. Fiz, porém, um vídeo que acabou viralizando na web. Estávamos passeando em Minas em uma fazenda quando percebemos que as vacas estavam nos olhando. Eu, sempre com a câmera em riste, falei para a Nara cantar. No mínimo, teríamos um vídeo engraçado:

Este último vídeo viralizou nas redes sociais, como já disse. Pelo fato da Nara ser vegetariana, primeiramente, ele caiu na graça dos sites que defendem os animais. Logo depois, o Não Salvo fez um péssimo uso do vídeo sem a minha autorização. Compartilhou na página deles Nara cantando para as vacas, mas debochando da “nossa ignorância”. A postagem foi tão grosseira que acabou dando espaço para que pessoas que não nos conhecem proferissem até palavrão contra nós. Xingaram a minha filha, vejam vocês, por causa de um vídeo pleno de beleza e alegria como esse. Mas… acabou que isso deu mais ibope para a gente e o Jornal Extra pediu para mim autorização para compartilhar este último vídeo na página deles. Autorizei. Logo vieram mais xingamentos. Daí, então, munida de uma intuição-porreta, fiz um comentário dizendo que sou a mãe da Nara e que o intuito do vídeo era tão somente divertir e emocionar. Se havia gente incapaz d e perceber e se irritar com isso, paciência.

A postagem deles com o vídeo da Nara cantando para as vacas bombou mais do que reportagem da Dilma e de outros artistas (está lá, só conferir)! Ao perceber tamanho alcance, a rede Record entrou em contato comigo (por causa do comentário no Jornal Extra em que havia me retratado como mãe da Nara) pedindo autorização para fazerem uma matéria com a gente para a Nara e eu contarmos a história do vídeo. Ao final da matéria, levariam a Nara para um outra fazenda para ela cantar para mais vacas e ver se o efeito seria o mesmo. Essa seria a brincadeira/desafio.

Aceitei com uma condição: que deixassem Nara cantar uma música ao vivo no meio da reportagem. Condição aceita, tudo agendado. A equipe viria aqui em casa para fazer a primeira parte da matéria.

Porém, quando o repórter Rael Policarpo aqui chegou, admirou-se com a família de músicos que tenho. O pai, que sempre toca ao lado dela, estava com o violão assim como Hideo, meu filho bacharel em guitarra. Yuki, meu caçula de oito anos no pandeiro e a festa, então, estava feita. Rael mudou o foco da matéria na hora dizendo que o vídeo ia ser da família como um todo.  Belezura.

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Foi chegado o momento que eu havia pedido: Nara cantaria uma música ao vivo. Terminada a música (eu completamente emocionada derramando lágrimas e mais lágrimas sinceras que levantarão, certamente, o ibope do programa), o repórter Rael Policarpo se surpreendeu mais uma vez. Disse que Nara é algo muito maior do que eles estavam imaginando. Ele, então, ligou para a produção relatando o que havia acabado de ver e sentir. A produção, a seguir, me pediu vídeos dela (que foram esses que coloquei no início dessa história para vocês) para eles avaliarem.

Vídeos devidamente assistidos e o convite para que participemos ao vivo diretamente do estúdio surgiu. Neste instante, as vacas já ficaram em segundo plano. O programa vai mostrar a Nara! Muuuita emoção aqui. Ainda assim, para continuar a brincadeira, fomos para uma fazenda em Itaguaí gravar a segunda parte da matéria.

Na van já tivemos várias gravações.

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Yuki, vejam vocês, aproveitando a oportunidade, resolveu fazer uma entrevista com o entrevistador Rael Policarpo​ na van para o Canal dele no YouTube. Os rapazes não acreditaram em tamanha fofurice e gravaram a nossa gravação da reportagem sobre o repórter e, depois, Yuki Câmara entrevistou o câmera Teixeira. 🙂  Se vocês quiserem conferir como ficou tudo isso…

Chegamos, então, na fazenda e a brincadeira continuou:

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Por enquanto é isso, o resto será ao vivo.

SEXTA, dia 7, na Record, de meidia às 14:30h, no Programa Balanço Geral.

O que vai vir depois disso, como diz o mestre Rubem Alves, só o futuro dirá.

Era isso. Queria compartilhar com vocês tamanha experiência e emoção. Afinal, Minha Vida é um Blog Aberto.

Agradecimentos para lá de especiais ao repórter Rael Policarpo por ter aberto essa porta.