Você. Mulher guerreila.

chi-jap

Acabo de rever pela milionésima vez o vídeo épico de Neil DeGrasse Tyson em que ele responde a um homem na platéia à pergunta: onde estão as mulheres na ciência? Neil, depois de algumas palavras que mostraram a força do racismo, disse que antes de falarmos em diferença genética, temos que discutir como seria uma sociedade cujas oportunidades fossem iguais.

O vídeo me emocionou. Enquanto via Neil proferindo verdades, lembrava-me do que me fez fazer uma faculdade de Física. Visitei o baú de minha memória. Ali encontrei minha imagem trabalhando como mecânico de carros, motorista de ônibus, diplomata… e tive que concordar com meu ex-marido, hoje melhor amigo, que eu sempre estive à frente do meu tempo. Eu queria fazer algo que quase mulher nenhuma faria por pré-conceito para mostrar que conseguimos. Mas não basta querer. Há de resistir todas as pancadas do mundo que vierem. Com vontade. E, se possível, com humor. Não é nada fácil…

Acabou que a Física me encantou. Poder conhecer melhor a natureza e seus mistérios foi mais cativante do que consertar carros, embora, ainda hoje, sonhe em entender dos paranauês das rebimbocas das parafusetas.

Se eu estava procurando marido, foi uma pergunta que ouvi muito dentro da Faculdade. Afinal, havia poucos cromossomos XX estudando ali. Assédio de professor para passar com mais facilidade perdi as contas de quantas vezes sofri.

Mexendo daqui, cutucando dali, encontrei no baú algo que achei interessante contar.

Não sou negra, mas sofri uma espécie de racismo de um professor chinês, que extremamente aborrecido com o que os meus ancestrais fizeram com os dele, disse que eu merecia fazer prova final para aprender a não me meter mais com chinês. Meu colega que havia feito a mesma avaliação que eu e errado as mesmas questões tirou uma nota maior e foi aprovado. Ao questionar o tio ting ling, vi ódio saindo de seus olhos.

– Ele pode passar. Você japonês não. Plova final pla aplender! – falou ele apontando o dedo para meu naliz.

Cheguei em casa. Fui direto perguntar ao meu pai que diabos o Japão havia feito para a China porque meu professor chinês queria que eu pagasse, fazendo uma prova de Mecânica Quântica, as injustiças da japonesada.

Qual o quê…

Meu pai ficou super blavo também. Contou-me outla histólia e falou para eu meter a cara nos estudos e tirar dez na prova para mostrar o quão os japoneses são capazes.

Estudei que nem um asiático.

Fiz a prova.

Fiquei reprovada.

Deixei de lado aquela guerra toda entre eles. Permiti que o Exu da brasilidade se incorporasse e fui até a sala do professor chorando.

Disse para aquele sábio chinês que não tinha nada a ver com o que fizeram antes de eu nascer. Que era para ele aplicar a prova final de Mecânica Quântica para quem merecia. Eu não! Eu como pastel, ajudo a movimentar a economia, compro produto falsificado direto vindo da China, uso incenso todo dia e jamais sequer vi o Monte Fuji. Vale lembrar o que Einstein disse, professor: triste época! É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito. Pelamor de Confúcio, Lao-Tsé e Zuang-Zi, raspe esse seu coração peludo e reconsidere as questões que errei.

– Eu tenho um sonho, professor. – finalizei – O sonho de ver meus filhos julgados por sua capacidade de entender Física Quântica e não pela cor de sua pele. – alucinei nos Martin Luther King.

O professor me olhou perplexo.

Entendeu que eu não sou japonesa nem aqui nem na China porque os meus ancestrais têm outro estilo de luta bem diferente daquele voltado para o diálogo estridente onde um fala e o outro se assusta.

Bufou e disse:

– Você mulher guerreila.

Respilou fundo e mudou a nota da oooutra prova e fui aprovada.

É óbvio que não contei essa história querendo comparar esse episódio aos sofridos diariamente pelos negros ou querendo, com isso, dizer que entendo o que eles passam. Apenas me vi aqui com essas recordações e mais com aquelas de outros tantos leões que tive que matar para conseguir meu diploma e reflito, cá comigo, sobre a questão colocada por Neil. Como seria uma sociedade se as oportunidades fossem iguais para todos?

Por um mundo menos injusto onde, dentre tantas outras coisas a serem corrigidas com urgência, só os que, de fato, merecem façam prova final de Mecânica Quântica.

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