Zuleide de Marechal

acupuntura1

Dia desses fui correr no início da manhã e senti um incômodo. Insisti até o final do treino. Voltei para casa sentindo um desconforto. Depois do almoço tirei um cochilo e, assim que me levantei, percebi que estava mancando.

Pela primeira vez na vida, acho que me machuquei sério fazendo exercício físico. Fiz duas sessões de fisioterapia, achei que já estava cem por centa e, na ânsia de correr novamente, a dor voltou com tudo.

Ando meio por aqui com a medicina tradicional que me fez virar uma dependente química da amitriptilina. Agora estou buscando novos conceitos de cura e saúde e comecei a ver tratamentos alternativos. Estava aceitando desde banho de pipoca até ondas gravitacionais vindas dos monges do Tibet diretamente para a cabeça do meu fêmur. Leituras vão, leituras vêm e cheguei a conclusão que a acupuntura seria uma boa. Medicina oriental e milenar é o que há.

Quando estava fazendo a minha pesquisa, deparei-me com fotos de pessoas de quimono em um ambiente com fumacinhas e bonsais. Isso tudo vai gerando na mente da gente expectativas sobre o curandeiro e o ambiente em que seremos tratados. Empolguei-me rapidamente já que adoro novidades. Meu sobrenome é Takimoto, o que quer dizer que, além de me curar, estaria em contato com a cultura e sabedoria dos meus ancestrais. Belezura.

Fiz uma postagem em uma rede social pedindo recomendação de um acupunturista e cinco minutos depois, minha caixa de mensagens estava lotada de endereços e telefones que vinham acompanhados de textos com histórias que mais pareciam milagres. Ótimo. É disso que preciso. Algo tipo levante-te e anda! como Jesus fez com um pobre aleijado. Liguei para vários acupunturistas indicados pelos amigos e, como a dor assusta, escolhi o sábio budista que me atenderia o mais rápido possível.

E foi assim que parei na Zuleide de Marechal Hermes.

Marechal é um bairro do subúrbio carioca que tem personalidade. Lá a estação de trem é tão linda que chegou a ser tombada, assim como muitas casas. Tem praça com pipoqueiro a la novela das seis. Gosto de Marechal. Marechal tem uma áurea boa… Deus no comando.

Na hora marcada, cheguei na tal Zuleide que de japonesa não tem um nada como já era de se esperar pelo nome. Estava em uma clínica de fisioterapia. Passei pela salinha de Pilates e por pessoas andando nos corredores com a ajuda de profissionais vestidas de branco até chegar na sala em que faria o tratamento. Nada de musiquinha ting ling e incensos…

Zuleide mandou eu me sentar ali na cama que estava coberta com uma papel descartável e começou a me fazer várias perguntas. Definitivamente, eu não estava em uma cachoeira sentada em uma pedra onde Buda já havia meditado como pensei que seria. Mas ok. Sigamos. Respondi tudo o que Zuleide quis saber porém, como havia lido muito, estava cheia de questões também. Sou professora de física e, por mais que entenda o funcionamento caótico da ciência, tenho o ranço de querer explicações lógicas. Pedi para a Zuleide me explicar qual era a das chakras. Ela me explicou coisas sobre equilíbrio energético e enquanto eu a ouvia ficava tentando fazer associações com a hidrelétrica de Itaipu, a Usina de Fukushima, mais todo o restante do Universo e eu no meio de toda essa budega.

– Você foi ao médico, Elika?

– Não. Vim até você. Não quero mais saber de médicos para resolver as minhas dores.

– Por quê?

Daí seguiu-se uma longa explicação sobre química, meu corpo minhas regras, indústria farmacêutica, Cuba, PT e o escambau… Zuleide estava com os olhos esbugalhados me observando.

– Mas seria bom termos o resultado de uma ressonância, Elika.

– Zuleide, fala sério. Essa parada de acupuntura é milenar. Ressonância tem coisa de um século para menos. Os orientais resolvem essa parada de inflamação e lesão meditando e colocando agulha em quem tá com dor. Na dúvida, coloca esses alfinetes em tudo qué lugar por aqui ó, bem aqui, e acho que vai dar certo. Deus no comando, Zuleide. Deus no comando!

– Você é sempre assim, Elika?

– Sim. Uma droga. Eu sei. Não tem sido fácil carregar esse espírito inquieto e revolucionário nessa carcaça…

Depois de muita conversa para tentar entender quem sou eu com todas as minhas resistências e essa alta voltagem, Zuleide mandou eu me deitar de bruços e começou o serviço. Foram dez agulhas de cada lado começando na lombar e terminando no tornozelo. Incrivelmente eu não senti nada além de paz. Ela me explicou que eu deveria ficar meia hora com aquilo tudo fincado. Achei ótimo. Super tranquilo e favorável. Zuleide apagou a luz e saiu. Depois voltou rapidinho e disse que havia se esquecido de colocar uma última agulha.

Zuleide, então, pediu para eu olhar para ela. Segurou o meu queixo e enfiou uma agulha no meio da minha testa. Tentou três vezes. Nas duas primeiras, ela perdeu o picaroto porque caíram no chão. A bicha não entrava. Na terceira, ela mirou certeiro e o metal estreito parou.

– Pronto. Tente relaxar. E saiu de novo.

Fiquei em uma salinha escura, sozinha, parecendo um misto de porco-espinho com unicórnio. Pasmem. Eu, que tenho imensa dificuldade em dormir, babei no papel descartável. Acordei com Zuleide já mexendo em mim com carinho e dizendo que vou ficar bem, depois de ter tirado todas as agulhas em menos de cinco segundos, enquanto fazia uns movimentos com minha perna lesionada.

Não. Ainda não estou ainda sem dor. Como todo processo de cura, precisamos de um tempo. Ao sair dali, no entanto, já me sentia muito melhor. Havia uma escola de música ao lado, e eu fiquei alguns minutos na calçada ouvindo alguém tocar piano. Depois, comprei pipoca na praça e sentei no banco para observar umas meninas jogando amarelinha no chão enquanto refletia sobre a nova e inusitada experiência que havia acabado de viver. Comecei a suspeitar que ninguém cura nada. O que acontece, certamente, é que tem processos e pessoas que conseguem tirar o incurável do centro das nossas atenções. Pode ser… Se for isso, Zuleide de Marechal arrebenta. Se não for, também.

Não vejo a hora de viver tudo isso de novo e me livrar, de uma forma ou de outra, dessa dor.

Buda no comando.

Amém.

 

Um comentário em “Zuleide de Marechal

  1. Vivas pra Zuleide! Foi a acupuntura que também deu jeito na minha coluna escoliótica e com hérnia de disco. Nunca mais me deu trabalho e olha que tem mais de 20 anos! É verdade que jogamos pro corpo ou pra carcaça como você diz, aquilo que nossa mente ou talvez nossa alma não dá conta!

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