Breve Enquete

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Acabo de encontrar um velho amigo que, assim como eu, tem facilidade de se adaptar a novos mundos, tipo, pessoas.

Sei que há tempos ele conversa com o porteiro, assim como eu converso demais com a minha faxineira. Sabemos que se entender nesse mundo de meodeos é praticamente impossível ainda que tenhamos um vocabulário vasto. No caso de pessoas mais humildes, parece que há um dialeto próprio e é muito curioso como se dá a comunicação sem se dizer nada.

Minha faxineira, por exemplo, outro dia, chegou assustada falando que o vizinho teve um PVC. Quando desabafei com ela que recebi uma mercadoria trocada pela compra na internet, Gisleide me disse para eu ir ao propon. Quero ver só o que eles vão alegrar quando você dizê que é escritora! Não seje boba! Disse ela se apoiando na minha parede da sala que, como muito bem observado por Gisleide, está cheia de humildade. Já viu essas bolhas na tinta, Dona Elika?

Adoro. E acabo, já que desisti de ir para o céu há tempos, conversando bastante com ela nessa linguagem própria. Digo que quero um celular andrógino, que conheci um homem com PhD altíssimo, que só tomo leite desnaturado e por aí vai. Gisleide entende tudo perfeitamente.

E até, pasmem, já levei isso para o mundo acadêmico. Outro dia passou por nós uma pessoa com lábio leporino. Falei baixinho para uma professora: por que será que alguns nascem com logaritmo neperiano? Ela respondeu que tem a ver com a nossa diurética e os BMWs das cédulas do nosso sangue. Concordei.

Sem contar que adoro ler sinapses dos filmes e todas as vezes que ouço uma história engraçada falo: cara, isso dá uma ótima enquete! A verdade é que, a despeito de ter participado de várias bancas de mamografia, continuo trocando muito as palavras sem querer e, por isso, faço esse texto com total leveza porque se rio é, sobretudo, de mim mesma.

Mas meu amigo me superou. Ele fez uma obra no apartamento dele e aumentou o espaço da varanda para enchê-la de flor. O porteiro, seu amigo, foi lá para prestigiar a mudança, conferir a beleza das rosas e dos gerânios e dar seus palpites de sempre.

– Ainda não acabei. – explicou meu amigo para o porteiro. – Faltam as persianas que quero colocar do lado de fora. – acrescentou.

– Faz isso não, dotô. Vai morrê tudo porque aqui bate muito sor.

Percebendo mais uma vez que o porteiro não havia entendido explicou:

– Persiana não é flor não, seu Latricério (esse é o nome do porteiro). Persiana é um tipo de venezuela.

Latricério entendeu na hora e deu algumas ideias boas que ajudou demais meu amigo Sérgio; assim como minha querida faxineira sempre me salva com chás de hortelã quando começo a espirrar e a tossir como hoje:

– Bebe, patroinha, bebe porque você está com a humanidade baixa.

Mal ou ruim, como diz ela, com todo esse carinho, eu sempre recupero rapidamente o meu nervo asiático.

É exatamente mais ou menos assim com eles e comigo.

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