O Morcego e Eu

morcego

Um amigo que se diz preocupado comigo me chamou no particular e me contou uma história. Ouça ela inteira, ele me disse e, no final, você vai me entender e agradecer. E foi mais ou menos assim:

Era uma vez um morcego que cruzava os céus com a vaidade de achar que era único e que não havia nada parecido com ele. Um dia, porém, ele caiu em uma estrada, mais precisamente em uma encruzilhada onde se cruzam vários caminhos.

Um passarinho viu o morcego machucado e o levou para sua casa. Lá chegando falou para seus pais:

– Vi um dos nossos feridos e o trouxe para curá-lo.

O pai-pássaro falou:

– Ele não é um dos nossos. Tem dentes, pelos… tire-o daqui!

O pássaro levou o morcego moribundo de volta para a encruzilhada. Passou por ali um ratinho e vendo o bicho depauperado quis também ajudá-lo levando para sua toca. Lá chegando disse para seu pai:

– Vi um dos nossos feridos e o trouxe para curá-lo.

O pai-rato falou:

– Ele não é um dos nossos. Tem asas! Tire-o daqui!

E o rato o levou de novo para a estrada onde o pobre morcego morreu.

– Entendeu, Elika?
– Acho que sim…
– Duvido. Essa história não é sobre morcegos e sim sobre você. Morreu aquele que quis pertencer a mais de um mundo, percebe?

O que ele queria dizer é que eu posso me estabacar se continuar, digamos, sendo de exatas e de humanas. Mexendo com literatura e, agora, com roteiro de séries e de cinema. Escolhe um e vai, Elika. Não se disperse tanto!

A verdade é que não sou bem vista mesmo no meio dos físicos. Muitos acham que eu não sei física e por isso fico filosofando. No meio dos filósofos, minha ingenuidade toda hora é mencionada. Na literatura, já ouvi de leitores ávidos que eu me considerar uma “escritora” é de uma prepotência sem limite. Clarice Lispector é escritora, lembraram-me na conversa.

Lembrei ao meu amigo que não faço nada buscando aprovação. Estou vivendo. Apenas. E não representando. Se faço muita coisa diferente é porque meu espírito pede isso. Não tenho a pretensão de ser a melhor de nada. A minha essência é seguir sem medo cada impulso. Pensar em fazer e fazer, para mim, são sinônimos. Não perco tempo planejando e muito menos ponderando nada.

Sou como todos. Por natureza, interdisciplinar. Sou um polígono irregular de infinitos lados, meu amigo. Mas eu aceito a minha geometria que permite que tanta coisa bacana não só me tangencie, mas me corte e me invada como uma secante.

Então, sinto muito. Não vou emudecer nada. Nunca se sabe, como disse Clarice, qual defeito sustenta esse edifício inteiro… Não vou escolher caminho nenhum porque essa metáfora, além de ser um desserviço para a humanidade, não serve para mim que vivo onde só chegam barcos ou gaivotas.

E quanto a sua história do morcego, meu caro amigo, adorei. Como você disse que aconteceria, sou grata por ela. Mas tenho outra leitura para esse final. Ele morre sim na encruzilhada. Mas perderam o rato e o pássaro a oportunidade de conviver com um ser que não se sente perdido na escuridão.

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