Sobre o Fim.

IMG_20160503_075055

Muitos ficam horrorizados quando um casal que transpirava união, cumplicidade e que vivia sorrindo para todos se separa. Não faltam pessoas desesperadas dizendo que não acreditam mais no amor.

Deixem disso. Trago um alento.

Primeiramente vale observar que os casais que não se separam nem sempre são os que se amam até a eternidade. Muitas das vezes, eles apenas se aturam até que a morte os separe. Viver junto, portanto, nada tem a ver com amor. E o fato de um casamento acabar não quer dizer que ele deu errado. Pelo contrário. Pode significar que foi uma união perfeita e que de tão primorosa vale até a pena proteger o amor de ontem do feijão com arroz rotineiro e do conformismo com o hábito.

Separar-se pode simbolizar unir-se ainda mais. E, certamente não ocorre por falta de tentativas. Acontece que vem o dia em que percebemos que o único jeito de mantermos o casamento é com, pelo menos, um de nós se anulando. Então, é chegada a hora de trocarmos as rodas com o carro em movimento. Não é fácil. É muito além de díficil. É atemorizante, pois, não esqueçamos, estamos falando de uma relação onde ainda existe muito carinho. Proteger as lembranças, deixá-las intensas e belíssimas e amar de um outro jeito é uma forma de conjunção.

Por vezes, por medo de romper o relacionamento, vamos procrastinando uma decisão, protelando, empurrando com a barriga, com o estômago, com o coração apagado, com os olhos secos e, nessa delonga, as recordações vão se perdendo transformando-se em angústia, em indiferença, em desespero por não conseguirmos deixar de ser covardes e de pararmos de falar “e se…?”.

Daí, humanos que somos, tratamos de jogar toda a culpa de nossas frustrações, da falta de tesão, do nosso fracasso, de nossa irritação no outro. E, em muitos casos, quando vem a separação já por motivo de violência, traição, discussões plenas de falta de respeito, o casal já não é mais nada. Dois seres isolados querendo apenas a maior distância que conseguirem um do outro. A sensação de tempo perdido.

Não estou dizendo que se separar antes que o ódio impere se dá sem sofrimento. De forma alguma. A dor nos acompanha de segunda a sábado e domingo, esse dia que se morre em vida, entramos em desespero achando que nunca-jamais-em-tempo-algum seremos de novo felizes.

Isso porque uma mentira contada muitas vezes, já dizia minha avó, se torna verdade. Daí que acreditamos que há somente um jeito de sermos felizes cuja fórmula é o “dois em um” e que aspirações e desejos que ameacem essa relação devem ser reprimidos porque devemos “valorizar o que temos”. De imediato, vem o diabo da culpa que vai entrando como cicuta paralisando os músculos devagarzinho causando uma dor inenarrável. Mas passa. Chega sem demora o dia seguinte. Sabemos que os porquês de nos separarmos são muitos e variam conforme os dias vão acontecendo. Por incrível que pareça, podemos mudar sempre o nosso passado.

A verdade é que somos todos doentes, inseguros quer estejamos dentro de um casamento quer fora dele. A dúvida nos persegue porque vivemos sempre no rascunho, como disse Kundera. Mas quando há a cisão do casal que ainda se ama e se respeita, para além do despedaçamento dos bens materiais, unimo-nos nessa brutalidade do destino, encontramo-nos da ausência do outro como já não nos recordávamos de ter estado na presença.

As convenções que se danem nessa hora. Não há certo nem errado como em qualquer situação que envolva sentimentos. Ninguém tem culpa por querer, deixar de desejar e amar fora dos padrões. Ninguém peca por ficar ofegante de alegria em plena terça-feira.

Enquanto escrevia esse texto, meu ex-marido ligou dizendo que está com saudade de conversar com todos nós aqui e que vai vir jantar conosco amanhã. Adoro quando ele faz isso.

Entendam, então. Não se trata de fracasso. Não há como definir esse processo e é em nome dessa coisa indecifrável que sempre nos faz estremecer de tanto sentimento que declaramos o fim do casamento e não de uma relação.

É uma forma de amor que não é aquele eterno dos cinemas, mas que também não tem fim.

Portanto, podem continuar acreditando nele.

Um comentário em “Sobre o Fim.

Participe! Comente você também!