Masturbação Mental

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A polícia foi chamada há duas semanas. Havia um rapaz que estava se masturbando em frente ao barzinho no Barra da Tijuca. Alguns  já haviam lhe chamardo a atenção, ele saía por um tempo e voltava. Parecia desnorteado. Louco. Mas, ao mesmo tempo, tinha um ar irritante de normalidade naquela alma e naquele corpo branco bem vestido. A polícia chegou.

– Vamos parar de putaria aqui, rapaz! – falou o policial Alfredo.

O rapaz incontido, diante do tom autoritário, guardou seu pênis lentamente na cueca. Depois fechou a calça e subiu o zíper. Olhou serenamente para os policiais.

– Qual seu nome? – perguntou Leonardo, o outro policial.

Alfredo e Leonardo era uma dupla tipo o antigo seriado da década de 80, Chips. Trabalhavam juntos há uns quatro anos. Já passaram por muitos fogos cruzados, saias justas, disse-me-disses, quiprocós, sais de baixo, deus nos acudas, vade retros, nem-jesus-na-causas… Em todas as situações, Alfredo era, digamos, o machão-alfa e Leonardo, no melhor sentido da palavra, a fêmea. Alfredo chegava batendo, mostrando a arma para os vagabundos, falando que dorme abraçado com o capeta… chegava, para ser precisa e clara, soltando os caralhos. Leonardo não. Leonardo era curioso. Queria saber tudo da vida do cara não importa qual delito estava cometendo. Leonardo era uma mistura de psicólogo com padre dando a extrema unção mais uma melhor amiga, aquela que ouve tudo sem julgar mas que esconde o doce se o pecado de quem fala for a gula.

– Não sei. Me esqueci.- disse o punheteiro.

– Onde você mora?- questionou Leonardo como se estivesse falando com uma criança perdida no parque.

– Não me lembro. – respondeu o jovem olhando para o chão.

– Olha para mim quando tiver falando comigo, Caralho! – gritou Alfredo que chamava todo mundo de caralho.

O rapaz levantou a cabeça. Olhava para todos constrangido, não pelo ato libidinoso, mas por estar sendo chamado a atenção em público e sendo apalpado por Alfredo que procurava, em vão, algum documento nos bolsos da calça do infrator.

O gerente no Bar estava acompanhando tudo de perto e pediu para que levassem transgressor dali porque estava atrapalhando os negócios dele. Os policiais, já conhecidos de muito tempo do gestor do estabelecimento muito bem frequentado, atenderam-lhe prontamente e levaram algemado o que não sabemos o nome.

No caminho para a delegacia, dentro da viatura, Leonardo quis saber:

– Mas você não tem cara de quem é indigente e nem de quem dorme na rua. Onde você mora?

– Não me lembro, senhor. Sou homem de bem, disso vocês podem estar certo. Fui muito bem educado pelos meus pais que sempre me ensinaram a ter dignidade dentro das limitações deles, é claro.

– Mostrando os caralhos em público? Que dignidade é essa, Caralho? – perguntou, bem, vocês já sabem.

– Ah eu fiz aquilo porque estava me sentindo sozinho e não consigo mais me punhetar sem ouvir barulho. Sinto medo. – confessou.

– Medo de quê, Caralho?

– Medo? Em um banheiro público, por exemplo, ouvindo barulho das pessoas fora… ainda sente medo? – quis saber Leonardo.

– Sim. Preciso ver pessoas de verdade. Mas não faria nada com ninguém não. A não ser que a mulher quisesse porque, vale observar, não sou gay não. Nada contra. Mas não sou.

– E seus pais sabem que você faz isso?

– Eles estão mortos. Meu pai matou minha mãe e eu matei meu pai anos depois dando um veneno para ele. Ninguém jamais desconfiou que tivesse sido eu.

– Matou seu pai, Caralho? Que filho da puta! Dá mesmo atenção para esse vagabundo, Leo! Olha só! Eu sabia que essa porra não valia nada!

– Matei. E não me arrependo não senhor. Papai havia arrumado uma amante e mamãe descobriu. Portanto, vamos corrigir algo aqui. Eu não sou filho “da puta” e sim de “um puto”. Na época, eu tinha 12 anos. Sabia que estava acontecendo alguma coisa. Eles sempre discutiam depois que eu entrava para o meu quarto mas, naquela noite, eu fiquei de espreita com o ouvido colado na porta. A discussão estava pior do que nos outros dias. Havia muita tensão no ar. Papai traiu mamãe e ela estava dizendo que ia embora comigo para a Bahia. Papai sempre foi louco por mim. Disse pelamordedeos para ela não fazer isso. Ela gritou muito com ele naquela noite e, de repente, ela parou de gritar e ficou gemendo. Depois, fez-se o silêncio. Acordei com a casa cheia de gente e papai transtornado falando que mamãe havia morrido por uma crise de asma. Mas eu sei que foi ele que sufocou ela. Com dezoito anos, já não aguentando mais de saudades de minha mãe e abismado com a falta de remorso do papai, a despeito de ele me tratar com muito carinho, matei ele colocando uma espécie de ácido na cerveja. Morreu como se tivesse enfartado. Ninguém desconfiou de nada. A gente sempre morou em comunidade e em favelas ninguém vai perder tempo querendo saber a causa da morte de ninguém seja ela morte matada seja morte morrida. Morre-se. Ponto final.

– E você mora sozinho?

– Não me lembro com quem moro e nem onde moro agora. Mas sei que sou pessoa do bem. Tenho meus livros de história. Adoro estudar história. Leio Piketty e Marx. Sonho com uma sociedade mais justa, com menos crianças tendo a necessidade de se drogar ou se prostituir. Sonho em matar esses homens que exploram mulheres. Mulher para mim tem que ser muito bem tratada. Tipo princesa mesmo. Elas têm uma jeito de ver e de cuidar do mundo bem diferente de nós, homens.

Enquanto falava, Alfredo dirigia e Leonardo olhava para a frente mas com o foco nas nuvens que se mexiam lentamente tendo a  lua minguante e brilhosa iluminando-as por detrás.

– Mas você já matou mais alguém? – quis saber Leonardo.

– Ah sim. Outro dia, voltando para casa, que não me lembro onde é, vi um cara já velho, devia ter mais de quarenta anos o desgraçado, que pegou um cachorro e estava enfiando uma garrafa no cu dele. O bicho, mesmo com o focinho fechado com esparadrapo, urrava. Aquilo me deixou muito puto. Por que as pessoas fazem mal aos bichos? Os bichos não são capazes de fazer mal a nenhum ser humano. Só matam se tiverem fome. E cachorro, fala sério, cachorro é quase que gente. Eu gosto tanto de bicho que sou vegetariano, se vocês querem saber. Não aceito que façam maldade com os animais indefesos. Isso é um fascismo com os animais e eu me recuso a ser um fascista de qualquer espécie. Peguei um pedaço de pau no lixo e com toda a força dei uma só marretada na cabeça do infeliz que morreu na hora. O cachorro morreu também. Consegui tirar a garrafa de dentro dele, mas saiu o intestino todo do coitadinho. Vomitei em cima do infeliz que fez isso com o bicho. E daí eu te pergunto: quem era o animal nessa história? E se eu pegar de novo fazendo atrocidades com os bichos, acho que sou capaz de matar de tanta porrada…

– Você sabe o que pode te acontecer se você for pego matando ou descobrirem isso, né?- questionou Leonardo olhando para a encarnação do São Francisco.

– Olha, não tenho a mínima. Mas só lamento pelas crianças da comunidade se eu ficar preso um tempo. Eu leio para elas todas terças e quintas.

– De qual comunidade? – sondou Leonardo para ver se conseguia pescar algo.

– Não me lembro o nome. Mas pode ter certeza de que haverá gente sentindo a falta de Monteiro Lobato.

Por mais mentirosa que essa última informação possa ser, havia algo de fato estranho. O homem branco e de boa aparência falava de forma muito bem articulada como os que lêem mesmo.

– Você trabalha ao menos? – questionou Alfredo de forma bem mais branda, pois havia se lembrado de sua mãe lendo Reinações de Narizinho quando ele era criança.

– Não que eu me lembre…

Não sabemos o que aconteceu. Leonardo e Alfredo deixaram o cara na delegacia e, tudo indica, que ele foi solto ou fugiu. Não há registro de nada. Mas acabo de ler no jornal de hoje, que um homem de boa aparência e sem nenhuma identificação foi visto se masturbando em frente a entrada de uma boate em Niterói…

(O que me fez aqui, na solidão de um Domingo gélido de outono, pensar, traçar um perfil e inventar um passado desse interessante personagem.)

 

Um comentário em “Masturbação Mental

  1. Tu não existes, mesmo … Explicando: tu és “lindimais” … Ler-te funciona como um tratamento oriental: para o ser inteiro … e é como alimento, não pode faltar – faz do teu alimento teu remédio e do teu remédio, teu alimento.

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