O Grande Evento.

eunice

Ontem a noite fiz uma coisa que jamais fiz na vida. Estou numa fase esquisita, aliás, dá a impressão que essa fase começa desde que nasci e vai render até a minha morte… Cada dia que passa, considero-me mais corajosa e ousada. Vale observar que cada um tem uma velocidade de vencer as dificuldades e uma definição de valentia.

Eu, por exemplo, não tenho o menor entusiasmo de pular de asa delta ou andar em uma montanha russa. Há quem me acuse, por isso, de boba, de medrosa, de pusilânime. Paciência. Sigo no chão comendo algodão doce nos parques da vida (que me perdoe o leitor por essa frase horrível). Ainda assim, ontem, eu provei para mim mesma o quanto o limite está cada vez mais distante dos meus olhos…

Considero que destemidos são não os que descem em cachoeiras de caiaques ou mergulham com tubarões. Esses são loucos, a meu ver. Lidar com doses extremas de adrenalina é legal e coisa e tal, mas não é o que chamo aqui de coragem. Quem tem a dita-cuja são os que se metem em aventuras que mudam o rumo da vida, como terminar um casamento, encarar uma outra faculdade, dizer não ao dinheiro, não usar estatísticas para tomadas de decisão – e sim a intuição-, não temer a decepção, amar alguém intensamente, transformar problemas em desafios e fazer, por exemplo, o que fiz ontem.

Desde que me entendi por gente nesse mundo tenho pavor da solidão. Não o fato de ficar sozinha, mas do sentimento de não ter quem me enfrente – essa é a minha definição de solidão. Que eu não tenha nada, mas me sinta, de alguma forma, plena de alguma coisa que detecte a minha presença. Ontem a noite, eu estava bem. Insuportavelmente serena. Infinitamente com vontade de quebrar um paradigma e fazer uma festa com o fato de estar sem ninguém por perto e acompanhada somente de meus livros. Será que consigo? Há alguma possibilidade de isso me fazer mal?, pensava comigo mesma.

Toda mudança cobra um alto preço emocional e eu comecei a suar só de pensar. A decomposição de valor nem se fala. Antes de eu me levantar e me dirigir para pegar o que precisava senti algo extremamente doloroso. Dúvidas e questionamentos que vinham do além. Tudo deveria ser na cama conforme imaginei. Se cair ou desmaiar não vou me machucar, ponderava. A mão suava frio. O corpo tremia de vontade de seguir em frente com aquela aventura. Estava completamente perdida em mim mesma. Mas enquanto tremulava, procurava-me e me achei. Perder-se também é um caminho, já dizia Clarice. Enlouqueci e deixei rolar.

Muitos não vão entender o tamanho da minha resistência e o porquê de algo tão simples ter virado um bicho de uma cabeça só mas que se contorce toda em 360 graus como a da menina do exorcista. Por que tanto medo de fazer algo que absolutamente muitos fazem com tanta frequência e se embriagam até com isso?

Tenho meus problemas biológicos, meu corpo reage de forma estranha a algumas coisas. Algo que entra com frequência e facilidade no corpo de vocês no meu faz, além dos meus olhos revirarem, a minha pressão cair e ao invés de ficar feliz, pego-me com vontade de travesseiro. Respeitei minhas células e a minha velocidade de assimilar a novidade. Consegui me despir do preconceito e das inúteis associações que fazia que só serviram para frear uma experiência que, dado meu estado de espírito, foi inofensiva, pura e não me envenenou. Na minha cabeça, os neurônios viraram confetes e serpentinas.

Tive toda a aparência atrapalhada de quem não sabia como fazer, mas… os gestos, agora que estou calma, parecem que de fato foram feitos todos corretamente tal como os fazem os boêmios.

Enfim, mais difícil agora é perder a vergonha e contar para vocês a minha façanha. É chegado o momento. Ontem a noite, saí do meu quarto, fui até o frigobar, peguei o abridor e, pela primeira vez na vida, abri uma cerveja long neck para mim mesma e a tomei sozinha! Que que êsso!?! E fiz mais!, ai que vergonha…, trouxe amendoins para o quarto! Maqueque êsso!?! Nem eu sabia que era tão da pá virada assim!

Gente… que festa inesquecível eu fui para mim mesma!

Como já disse para muitos, eu não tenho aldolase, a enzima que metaboliza o álcool e, portanto, o resultado dele em mim, dependendo da dose e do dia, pode ser catastrófico. A enxaqueca vem na hora, meu corpo fica repleto de placas vermelhas e ouço as batidas do meu coração sem ao menos estar apaixonada. Então, nunca bebo – embora goste do sabor da cerveja e adore o do vinho. O máximo que sempre fiz foi provar do copo do Nelson, meu ex-marido, que, diga-se de passagem, tem um fígado abençoado por Dionísio e não passa mal nem com dez barris de chopp. Mas ele não estava ao meu lado. Aliás, não havia ninguém ao meu lado e se eu tivesse um piripaque, uma ziquizira ou fosse incorporada pelo Exu-do-Bem-Feito-Eu-Avisei teria que cuidar de chamar a ambulância estivesse eu no estado que estivesse.

A garrafa, a única que bebi na vida sozinha, está guardada. Para mim, ela servirá para me lembrar que eu consigo dominar o capeta e posso me conceder muitas outras ousadias como, por exemplo, confessar o quanto tudo está sendo tão difícil…

Eu que temo tanto e, ao mesmo tempo, sou tão atraída pelo desconhecido abri muito mais do que uma cerveja. Desbravei novos horizontes. Se antes já tinha dúvidas por qual caminho devo seguir, depois desse grande evento, essa metáfora não me serve mais para nada. Estou em um lugar agora onde só chegam barcos e gaivotas e jamais por estradas. E quem dá a todos que chegam as boas vindas é a minha coragem que segue me acompanhando nesse recuo solitário, nesse deserto povoado de mim mesma.

Tim tim.

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