Happy hour no centro da cidade em plena quarta com três amigos tomando chopp. Eduardo, Maurício e Rodrigo são brancos, héteros, classe média mas não chegam a ser de “baladinha top”. Não são misóginos, homofóbicos e nem machistas. São os ditos fofos da sociedade e andam enfrentando um problema bem moderno. Eduardo, Rodrigo e Maurício querem xingar, por exemplo, o juiz de futebol ou do STF ou mesmo um político qualquer e, simplesmente, não conseguem mais.
Na televisão do bar, Flamengo e Corinthians. Maurício é flamenguista.
– Por exemplo, não posso mais falar que o cara é um filho da puta… – lamentou-se Eduardo sobre o seu xará, o Cunha.
– Não. Não pode. – reforçou Maurício. – Nada associado à sexualidade da mulher! Colocar a mulher como ser sexual sendo um problema deixa claro que uma mulher sexualmente ativa e dona do próprio corpo representa socialmente algo negativo…
– É… não pode. – falou Rodrigo sério pensando naquilo tudo.- Não podemos mais xingar nenhuma mulher de vadia, puta, piranha, vagabunda… pelo mesmo motivo. Corpo delas, regras delas e temos que ajudá-las nisso.
– Temos sim. – concordaram os outros dois.
Cirino perde um gol estando dentro da área só ele e o goleiro.
– Ah vai tomar no cu, filho da puta!
– Olhaaí olhaaí! Falou filho da puta. Não pode!
– Nem “tomar no cu”, pode. – arrematou Rodrigo.
– Tomar no cu pode, não pode mandar o cara ir tomar no cu porque daí descaralha tudo o que estão desconstruindo.- explicou didaticamente Eduardo.
– Mas e se o cara for um filho da puta mesmo? Como vou me referir a ele? – perguntou Maurício angustiado.
– Chama de arrombado oras! Seu arrombado!
– Não pode! – falou Rodrigo para o Eduardo. – Aí você fode com os gays de vez. Reforça a homofobia… Não pode mandar tomar no cu e nem chamar de arrombado, cacete!
– Puta merda!
– Para de falar puta, Eduardo.
– Mas como vou xingar o Cunha sem desgraçar mais ainda com essa sociedade?- insistia Eduardo que tá puto com o Cunha.
– Chama de viado. Seu viado escroto! Pronto. Ah não… dá na mesma que arrombado… – Pensou Rodrigo.
– É… e faz sentido o discurso porque qual é exatamente o erro em ser viado? É se colocar na posição de mulher, é aceitar essa condição “degradante” de não ser mais um macho alfa. – falou Maurício.
– Pois é. Temos homofobia velada no maior estilo… vejam: “pode ser gay, só não pode ficar por aí dando pinta”. Esse “dando pinta” é basicamente ter qualquer tipo de comportamento que historicamente esteja associado ao feminino. Essa é a parte considerada degradante. Elas estão certas, gente. Não pode… A gente não pode denegrir a imagem delas…
– Não pode falar “denegrir”, Eduardo…
– Não pode? Ih é. Tem essa parada de negros também… – lembrou-se Maurício.
– É. “Denegrir” é uma palavra vista como pejorativa, porém seu real significado é “tornar negro”. Se tornar algo negro é maldoso, temos mais um caso de racismo.- explicou Rodrigo sério e pensativo.
Paolo Guerreiro cai na área quando empurrado claramente por um jogador do Corinthians. O juiz não dá o pênalti.
– Juiz filho da pu… juiz filho de uma égua, sua quenga, perdeu a mãe na zona, seu arromb.., ai caralho puta que pariu que não sei mais como xingar esse filho da puta.
– Não pode falar puta que pariu, Maurício. Esquece esse negócio de puta. – pediu Eduardo.
– E filho de uma égua nem quenga resolvem. – apontou Rodrigo.
– Mudando de assunto… Marcelo anda sumido… nem no grupo do Whats ele tem aparecido. – lembrou-se Eduardo do amigo que sempre estava com eles.
– Marcelo é mó zé ruela.- falou Rodrigo. – Outro dia, eu me encontr…
– Se não pode arrombado, não pode zé ruela, Rodrigo. – observou Maurício.
– Ai caralho…
– Caralho pode?
Os três pensaram por alguns segundos.
– Não estou vendo problema…- falou sem segurança Eduardo.
Muralha, o goleiro do Flamengo, deixa a bola entrar no gol.
– Caralho caralho caralho! Filho da puta do caralho! – esbravejou Maurício.
– É, Rodrigo. Não vai ser fácil ajudar. A coisa tá preta pra nós.
– Não pode falar a coisa tá preta, Eduardo…
– Ai cacete… – lamentaram-se os três.
Fim do jogo.
– Tá bom, galera, então bora ir embora que amanhã é dia de branco.
– É. Bora. Pede a conta aê, Maurício.