“Feministas se ofendem com elogio”

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Hoje, Janaína Paschoal, não a louca, mas a mau caráter, nos brindou com mais uma de suas pérolas: “Feministas se ofendem com elogio”. Eu, esta sim da pá virada, retruquei a frase no Twitter e não tardou para que homens começassem a entrar no tema defendendo, é claro, em sua maioria, Janaína.

As frases que eles usaram são já famosas entre nós. De uma forma geral, dizem que estamos problematizando tudo e de mimimi. Fato foi que percebi que muitos não entendem mesmo a diferença de uma paquera para um assédio. Então, vou tentar desenhar.

Vivemos um momento de transição em relação a direitos humanos, diversidade, inclusão de minorias. Mas quando a gente (minoria) fala, parte da população se sente ameaçada e nem mesmo sabe por quê. Parece que tem medo de perder coisas. E aí começa a criar uma reação em cima de mal-entendidos e, em geral, por falta de informação sobre o tema.

Janaína, por exemplo, deve ser dessas mulheres que dizem não ser feminista porque “acredita na convivência pacífica entre homens e mulheres”. Não tenho provas, mas tenho convicção. Entendam para começo de conversa: nenhuma corrente do chamado feminismo defende a anulação das diferenças entre homem e mulher. O que esses movimentos pretendem é a busca de direitos sociais iguais.

Mas é só uma brincadeira…

Brincadeira é quando dois se divertem. Se há somente um se divertindo isso tem outro nome. No caso dessa atitude, por exemplo, não temos como saber se é algo que pode ser caracterizado como “elogio” ou se seremos estupradas.

Quando andamos pelas ruas, lugares públicos, e ouvimos “gostosa”, “ô lá em casa!”, “bucetão” dentre outras coisas, muitas de nós sentimos medo. Pesquisas apontam que a grande maioria se sente apavorada. Então, neste caso, este tipo de atitude fere o nosso direito constitucional de ir e vir.

Mas elas gostam de elogio e, além disso, não ataco ninguém“.

Vale observar três coisas:

(1) que o machismo é um sistema opressor de mulheres que está diretamente ligado à violência seja ela manifestada através de atitudes ou de palavras e de gestos que menosprezam sexo feminino de alguma forma.

(2) O machismo nada tem a ver com masculinidade. Você pode ser extremamente viril e másculo sem ser um machista opressor. Acredite.

(3) Se você não ataca ninguém na rua, meus parabéns por não fazer nada mais que sua obrigação, mas, por favor, vamos aprender outra coisa bem importante: O fato de você não fazer não isenta outros milhares de homens que fazem. Portanto, um pouco de empatia vem bem sempre.

Como vamos paquerar agora?”

Entendam: Paquera e assédio são duas coisas completamente diferentes. A primeira pressupõe o engajamento de todos os envolvidos. Isto é, existe reciprocidade. O assédio, a cantada de rua, é diferente: o homem se acha no direito de importunar uma mulher que está indo para o trabalho, para academia, ou fazendo sei lá o quê. Cantadas de rua partem do princípio que o corpo da mulher não lhe pertence, ou seja, é público como o espaço em que circula.

Reciprocidade. Guardem a palavrinha. Nem mesmo na balada, local onde, segundo o senso comum as pessoas “estão na guerra”, o assédio deve acontecer.

Quando é um elogio?”

Uma forma de você diferenciar é você se perguntar: “Ela se sentirá melhor com o comentário que vou fazer?”, “Ela se sentirá segura?”.

Na rua, de uma forma geral, não há esse tipo de liberdade que temos em boates, por exemplo. Não há contato visual ou espaço para um homem falar qualquer coisa sobre uma mulher que acabou de ver. Na maioria das vezes, sequer notamos o homem antes de ouvirmos o dito “elogio”. A tal da reciprocidade é difícil de acontecer.

Mulheres foram ensinadas que receber um “elogio” como esse é algo bom, algo que fará bem para a autoestima, mas algumas já superaram isso e entenderam que a partir do momento que um desconhecido invade a sua atmosfera para “elogiar” você, ele está faltando com respeito.

Quando uma senhora com uma saia curta, muitas vezes me peguei pensando: “nossa, que sem noção”. Mas daí comecei a me perguntar: “por qual motivo estou pensando isso?”. O corpo é dela, a saia é dela e se é curta ou não só diz respeito a ela. No fundo, a nossa reação diz muito mais a respeito de nós, do nosso moralismo do quem de quem estamos julgando.

Ah mas tem mulher que gosta…

Primeiro temos que parar de recriminar as mulheres que já são frutos desta sociedade machista. Eu perguntaria para essas que se sentem bem recebendo uma cantada de onde elas acham que vêm essa sensação. Temos que dar espaço para elas fazerem o próprio caminho, terem o seu próprio processo, mas não perder jamais a chance de dialogar e fazê-la pensar sobre a cultura do machismo. Gostaria sempre de poder levar questões que vão apontar se elas estão contribuindo para algo não muito legal como um todo.

Mimimi…

Acho que o pior de tudo nem é que esses sujeitos se sintam no direito de nos assediarem, de patrulharem com quem escolhemos andar, mas o fato constituído historicamente de não podermos reclamar. Sou assediada, abaixo  cabeça, mudo de calçada, acelero meu passo. Mais adiante, o processo se repete. No dia seguinte, idem. Com as minhas irmãs, idem. Com a minha filha, idem. Com as minhas vizinhas idem. Mas se falamos em feminismo, reclamam.

Porém, sermos passivas diante do assédio sistemático significa aceitarmos que os homens possuem algum direito sob nossos corpos, o que não é verdade! Por isso, entendam, Janaínas da vida e homens, nós mulheres gostamos de elogios, mas “cantadas” não aguentaremos mais caladas porque precisamos verbalizar nosso empoderamento.

Finalizo com uma frase bacana que ouvi: “Uau! Que cantada erótica! Vou até dar mole para ele assim do nada!” – sabe quem disse isso? Pois é: NINGUÉM.

2 comentários em ““Feministas se ofendem com elogio”

  1. E o bom e velho “não sou feminina, sou feminista”…já escutei essa e quase engasguei com o vinho que estava bebendo.

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  2. Adorei. Mas acho que vai além de ter medo do estupro. Isso é uma justificativa sim, mas não pode ser única. Acontece que passar por isso varias e varias vezes está atrelado ao fato de que os homens em geral nos enxergam como uma casca vazia, uma vitrine que está nali para eles apreciarem. Uma pessoa estranha pode achar outra bonita, mas abordar alguém por isso diminui tanto o outro, por mais aparentemente inocente que seja, é uma invasão, é uma mensagem quem vem para lembrar você a que tudo o que você é não significa nada, apenas sua aparência, apenas seu sexo. Quantas vezes já não me questionei se estou errada em simplesmente ser eu mesma. Queria que as pessoas que fazem isso entendessem o quão destrutivo isso é. E também queria lembrar que essa situação se estende à internet, isso é tão pouco discutido. Embora seja menos perigoso é igualmente péssimo.

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