Bus Party: Despedida de Solteira da Janete.

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Eu tenho uma história para contar e nem sei como começar porque sou extremamente tímida e reservada para esse tipo de coisa, digo, para versar sobre esse assunto específico. Mas o fato aconteceu e não aguento mais guardar isso só para mim. Fico mal só de lembrar. Desato a suar frio… não sei o que acontece, gente… que chocolate era aquele… Bom, deixa eu começar do início…

Uma vizinha, que eu achava que era casada há anos, bateu na minha porta para me dar o seu convite de casamento que vai ainda acontecer na Igreja. Ela disse que resolveu oficializar a relação e que estava sentindo vontade de comemorar uma união tão perfeita e duradoura como é a dela com Seu Felício. Que lindo isso… adoro ir a casamentos. Sempre me emociono…

– Mas, ó, vai ter despedida de solteira!!!!! – ela disse hiper animada. E continuou – Miga, aluguei um ônibus. O tal do Bus Party que agora está super na moda… Você vai, né?

Meu filho de nove anos, há pouco tempo, foi para uma festa nesse Bus Party. Daí eu pensei cá com meus botões: que legal… vou passar por tudo o que ele passou, vou conhecer o ambiente e coisa e tal. Maneiro.

– Claro que vou, miga. Magina se vou perder uma comemoração dessas!

Daí chegou o dia. Foi ontem. Sábado a noite. O ônibus parou aqui na porta da vila e eu mais algumas vizinhas que nem conheço direito entraram também. Uma delas, da minha idade até (e olha que não tenho mais vinte anos…) levou a mãe. Na hora eu pensei que deveria ter chamado a minha também para sair um pouco de casa e coisa e tal mas, agora é tarde. Inês é morta. Entrei.

O ônibus não se parece nada com o 485. Ele é todo preto, lindo por fora! E com os vidros todos que ninguém vê lá dentro. Estava encantada com a chiqueza do negócio. Janete mandou bem, pensei. A gente sobe pela frente lá onde fica o motorista. Logo na entrada, havia uma mesa com um bolo com formato de sutiã, mas não é desses de mulher casada não, vamos colocar assim de forma preconceituosa porque preciso que vocês entendam o que quero dizer sem que eu precise detalhar muita coisa e não me vem nada melhor na cabeça. Foco na história. Era aquele sutiã de renda vermelha que só se compra em lojas específicas, dessas bem específicas mesmo no assunto se é que vocês estão me entendendo. Ao lado do bolo, estavam os salgadinhos e algumas comidinhas.

No meio no Bus Party, havia uma pista de dança com pisca pisca. Não sei o nome daquilo… aquela luz que fica acendendo e apagando bem rápido. E também tinha uma bola cheia de caquinho de espelho grudado nela rodando. No meio dessa pista, havia dois ferros desses que tem em metrô. Não é ferro deitado não. Era ferro em pé para as pessoas que iam dançar se segurar neles caso o ônibus freasse, assim concluí eu. Na parede, tinha uma TV enorme passando uns vídeos clips.

Lá atrás, havia dois bancos. Mas não era desses da gente sentar normal não. Eles ficavam ao longo do comprimento do ônibus. Não sei se estou sendo clara… e ao final, lá depois desses bancos, ficava o banheiro. Eu que não sei dançar nada e quando tento pareço um boneco de posto tendo ataques epiléticos, fui direto lá para o fundo e sentei rapidinho.

A mulherada toda já ficou ali na pista. Sentadas, só havia eu e mais duas vizinhas. O resto… tudo largada… Mal o ônibus anda um pouquinho, uma outra vem lá detrás com um microfone e começa a gritar que vai ensinar para todas que estavam na “Despedida de Solteira de Janete Uhullll!!!!” como dançar sensualmente. Eu fiquei estarrecida, menos com a dança e  muito mais com a animação e a dedicação da Dona Hermelinda, Dona Neusa e Dona Augusta em aprender aqueles passos que fazem nosso corpo parecer que não tem osso e que deu àqueles ferros um outro destino bem diferente do que eu imaginei.

Eu lá quietinha pensando que a coisa mais quente daquela festa seria essa dança…  qual o quê… qual o quê!

Chegando na Barra, o Bus parou na praia. Daí pensei: nossa, que legal!, vamos descer, caminhar no calçadão, tirar fotos, beber uma água de côco…

Descemos todas.

De repente, do nada e do além, aparecem vários policiais segurando a noiva e dizendo que o ônibus havia sido apreendido e que era para todas nós entrarmos correndo senão todo mundo ia morrer! Saí empurrando e derrubando aquelas velhas todas e me meti lá atrás de novo porque tenho filhos para criar e bababá bububú e nessa hora é cada um por si e deus contra todas.

Assim que os policias entraram, foram para o meio do ônibus, puxaram a roupa toda que parecia que estava fechada só com velcro e… mas gente… e ficaram todos, eu disse to-dos, só vestidos com uma micro sunga. Acreditam numa coisa dessas? Dona Irene que vive na Igreja foi a primeira a gritar e correr para agarrar um deles. Atrás dela, quase todo o resto das convidadas! E vocês pensam que elas iam lá para abraçá-los e cumprimentá-los? Também pensei que fosse. Nananinha. Elas passavam a mão em tudo! Eu disse tu-do! E ainda arrancavam o pouco de roupa que eles estavam usando! Eu vivi para ver Dona Marina, a tal da mãe que foi com a filha, falando para um policial:

– Você é o netinho que vovó sonhava…

Mas gente… o que era aquilo? Acho que quando falam de receber santo deve ser algo parecido, só que no caso não tinha santo nenhum descendo não. Era tudo espírito encapetado mesmo. Os policiais empurravam as minhas vizinhas contra as paredes e ficavam se esfregando nelas simulando bubiça! Um troço de doido que só vocês vendo… E elas? Gosto nem de lembrar viu…

Uma vizinha que era meio do meu time, correu e se trancou no banheiro. Eu queria me esconder também, mas não teve jeito… Dona Neusa que estava na pista como o Diabo gosta vendo que euzinha aqui estava sentadinha gritou:

-Vem! Vem, boba! Vemmm!!!

Eu fiz timidamente um sinal de não-muito-obrigada-dona-Neusa-me-deixa-quieta-aqui-pelamordedeos! Ela nem tchum para mim. Chamou um polícia pelado, cochichou algo no ouvido dele enquanto apontava para minha direção…

Agora eu não sei se devo continuar ou é melhor parar aqui porque já estou vermelha só de lembrar… Bom, já que comecei…

O policial veio vestido só com um chapéu da corporação até a minha recatada pessoa. Mas não vinha caminhando não. Vinha dançando todo como uma lagartixa no cio. Chegou perto e pegou a minha mão e puxou. Eu com medo de ele colocar a minha mão lá no cacetete, no reflexo, puxei de volta. Ele foi e, cheio de moral que aquele quepe lhe conferia, puxou minha mão de novo. Vocês não vão acreditar no que eu disse para ele, gente. Dá até vergonha de falar..

– Não. Obrigada. Estou satisfeita… obrigada mesmo…

Disse assim porque além de tímida eu sou super educada mesmo. Daí, ele fez sinal que queria falar algo no meu ouvido. Eu, fofa, deixei. Qual o quê, gente. Qual o quê!!!! O puliça me contou segredos de liquidificador! Colocou um palmo de língua para fora e girava e girava e girava aquela coisa no meu ouvido que nem te conto viu…

E eu só sabia repetir: não não! obrigada! obrigada! não!

Foi Dona Maria que me salvou. Veio ela, toda dona de si, tacou-lhe uma mordida no bumbum dele e ele se virou imediatamente para ela com o cacetete em riste e nem te conto! nem te conto! Mas gente… que festa…

Até que o ônibus parou. Final da Despedida da Janete uhulll grazadeus. Mas para descer, a noiva, que estava completamente bêbada, gritou:

– Para descer tem que tomar uma dose de tequila!!!!!

A mulherada toda urrou. Dona Irene emitiu um som gutural que jamais vou me esquecer. O que foi aquilo?

Eu não bebo nada, vocês já devem saber. Nada mesmo. Passo mal com a menor dose. Provo só e olhe lá. Pior que não era só virar o copo. Tinha um ritual que nem se eu bebesse muito conseguiria fazer porque exigia uma coordenação motora que está muito além da minha capacidade. Tinha uma parada de chupar um limão, depois lamber um (acho que era) sal que ficava do lado oposto da palma da mão, dá uns pulinhos, abrir a boca e virar o copo não necessariamente nessa ordem que, é claro, não me lembro da sequência certa.

Tinha fila. Eu era a quadragésima sétima. Na quadragésima sexta, acabou a última garrafa de tequila. Amém, meu pai, amém!!!!

Na porta do ônibus, estava a noiva dando para todas as convidadas a lembrancinha de sua despedida de solteira. Era um chocolate, mas com o formato de… bem, vocês sabem. Naquele formato. E tinha muito chocolate mesmo viu. Benza-te deus…

Chegando em casa, entrei correndo para esconder aquela lembrancinha. Fiquei com medo de alguém ver e me perguntar alguma coisa e eu ter que explicar tudo isso. A imagem dos meninos dançando não me saía da cabeça. Por que será que eles fazem aquilo? Será que por prazer mesmo ou por necessidade? Será que se eles pudessem fazer outra coisa para ganhar dinheiro estariam ali no meio daquela mulherada? Será que eles se sentem objetos? Será que eles gostam de se sentir usados? Em que medida os sentimentos dos homens diferem dos nossos? Pensando pensando pensando assim, aquela divagação toda foi se estendendo e acabei comendo a lembrancinha da festa. Estava morrendo de fome porque a comida toda estava láááá perto do motorista e se eu cruzasse o ônibus ia perder a virgindade. E vou te falar… Que chocolate viu… Tinha até um recheio dentro. Muito gostosinho por sinal.

Amanhã vou perguntar para Janete onde ela comprou aquilo…

Que festa, gente. Que festa…

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Todos os nomes foram inventados para manter a privacidade das meninas.
Obrigada, minha amiga, por ter dividido essa história comigo. Não posso te agradecer nominalmente se não você me mata! Que festa, miga, que festa!!!

O Grande Evento.

eunice

Ontem a noite fiz uma coisa que jamais fiz na vida. Estou numa fase esquisita, aliás, dá a impressão que essa fase começa desde que nasci e vai render até a minha morte… Cada dia que passa, considero-me mais corajosa e ousada. Vale observar que cada um tem uma velocidade de vencer as dificuldades e uma definição de valentia.

Eu, por exemplo, não tenho o menor entusiasmo de pular de asa delta ou andar em uma montanha russa. Há quem me acuse, por isso, de boba, de medrosa, de pusilânime. Paciência. Sigo no chão comendo algodão doce nos parques da vida (que me perdoe o leitor por essa frase horrível). Ainda assim, ontem, eu provei para mim mesma o quanto o limite está cada vez mais distante dos meus olhos…

Considero que destemidos são não os que descem em cachoeiras de caiaques ou mergulham com tubarões. Esses são loucos, a meu ver. Lidar com doses extremas de adrenalina é legal e coisa e tal, mas não é o que chamo aqui de coragem. Quem tem a dita-cuja são os que se metem em aventuras que mudam o rumo da vida, como terminar um casamento, encarar uma outra faculdade, dizer não ao dinheiro, não usar estatísticas para tomadas de decisão – e sim a intuição-, não temer a decepção, amar alguém intensamente, transformar problemas em desafios e fazer, por exemplo, o que fiz ontem.

Desde que me entendi por gente nesse mundo tenho pavor da solidão. Não o fato de ficar sozinha, mas do sentimento de não ter quem me enfrente – essa é a minha definição de solidão. Que eu não tenha nada, mas me sinta, de alguma forma, plena de alguma coisa que detecte a minha presença. Ontem a noite, eu estava bem. Insuportavelmente serena. Infinitamente com vontade de quebrar um paradigma e fazer uma festa com o fato de estar sem ninguém por perto e acompanhada somente de meus livros. Será que consigo? Há alguma possibilidade de isso me fazer mal?, pensava comigo mesma.

Toda mudança cobra um alto preço emocional e eu comecei a suar só de pensar. A decomposição de valor nem se fala. Antes de eu me levantar e me dirigir para pegar o que precisava senti algo extremamente doloroso. Dúvidas e questionamentos que vinham do além. Tudo deveria ser na cama conforme imaginei. Se cair ou desmaiar não vou me machucar, ponderava. A mão suava frio. O corpo tremia de vontade de seguir em frente com aquela aventura. Estava completamente perdida em mim mesma. Mas enquanto tremulava, procurava-me e me achei. Perder-se também é um caminho, já dizia Clarice. Enlouqueci e deixei rolar.

Muitos não vão entender o tamanho da minha resistência e o porquê de algo tão simples ter virado um bicho de uma cabeça só mas que se contorce toda em 360 graus como a da menina do exorcista. Por que tanto medo de fazer algo que absolutamente muitos fazem com tanta frequência e se embriagam até com isso?

Tenho meus problemas biológicos, meu corpo reage de forma estranha a algumas coisas. Algo que entra com frequência e facilidade no corpo de vocês no meu faz, além dos meus olhos revirarem, a minha pressão cair e ao invés de ficar feliz, pego-me com vontade de travesseiro. Respeitei minhas células e a minha velocidade de assimilar a novidade. Consegui me despir do preconceito e das inúteis associações que fazia que só serviram para frear uma experiência que, dado meu estado de espírito, foi inofensiva, pura e não me envenenou. Na minha cabeça, os neurônios viraram confetes e serpentinas.

Tive toda a aparência atrapalhada de quem não sabia como fazer, mas… os gestos, agora que estou calma, parecem que de fato foram feitos todos corretamente tal como os fazem os boêmios.

Enfim, mais difícil agora é perder a vergonha e contar para vocês a minha façanha. É chegado o momento. Ontem a noite, saí do meu quarto, fui até o frigobar, peguei o abridor e, pela primeira vez na vida, abri uma cerveja long neck para mim mesma e a tomei sozinha! Que que êsso!?! E fiz mais!, ai que vergonha…, trouxe amendoins para o quarto! Maqueque êsso!?! Nem eu sabia que era tão da pá virada assim!

Gente… que festa inesquecível eu fui para mim mesma!

Como já disse para muitos, eu não tenho aldolase, a enzima que metaboliza o álcool e, portanto, o resultado dele em mim, dependendo da dose e do dia, pode ser catastrófico. A enxaqueca vem na hora, meu corpo fica repleto de placas vermelhas e ouço as batidas do meu coração sem ao menos estar apaixonada. Então, nunca bebo – embora goste do sabor da cerveja e adore o do vinho. O máximo que sempre fiz foi provar do copo do Nelson, meu ex-marido, que, diga-se de passagem, tem um fígado abençoado por Dionísio e não passa mal nem com dez barris de chopp. Mas ele não estava ao meu lado. Aliás, não havia ninguém ao meu lado e se eu tivesse um piripaque, uma ziquizira ou fosse incorporada pelo Exu-do-Bem-Feito-Eu-Avisei teria que cuidar de chamar a ambulância estivesse eu no estado que estivesse.

A garrafa, a única que bebi na vida sozinha, está guardada. Para mim, ela servirá para me lembrar que eu consigo dominar o capeta e posso me conceder muitas outras ousadias como, por exemplo, confessar o quanto tudo está sendo tão difícil…

Eu que temo tanto e, ao mesmo tempo, sou tão atraída pelo desconhecido abri muito mais do que uma cerveja. Desbravei novos horizontes. Se antes já tinha dúvidas por qual caminho devo seguir, depois desse grande evento, essa metáfora não me serve mais para nada. Estou em um lugar agora onde só chegam barcos e gaivotas e jamais por estradas. E quem dá a todos que chegam as boas vindas é a minha coragem que segue me acompanhando nesse recuo solitário, nesse deserto povoado de mim mesma.

Tim tim.

A Ciência explicada pelas hashtags

Vários cientistas tiveram um surto de honestidade e usaram o Twitter para contar detalhes de suas pesquisas que jamais entrariam nos periódicos científicos. O resultado, além de divertido, é revelador.

Usando a hashtag ‪#‎overlyhonestmethods‬ (métodos honestos demais, em inglês) começaram a postar mensagens revelando o que deveria estar escrito em muitas pesquisas científicas se elas exigissem honestidade absoluta.

E daí, já traduzido, vimos coisas assim:

“Nós fizemos o experimento número 2 porque não sabíamos o que fazer com o resultado do experimento número 1”
@dr_leigh

“A incubação durou três dias porque esse é o tempo pelo qual o estudante esqueceu o experimento na geladeira.”
@dr_leigh

“Dois dias para isolar a proteína, cinco semanas para pensar em um hilário nome de duplo sentido para o gene.”
@drugmonkeyblog

“Nós usamos jargão em vez de inglês simples para provar que uma década de pós-graduação e pós-doutorado nos tornou espertos.”
@eperlste

“Queríamos saber o que aconteceria se fizéssemos X, só pela diversão. Grande explosão! Nós criamos a hipótese depois.”
@BoraZ

“As fatias foram deixadas em um banho de formol por mais de 48 horas, porque eu as coloquei ali na sexta-feira e me recuso a trabalhar nos finais de semana.”
@aechase

“As amostras foram preparadas por nossos colegas do MIT. Nós assumimos que não havia nenhuma contaminação porque, bem… eles são do MIT.”
@paulcoxon

“Nós não lemos metade das pesquisas que citamos porque elas estão atrás de um paywall (sistema de assinatura de algumas publicações científicas).”
@devillesylvain

“Deveríamos ter feito mais experimentos, mas nosso financiamento acabou e publicamos o estudo mesmo assim.”
@ScientistMags

“As amostras de sangue foram giradas a apenas 1.500 rotações por minuto porque a centrífuga fazia barulhos assustadores a velocidades maiores.”
@benosaka

“Nós decidimos dividir o papel de autor principal do estudo porque essa é uma decisão menos sanguinária do que duelar.”
@eperlste

“Nós não demos a referência para determinada informação porque ela vem de uma pesquisa de nossos arquirrivais.”
@AkshatRathi

“Eu usei estudantes como objetos de pesquisa porque os ratos são caros e costumamos ficar muito ligados a eles.”
@oprfserious

“Os cérebros foram removidos e dissecados, em média, em 58 segundos. Sabemos disso com essa precisão por causa de uma competição em nosso laboratório.”
@SciTriGrrl

“Não sabemos como os resultados foram obtidos. O aluno de pós-doutorado que fez todo o trabalho abandonou os estudos para abrir uma padaria.”
@MrEpid

“Não posso enviar os dados originais porque não me lembro o que significam os nomes dos meus arquivos no Excel.”
@mangoedwards

“Os locais onde colhemos amostras coincidiram com resorts tropicais porque o trabalho de campo não precisa ser somente lama e agonia.”
@Myrmecos

“Os dados usados estão velhos porque, no tempo entre escrever o trabalho e fazer a revisão, eu tive um filho.”
@researchremix

Enfim, se você quer saber como funciona a ciência, essa postagem pode te dar uma luz…

Patch Adams

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Hunter Doherty “Patch” Adams, o médico que inspirou o filme “Patch Adams – O Amor é contagioso” tendo Robin Williams como seu intérprete, deu uma entrevista no programa Roda Viva da TV Cultura. Eu resolvi transpôr parte do que ele falou sobre o filme e sobre a medicina aqui porque achei tudo extremamente surpreendente. No mais, se o personagem do filme já havia me emocionado, muito mais fiquei estarrecida com a opinião altamente desfavorável do verdadeiro Patch Adams sobre a própria película e como ele encara a sua profissão. Ouvir Adams foi muito melhor do que vi mostrado pelo saudoso Robin Williams.

Patch começa a entrevista dizendo que ficou altamente constrangido com o filme. Ele se diz um ativista político que trabalha pela paz e pela justiça e considera o governo americano fascista. Diz que se não mudarmos de uma sociedade que venera dinheiro e poder para uma que venere compaixão e generosidade não haverá esperança para a sobrevivência do ser humano neste século. Aqui, vale observar, o discurso de Adams fecha muito com o do Papa Francisco e Mujica que vem nos alertando sobre o que o ser humano e o capitalismo andam fazendo com o meio ambiente.

Hollywood queria vender ingressos, afirma Patch Adams. E há duas maneiras de vender ingressos, ele explica: uma pela violência e outra pelo humor. Por isso, preferiram no filme enfatizar o esforço dele em abrir um único hospital maluco na história e ignoraram o fato de que os EUA são um país que se recusa a cuidar de 50 milhões de pessoas porque elas são pobres, ou melhor, ignoraram o fato de que ele, o verdadeiro Patch Adams, luta pela medicina gratuita e isso não foi, óbvio, colocado no filme hollywwodiano.

Essas declarações fortes e emocionadas explicam porque Adams nunca foi chamado pelas grandes emissoras de televisão para ser entrevistado e sua voz é muda para a maioria das pessoas no mundo – incluindo todos que assistiram o filme.

Adams diz que essa mensagem de que “rir é o melhor remédio” passada nas telas de cinema não é a bandeira que ele levanta e sim a de que “a amizade, esta sim, é o melhor remédio”, pois a coisa mais importante que levamos na vida é a nossa relação com todos que amamos. Patch, pasmem, sequer considera o riso como uma terapia… nem música, nem arte, nem dança…

E não adianta se fazer de palhaço para um moribundo no hospital e não cumprimentar o porteiro! Diz Adams que essas duas situações são iguais. Quando tiram a roupa de palhaço começam a desperdiçar todos os outros momentos lindos que poderiam viver na volta para casa, no ônibus, nas ruas… certamente por isso Adams, o verdadeiro Patch Adams, não tira a roupa de palhaço dele em momento algum. E o filme dá a entender que ele gosta dessa ideia do médico entrar em um quarto do hospital para fazer palhaçada. Nada disso…

Trata-se de um filme bonitinho, ele concorda, mas alfineta: “Patch Adams – O Amor é contagioso” não faz ninguém querer alimentar todos os famintos e cuidar melhor do meio ambiente. “Patch Adams – O Amor é contagioso” não fez nada para que a violência contra as mulheres diminuísse. Por que o filme não tratou também dessas questões?, ele pergunta provocando os entrevistadores.

Adams concorda que o filme inspirou muitos médicos e muitas pessoas a fazerem os enfermos rirem e isso não é ruim, porém, “Patch Adams – O Amor é contagioso” sequer é um filme inteligente e sim extremamente comercial, afirma o verdadeiro Patch que se diz triste por seu nome ter entrado em um filme que não prega a paz e nem a justiça, coisas que ele defende e luta com unhas e dentes. Se você tem dinheiro e não ajuda ninguém, quem é você?, pergunta Adams. Nada, ele responde.

Patch Adams topou fazer o filme porque a Universal Studios prometeu ajudá-lo a construir um hospital que ele tentava levantar verba há quase trinta anos sem sucesso. O filme rendeu milhões de dólares, lembra ele, e ninguém ligado ao filme deu um dólar sequer para o hospital ou alguma entidade beneficiente. Adams mesmo, como fica claro na entrevista, é um Mujica. Não guarda nada. Doa todo o dinheiro que recebe para clínicas e escolas no mundo.

Quando a médica perguntou o que ele faria em um hospital no Nordeste brasileiro sem condições de trabalho, Patch Adams colocou que nenhum hospital de ponta tem condições de servir a nenhum ser humano na forma que ele entende o que seja “servir”. “São hierárquicos, são comerciais,os médicos gastam pouco tempo com o paciente porque tempo é dinheiro!”, ele respondeu. Então, “não só no nordeste do Brasil, mas em todo mundo os consultórios, os hospitais em sua grande maioria não são um ambiente onde se pratica o amor, portanto, não há condições de trabalho”.

No hospital de Adams, todos os atendentes são alegres. A intenção é eliminar o esgotamento emocional e físico no trabalho e colocar outro objetivo para os médicos. Lá, com Adams, todos no hospital ganham o mesmo salário. Do porteiro ao cirurgião. E não há ali médico infeliz porque Adams faz com que o amor circule o tempo todo e em todos os setores. Não há um médico reclamando de estar ali, afirma ele.

E quanto ao jornalismo? Adams afirma que não há jornalismo no mundo. São todos marionetes de riquezas! Cinco empresas detém 70% dos meios de comunicação do mundo!, ele informa e complementa dizendo que não há jornalismos e sim máquinas de propaganda (juro que foi ele falando e não eu ou meus amigos de esquerda) e lembra Adams que os políticos servem às grandes empresas.

É uma ignorância, diz Adams, falar que os médicos devem curar prescrevendo remédios. Os médicos, frisa ele, têm que cuidar. “E não nos esqueçamos que a Indústria farmacêutica tem a mais alta margem de lucro do que qualquer outra no mundo. Vendem substâncias sabendo que não ajudam em nada. As pesquisas são falsificadas. As Indústrias farmacêuticas são as empresas mais nojentas do planeta. E o capitalismo vai acabar com a vida humana!”.

Sobre qualidade de vida… a explanação dele foi uma das mais lindas que já ouvi. Quando convidamos alguém para jantar em nossa casa, Adams explica, nós comemos quando todos se servirem, certo? Ao menos, assim manda a educação. Por que não fazemos isso no mundo todo? Só vamos comer quando todos puderem comer também. Isso seria qualidade de vida!, explica emocionado.

Para terminar com chave de ouro, um médico perguntou ao Adams sobre a relação deles com pacientes adultos e se há conversa e coisa e tal com eles. Adams explicou sobre a quantidade de coisas que carrega em sua roupa para que a pessoa se interesse e ele possa estabelecer uma ponte. O personagem de palhaço do verdadeiro Patch Adams é um adulto com Síndrome de Down porque esses são os adultos que amam de forma incondicional.

“Não estou aqui para curar ninguém e sim estabelecer relações de amor com as pessoas e essa relação vai tornar mais fácil o que quer que seja”.

Olha, foi uma das entrevistas mais lindas, inspiradoras e esclarecedoras que já vi…

Queria compartilhar isso com vocês porque acho que pessoas como Patch Adams têm que ser ouvidas e já que a internet permite-nos fazer o que o jornalismo não faz… por que não?

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(link da entrevista:https://www.youtube.com/watch?v=MNOveHSJGto)

O Morcego e Eu

morcego

Um amigo que se diz preocupado comigo me chamou no particular e me contou uma história. Ouça ela inteira, ele me disse e, no final, você vai me entender e agradecer. E foi mais ou menos assim:

Era uma vez um morcego que cruzava os céus com a vaidade de achar que era único e que não havia nada parecido com ele. Um dia, porém, ele caiu em uma estrada, mais precisamente em uma encruzilhada onde se cruzam vários caminhos.

Um passarinho viu o morcego machucado e o levou para sua casa. Lá chegando falou para seus pais:

– Vi um dos nossos feridos e o trouxe para curá-lo.

O pai-pássaro falou:

– Ele não é um dos nossos. Tem dentes, pelos… tire-o daqui!

O pássaro levou o morcego moribundo de volta para a encruzilhada. Passou por ali um ratinho e vendo o bicho depauperado quis também ajudá-lo levando para sua toca. Lá chegando disse para seu pai:

– Vi um dos nossos feridos e o trouxe para curá-lo.

O pai-rato falou:

– Ele não é um dos nossos. Tem asas! Tire-o daqui!

E o rato o levou de novo para a estrada onde o pobre morcego morreu.

– Entendeu, Elika?
– Acho que sim…
– Duvido. Essa história não é sobre morcegos e sim sobre você. Morreu aquele que quis pertencer a mais de um mundo, percebe?

O que ele queria dizer é que eu posso me estabacar se continuar, digamos, sendo de exatas e de humanas. Mexendo com literatura e, agora, com roteiro de séries e de cinema. Escolhe um e vai, Elika. Não se disperse tanto!

A verdade é que não sou bem vista mesmo no meio dos físicos. Muitos acham que eu não sei física e por isso fico filosofando. No meio dos filósofos, minha ingenuidade toda hora é mencionada. Na literatura, já ouvi de leitores ávidos que eu me considerar uma “escritora” é de uma prepotência sem limite. Clarice Lispector é escritora, lembraram-me na conversa.

Lembrei ao meu amigo que não faço nada buscando aprovação. Estou vivendo. Apenas. E não representando. Se faço muita coisa diferente é porque meu espírito pede isso. Não tenho a pretensão de ser a melhor de nada. A minha essência é seguir sem medo cada impulso. Pensar em fazer e fazer, para mim, são sinônimos. Não perco tempo planejando e muito menos ponderando nada.

Sou como todos. Por natureza, interdisciplinar. Sou um polígono irregular de infinitos lados, meu amigo. Mas eu aceito a minha geometria que permite que tanta coisa bacana não só me tangencie, mas me corte e me invada como uma secante.

Então, sinto muito. Não vou emudecer nada. Nunca se sabe, como disse Clarice, qual defeito sustenta esse edifício inteiro… Não vou escolher caminho nenhum porque essa metáfora, além de ser um desserviço para a humanidade, não serve para mim que vivo onde só chegam barcos ou gaivotas.

E quanto a sua história do morcego, meu caro amigo, adorei. Como você disse que aconteceria, sou grata por ela. Mas tenho outra leitura para esse final. Ele morre sim na encruzilhada. Mas perderam o rato e o pássaro a oportunidade de conviver com um ser que não se sente perdido na escuridão.

Sobre beleza…

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Ontem, antes de me deitar fiz uma macumba que a Nara, minha filha adolescente, me ensinou para ficar linda como a Sônia Braga. Mistura-se hipoglós com bepantol na palma da mão e espalha aquilo pela fuça toda. Em não sei quantos anos, disseram em alguma revista aê, essa liga promete, se usada diariamente, que irão te confundir com a Jennifer Aniston nas ruas. Eu que não sou boba nem nada…

O hipoglós, todos sabem, é uma pomada de difícil, digamos, inoculação. Quando estou com tempo e paciência, fico massageando aquela pasta melequenta até que meu rosto fagocite toda a gororoba albina. Ontem, como a maioria dos outros dias, só passei o reboco branco e fui me deitar. Como estou separada e é a Nara que agora, geralmente, dorme ao meu lado (principalmente no verão por causa do ar condicionado) posso me dar a esse luxo de ir para a cama sem me preocupar se estou parecendo a Regina Casé cheia de pó de arroz.

Deitei.

Peguei meu livro e comecei a ler na paz do senhor.

Nara já dormia profundamente de costas para mim. Mal começo o segundo capítulo, Nara se mexe, se descobre toda e vira o corpo para o meu lado. Fui cobri-la como fazem as mães boas desse mundo, mas quando olhei para o rosto dela… Nara parecia um membro da ku klux klan. Só a boca e as bolinhas do nariz não estavam brancos e ela ainda estava fazendo um beiço mega esquisito. Fiquei um tempo assimilando aquela imagem e pensando: caraca assim a Nara vai acordar nível miss Filipinas para que tanto hipoglós jesus será que eu tenho que passar mais ainda para não virar a miss Colômbia nossa como ela consegue passar hipoglós até no cabelo mas gente… Enfim, pensando assim mesmo sem vírgulas e sem pontuação, eu olhava maternalmente giga concentrada minha menina. De repente, ela deu um roncadão.

Levei um susto porque daí já era demais e quase caí da cama. Fiz, então, o que qualquer pessoa normal faria. Peguei meu celular, tirei um selfie sem conseguir parar de gargalhar no banheiro da minha cara e da cara da Nara e mandei para a maluca pelo WhatsApp. Depois, escrevi um bilhete contando tudo e deixei-o colado no espelho para quando Nara acordasse, lesse – e visse o quanto nós somos estapafúrdias, funambulescas, esquipáticas e esquisitas…

Enfim, todas as vezes que saí da maternidade, além de um filho, trazia sempre para casa, constato isso a cada dia, um parque de diversões

Telemarketing

Lks

Eu em casa vivo um inferno com esse telefone. Todo dia ligam para cá. Nada de ninguém me convidando para ir dar um pulo em Paris ou, vá lá, tomar uma água de côco na praia. Só Bradesco, Globo, Embratel, LBV, Amil, Oi, Tim…

Sei que não é só comigo, mas eu tenho uma certa dificuldade em lidar com essa gente de telemarketing que por sua vez são profissionais treinados – mas não para lidar como uma pessoa como eu. Cara, essa raça tinha que ser enquadrada em coisas que nos causam câncer junto com bacon, glúten e aquela vendedora que mal a gente pisa na loja e vem logo perguntar se a gente quer ajuda. Respondo logo: Quero. Quero muita ajuda. Eu não entendo porque ele não liga para mim se sou tão fofa e inteligente. Por quê? Me ajuda? Por quê??? A moça trata logo de dar um passo para trás e me deixar me paz… Mas voltando ao telefone…

Lá estão eles que não estão nem aí se estão interrompendo algo importante tipo o episódio de Breaking Bad ou um vídeo fofo de gatos passando pelo meu feed. Hoje, por exemplo, estava acabando de ler um livro do Michel Serres quando o aparelho tocou. Mas eles lá não perguntam se a gente pode falar. Eles simplesmente vão invadindo. Se atendemos o telefone, pensam eles, é porque não temos nada de importante a fazer.

– Alô, eu falo com a Elika?
– Sim.
– Aqui é da Vivo e temos reparado que você tem usado muito seu pacote de dados.
– Entrei para o twitter agora para divulgar por lá meu blog e tenho escrito muito no próprio celular porque onde fica o meu computador não tem ar condicionado.
– E você tem feito poucas ligações…
– Perdi muitos amigos na minha separação… e ando produzindo muito também.
– Pois então, estamos te ligando porque estamos com um pacote novo que pode te interessar que atende a sua nova realidade.
– Com quem eu falo?
– Luis.
– Luis, você me conhece?
– Não senhora, dona Elika, mas creio que posso te ajudar.
– Como exatamente?
– Bom, a Vivo agora tem um plano que você pode ganhar 80 MB e reduzir seus 100 minutos, que não estão sendo usados, em ligação para 60 e …
– Cara, Luis, tu não me conhece… Meu nome é Elika Takimoto e eu sou imprevisível. Se me conhecesse estaria me oferecendo um curso em algo que nunca fiz na vida. Minha formação é esquizofrênica. Vou de Proust à Wesley Safadão em um piscar de olhos. E quero que piore ainda mais. Muito mais. Acabo de me matricular na Academia Internacional de Cinema para ganhar um certificado de Assistente de Direção. O que eu entendo disso? O que pretendo fazer com isso? Patavinas e é por isso que resolvi fazer. Não foi esse ano que fui à Itália ainda, mas a gente viaja de outras formas… Eu tenho tanto a dizer agora para tanta gente, Luis… Não sou de me adaptar às coisas ruins não, meu querido. Faço dos limões que a vida me oferece alegorias de carnaval. Idem com os abacaxis e com os pepinos e as bananas. Ando parecendo a Carmem Miranda se quer saber…
– Mas, dona Elika…
– Mas o piiiiiiii. Ouça aqui, Luís, respeita meu momento. O negócio é o seguinte: avisa aí para quem te treinou que o capitalismo moderno está fazendo com que nós, seres humanos, sejamos mais desprezíveis do que aquele animal chamado Eduardo Cunha. Não se deixe levar por essa piiiiiiii de sistema. Já dizia Sarte “Se os comunistas têm razão, então eu sou o louco mais solitário em vida. Se eles estão errados, então não há esperança para o mundo”. Passo por um momento complicado, mas acho que você, Luis, está pior do que eu porque você enche o saco de quem está pensando em como melhorar essa budega toda e eu, ao menos, não sou marionete de ninguém. Você é um pobre títere e eu estou aqui para cortar as cordas desse boneco que você se tornou e nem se dá conta.

Luís ficou mudo.

Confundir essa gente é o jeito que encontrei de me vingar. Ninguém liga para mim e sai disso impunemente.

– Luis, vou ler aqui um parágrafo para você. Parece que foi o destino que nos uniu: “Com nosso espírito prático e decisivo, irresistivelmente achamos que as revoluções se fazem em torno das coisas duras: importam para nós, as ferramentas como o martelo. Inclusive damos nomes assim não é à toa: Idades de Bronze e do Ferro…
– Dona Elika, A Vivo agradece a sua atenção. – Luís nem esperou eu fechar as aspas…
– Não. Péra. Ouve!

Luis desligou.

Antes que essa ligação me fizesse um mal maior além de interromper todo o meu já tão parco raciocínio, resolvi colocar tudo para fora. Suplício dividido implica em menos necessidade de ir ao médico…

Desculpa aê e obrigada por me ler até aqui.

O estranho caso da mulher que só enxerga quando muda de personalidade e eu com essa história.

SM1

A notícia do jornal vem acompanhada da foto da mulher B.T. que perdeu a visão por completo havia 13 anos, após sofrer um acidente traumático. B.T. sofre de um transtorno dissociativo de identidade (múltipla personalidade) desde antes do evento que a deixou cega. O que surpreendeu toda a equipe médica foi quando B.T. encarnou a identidade de um garoto adolescente.

“Ela recuperou a visão de repente”, disse à BBC o professor Strasburger.

Após o término da entrevista, o professor Strasburger volta para a casa onde está sua filha comendo algo que esquentou no microondas enquanto lê as atualizações de amigos e ilustres desconhecidos nas redes sociais em seu smartphone. Como foi o seu dia?, pergunta-lhe da mesma forma e com o mesmo interesse que damos boa noite ao vizinho. Foi legal, responde ela, sem desviar os olhos de seu aparelho.

O professor segue então para a sala onde está sua esposa deitada no sofá lendo Short Movies de Gonçalves M.Tavares. Ela nem percebe a chegada de seu marido e está tão absorvida pelas páginas que não ouve “oi, querida”. Mesmo sem resposta, o  professor Strasburger segue para o banheiro para tomar uma ducha.

De repente, não mais que de repente, fez-se de aflito o que se fez tão seguro. O professor Strasburger enxergou, depois de um tempo apenas respirando com a cabeça embaixo do chuveiro, o quão morto estava para o mundo. Ele apenas existia…

Após o banho, foi comer alguma coisa enquanto via pela televisão as notícias do dia.

Voltamos de novo para o momento em que o professor está sendo entrevistado e o ouvimos dizer:

“É incrível como esta paciente é capaz de mudar de um estado a outro, de modo que às vezes ela enxerga e outras vezes não. É o primeiro caso que se conhece dessas características”, disse Strasburger.

Pobre professor Strasburger…

António – Meu Primeiro Short Movie

SHort

Ao longe, do espaço, vemos uma fotografia da Europa no momento da virada do Ano. A despeito dos fusos, o continente segue todo muito iluminado.

A câmera se aproxima e vemos agora a cidade de Porto com seus telhados e suas ruas cortando os quarteirões. O zoom continua e estamos observando uma casa, um quarto, uma cadeira e uma mesa onde se encontra um homem sentado vendo uma fotografia no seu computador da Europa no momento da chegada do Ano de 2016.

Ao lado da máquina, está aberto na página 63 o livro Short Movies de Gonçalo M. Tavares que desanuvia aquela casa de um só morador.

Ninguém sabe (ao ver a fotografia tirada lá do alto) que ao menos uma luz brilhante tem uma natureza não feita de fótons e sim de literatura.