Discussão de Gênero no Carro.

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Estava, como todos os dias, levando Yuki, meu caçula, à escola. Na rádio, ouvimos a chamada da matéria:

“Estão sendo investigados casos de homofobia e transfobia em um…”

– Mãe, o que é transfobia?

– Vamos pela lógica. Se homofobia é o preconceito e o ódio por vezes trazendo consequências físicas aos homossexuais, a transfobia é o mesmo com os transexuais.

– O que é um transexual?

– É alguém que não se identifica com o gênero biológico. Por exemplo, a pessoa nasce com bilau e se sente mulher. Ou nasce com bimbinha e se sente homem.

(Sim. São esses os termos que uso. Acho-os fofos).

– Não entendi.

– Não é para entender. Não precisa. Eu também não entendo e posso estar explicando tudo errado. Mas basta respeitar. As pessoas, incrivelmente, implicam e debocham por eu ser vegetariana. Não precisa entender porque eu mesma não consigo explicar essa mudança que aconteceu comigo. Mas fico triste quando alguém insiste em me forçar algo que simplesmente não consigo mais. E estou bem assim. Por que implicam tanto com minha vida?

– Entendi isso. Mas existe homem que…?

– Meu filho, existe de tudo. Saiba disso para começo de conversa.

– Ok. Mas existe homem que é transexual, ou seja, nasceu mulher e que goste de mulher?

– Sim. E neste caso como você o qualificaria?

– Como homossexual.

– Eu também. Quer dizer… não sei. Acho que neste caso está faltando uma outra palavra porque são situações diferentes. Há quem os defina como héteros nesse caso, mas os livros sobre isso não batem o martelo quanto a esse tema.

– E se um homem se interessar por uma mulher transexual. Eles podem ter filhos?

– Não de forma, digamos, natural. A transexual não tem útero e, portanto, não pode engravidar. Neste caso, eles partiriam para adoção, se quisessem.

E daí a conversa mudou e ficou muito mais profunda…

– Nossa. Deve ser horrível ser filho de um casal assim. Ou mesmo de dois homossexuais.

– Por que você diz isso?

– Porque na escola essa criança não teria paz. Seria zoada até a morte. Isso é muito diferente do “normal”.

– Acredito que ela poderia sofre bullying sim. A depender da escola. Mas, tirando o fato de isso “não ser normal”, você vê algo demais nisso?

– Nada demais. Apenas diferente.

Agradeci a Deus, mesmo sendo ateia, a oportunidade do diálogo e pedi sabedoria para este momento tão delicado.

– Ok. Você sabia que muitos de seus amigos são filhos, assim como você, de pais separados, não?

– Sim. Claro.

– E você sabia que muitos desses pais só vêem o filho de 15 em 15 dias?

– Por que tão pouco?!

(Eu e Nelson, a despeito de sermos separados, ainda saímos juntos com Yuki. E Nelson, sempre que pode, nos delicia com sua presença no meio da semana).

– Porque essa é a lei. Um final de semana sim e outro não.

– Mas por quê?! Por que tão pouco?

Daí eu expliquei ao Yuki que o que ele tem em casa é a famosa exceção à regra. Disse que a mãe precisa também de momento de lazer com o filho e bababá bububú.

– Há muitas crianças que, como você já está percebendo, sofrem demais com isso, a dizer, com a falta do pai. Então te pergunto: ter dois pais juntos e amigos seria, para você, pior para a criança do que uma situação em que o pai e a mãe sequer se falam e o pai tem contato com o filho só de 15 em 15 dias?

– Acho que não. Pelo contrário. – disse ele ainda com o semblante muito confuso.

– Não me conformo, mãe, com isso de as crianças verem tão pouco o pai…- e os olhos se encheram de lágrimas.

Yuki é desses feitos de açúcar…

– O mundo é complexo, Yuki…

– Estou percebendo. Mas e se o filho tiver duas mães? Quem vai jogar basquete com ele?

– Há muitas meninas jogando bola e muitos pais que sequer ligam para isso. Veja. Eu ando de skate com você… Já te disse, cada casa tem uma singularidade. O que você tem na sua não é regra e nem se aproxima do que seja considerado “normal”. Portanto, visto de perto, todos deveriam se enquadrar na categoria “potencial para sofredor de bullying”. Daí dessa coisa de zoar o amigo por ser diferente não fazer o menor sentido.

– Entendi tudo, mãe. Há regras mas não há uma regra para ser feliz.

– Não mesmo, meu filho.

Deixei Yuki na escola. Assim que me despedi, tive uma crise de choro. Talvez por ter vivido algo tão intenso e ter a certeza de que esse diálogo será importante para o resto da vida de meu Yuki.

Ou talvez por lamentar por todos aqueles que não conseguem enxergar o quão bacana e fértil é discutir gênero com uma criança e que isso nada tem a ver com o incentivo à promiscuidade. Pelo contrário.

Nao tenho dúvidas de que meu filho hoje se tornou um ser humano muito melhor.

E eu? Resgatei a minha esperança perdida.

Seguimos na luta.

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