Sobre a Pobreza e a Democracia

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O ano é 2017. Estamos vendo um novo governo impondo ao povo medidas que claramente vão contribuir para um aumento da desigualdade social. As reformas estão, por exemplo, privatizando bens públicos, mudando as escolas do Ensino Médio de todo o país, alterando Leis Trabalhistas em benefício dos grandes empresários e nos obrigando a trabalhar até a morte. Todas essas mudanças contribuirão para um aumento da pobreza que estava diminuindo em nosso país ainda que de forma bem tímida.

Há quem fale, e eu sou uma delas, que a nossa democracia está sob ameaça. Entendemos quando afirmamos isso que ela é uma forma de resolução das contendas entre os diferentes grupos sociais. Quando se governa para um grupo que está longe de representar a maioria da população por interesses extremamente particulares entendemos que isso não é típico de um regime democrático, pois, a democracia, assim acreditamos, deve se fundamentar na ideia de excluir a humilhação de várias naturezas.

O mundo em que vivemos onde o Mercado manda mais do que Deus que, de fato, parece ter desistido da humanidade dado tudo o que estamos testemunhando, neste mundo a pobreza é considerada como uma falha moral das pessoas. Os (ditos) ricos são ainda capazes de culpar um indivíduo  pela sua situação, chamando-o de preguiçoso, incompetente, vagabundo e mais outras coisas piores. Portanto, dizem que nada mais justo do que deixar os pobres onde estão.

No Brasil especificamente, todos vimos as consequências das políticas sociais implementadas por Lula e continuadas por Dilma. Pessoas, que nunca souberam o que era uma renda mensal, passaram a desfrutar do benefício do Bolsa Família em lugares onde crianças brincavam peladas por falta de roupa e dormiam com fome e morriam de diarreia por falta de dignidade. Negros e negras passaram a entrar nas faculdades não mais para pegar na vassoura ou vestir um avental, mas para segurar um lápis e entrajar jalecos. Os aeroportos, shoppings e outros lugares onde eram frequentados somente por uma elite que usava perfume importado passaram a ser pisados por havaianas.

Houve quem se incomodasse muito com a ascensão de várias classes sociais e estava somente esperando uma desculpa (que veio  com as manifestações de 2013) para colocar todo o ódio para fora. Daí, passamos a testemunhar a força dos esteriótipos nos mais variados ambientes sociais. Os pobres (abaixo vou definir melhor o que vem a ser “pobre”) foram acusados de “mamar nas tetas do governo” e não querer trabalhar, foram acusados de fazer filhos só para ganhar mais dinheiro do Estado e foram acusados de usar dinheiro para comprar roupas de marca (imagina pobre com roupa de marca!, diziam) e cachaça, dentre outras acusações que seguem a mesma linha.

Dialogar com essas pessoas é o que gosto de fazer para tentar entender quem pensa tão diferente de mim. O que observei foi que uma grande maioria não dispunha de informações sobre a “pobreza” dessas pessoas (abaixo essa proposição ficará mais clara) e sobre os programas como o Bolsa Família (por exemplo, valores que são muito abaixo de qualquer salário, que as famílias podiam receber no máximo ajuda para três filhos e que o benefício era dado somente para as mulheres implicando em um aumento da auto-estima sem precedentes em várias regiões do país).

Quando questionei o porquê de tanto preconceito sem fundamento contra uma classe menos beneficiada ouvi que cada um é responsável pela sua posição econômica e que quem quer consegue (vide alguns indivíduos que até aparecem nos jornais, assim me orientaram). Percebi que ao dizerem coisas dessa natureza desconsideravam o fato de que a maioria das pessoas que são ricas já veio de famílias que fazem parte de uma elite e, portanto, não são responsáveis por tudo o que têm. Não é à toa que ao verem uma notícia que quebra a regra como a de um ser que veio da extrema pobreza e consegue “subir na vida” sem ajuda do Estado  eles se regozijam porque reforça o discurso falacioso de que somos aquilo que merecemos ser: ricos ou pobres. Não é também sem motivo ou razão que os programas públicos realizados no Governo Lula que visaram erradicar a pobreza  foram chamados de paternalistas. Por que tanta resistência em apoiar esses programas que, como vimos e noticiados no mundo todo, contribuíram para  diminuir a desigualdade social? De onde vem essa falta de empatia?

Seja lá qual for a origem da falta de capacidade de se colocar no lugar do outro ela vem junto com a ideia de que certos valores devem ser adotados por todos como os únicos possíveis. Mistura tudo isso apontado e temos a tirania ética (tão fácil de verificar nas redes sociais e nas ruas) na qual as pessoas que vivem sob um determinado modelo desprezam, desrespeitam, matam quem pensa diferente. E esse tipo de conduta não tem nada de democrático, pois flerta com o fascismo.

A pobreza tem muitas definições e não me refiro aqui somente aquela que se mede pelos bens materiais que cada indivíduo tem. É algo muito mais profundo, que estrutura o, digamos, espírito. Dentro desse contexto, além de não terem dinheiro, esse pobres são incapazes de enxergar que são vítimas de um arranjo social injusto e por isso se mostram extremamente passivos (quiçá sorridentes elogiando o patrão que lhe explora) e não lutam pelos seus direitos e quando o fazem é por uma causa específica como a morte de uma criança da comunidade ou a privatização da água, mas jamais por mudanças sociais mais gerais que alterariam a estrutura social na qual eles estão inseridos.

Se fossem mais incentivados por quem lhes paga o salário a pensar sobre o assunto, tudo seria diferente. Mas não. A participação deles na política é desencorajada de forma indireta pela elite que faz os pobres acreditarem que eles são dignos de pena, que não sabem pensar, que são fracos. Temos daí, um looping infinito já que a exclusão dos pobres gera um sentimento de baixa auto estima e autoexclusão.

Percebam que há várias atividades gratuitas espalhadas pelo Brasil como museus, exposições, shows, bibliotecas e por aí vai. Até mesmo uma aula de Ioga pode entrar como exemplo. Muitos desses locais não são frequentados e usufruídos por pessoas pobres. Se perguntarem para eles, ouviremos, de uma forma geral, que eles não se sentem pertencedores e merecedores desses espaços ainda que não exista nada aparentemente que os proíba de usá-los. É comum ouvir deles “isso é coisa de rico”, “eu sei qual o meu lugar”.

Há uma herança invisível que é passada de pais para filhos que é um dos verdadeiros privilégios e da qual não nos damos conta que a recebemos. Na infância, meus pais sempre me estimularam a ler, levaram-me ao cinema, ao teatro, conversavam comigo, davam-me brinquedos que estimulavam a minha inteligência. Sem saber, eu estava a anos-luz de distância da maioria das crianças do Brasil. Os estímulos que recebemos na infância vão sendo incorporados de forma inconsciente. Se não pararmos para refletir, a impressão é que o natural seja assim e que todos nascem com isso.

Ledo engano.

O filho do pedreiro e da empregada doméstica, por exemplo, não recebeu todo esse estímulo porque sua miséria não se dá apenas pelo quanto que se carrega na carteira. Como não damos o que não temos, não se ensina aquilo que não se aprende. Ainda que na família pobre tenhamos um pai e uma mãe presentes, o que se transmite é a inadequação social (muito bem mostrado no filme “Que Horas Ela Volta?”) e uma carência de hábitos que estimulem à cognição.

Se muitos espaços públicos gratuitos não são usados por pessoas de baixa renda é porque, em certa medida, a maioria delas sofre o preconceito de ser pobre não somente economicamente falando, mas carente de cognição e, portanto, não se sentem seguros para frequentar determinados locais. Ou seja,  a competição social não começa em uma prova de seleção para uma empresa ou universidade, pois o resultado já está pré-definido por culturas de classe heterogêneas.

E é bom que continue assim, diriam muitos que apoiaram o impeachment de Dilma e que são cegos para o sofrimento alheio. Aliás, esses tentam minimizar ao máximo o sofrimento dos pobres – como vimos no episódio da foto de dois manifestantes vestindo a blusa da CBF com a mulher levando o cachorro sendo acompanhados pela babá de branco que empurrava um carrinho com uma criança. Não faltou gente que vibrou de alegria quando a babá disse que estava feliz com seu emprego.

O sentimento de satisfação ao ver um empregado elogiar o patrão está diretamente conectado ao preconceito de que pobre não sabe usar o dinheiro e o corpo já que bebe e faz filho precocemente. Atribuem ao pobre um baixo valor moral e racional, mas não enxergam que a imoralidade e a irracionalidade das elites que contribuem para o aumento ou, na melhor das hipóteses, para a manutenção da pobreza e do sofrimento dos menos abastados são considerados um padrão ético de qualidade. Explico-me: se há uma festa em uma cobertura em Ipanema cujos participantes fazem sexo entre eles, estamos dentro da famosa libertação sexual. É bonito. É bacana, diriam. Se os convidados consumirem drogas, não há nada de alarmante e feio nisso assim como se, entre eles, houver quem pratique a sonegação fiscal não será considerado um criminoso. Mas tenhamos isso em uma laje na Rocinha e todo o julgamento será bem diferente.

As pessoas não percebem que os valores que carregam não são absolutos e sim fruto de uma história e de uma educação. O pobre que recebe uma bolsa seja ela para estudar seja para comer é considerado um parasita, um preguiçoso. Mas o rico que desfruta dos rendimentos financeiros não é julgado da mesma forma, pelo contrário. A este são concedidos mais isenções e incentivos fiscais, perdões de dívidas e anistia para sonegadores, citando poucos exemplos.

A pobreza carrega também, em grande parte, a dificuldade de argumentação e persuasão. Fruto da dominação e exploração as quais são submetidas é esse impedimento de uma habilidade retórica que é fundamental para exercer plenamente a cidadania. Os pobres são, de forma consciente e inconsciente, emudecidos. O que estou querendo dizer é que a pobreza não é só privação de bens materiais, mas também de voz pois essa é ouvida por aqueles que têm capacidade para se expressar. A pobreza faz as pessoas mais pobres.

Esse sistema econômico tão elogiado por muitos que dele se beneficiam pois é fundamentado na ideia de liberdade e autonomia do indivíduo produz, vejam que interessante, justamente o oposto: a perda de liberdade para uma grande parte da população. Considero essa “perda” de ricos e pobres porque muito dinheiro implica grandes responsabilidades que, por sua vez, implica um certo tipo de escravidão que se não for bem administrada gera depressão, ansiedade, alcoolismo e outras doenças comuns que atingem todos independente de quanto se tenha no banco.

Diante tudo isso, digo que em 2017 há uma clara ameaça à Democracia porque existe na atualidade um explícito incentivo ao aumento da pobreza por parte de quem está no comando. Democrático seria um governo que criasse condições para que a população pudesse participar de forma justa e igualitária de seja lá o que for. A realização desse tipo de sociedade cabe às instituições políticas, em primeira instância. Ao indivíduo, a cada cidadão que se diz defensor da democracia, cabe, por obrigação, apoiar medidas que venham contribuir de forma eficaz para tal finalidade.

Lembrando que a pobreza é diminuída não somente em termos de bens materiais mas, principalmente, quando houver espaços públicos frequentados por pessoas de todos os gêneros, de todos os credos e de todas as cores sem medo de estar em um lugar do qual elas não fazem parte.

Babá de branco. Argh!

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Comentei que acho um absurdo levar a babá vestida de branco no shopping e em outros lugares como na praia, por exemplo, e recebi uma crítica daquelas.

– Médico também se veste de branco, há vários outros empregados que usam uniforme…

– Jura que você acha a mesma coisa? Penso que funcionários de empresas utilizam uniformes como forma de identificação e para promover a empresa. Babás usam uniforme para mostrar quem é a serviçal e dar status para a mandame. Me lembra muito aquelas mucamas. Ainda mais que em grande parte as babás são negras e a patroinha é branca… mas posso estar delirando…

– Ah está sim. É um emprego como qualquer outro.

– Jura que você acha isso? Não vejo ninguém sonhando em ser empregada doméstica… Não acho que não seja digno, acho que é muito resquício de escravidão isso sim. No Japão, por exemplo, esse “trabalho digno” quase não existe.

– Vejo muitas babás bem felizes e até elogiando o tratamento que os patrões lhes dão.

– Ah sim. Normal isso. Mas vale observar que o passarinho canta e agradece a quem lhe dá comida na gaiola porque não conhece a mata… Muitas pessoas de baixa renda sequer entendem as condições em que vivem. Acham que é natural ser pobre e ser explorado e que a vida é assim mesmo.

– Mas não é assim mesmo?

– Não. Pode ser tudo diferente. Mas posso estar delirando…

Nós suburbanos

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Hoje fui ao centro da cidade para comprar uma peça do meu computador que quebrou. A peça deu 332 reais. Dei três notas de 100 e uma de cinquenta. O caixa na minha frente pegou cada nota e virou contra luz para ver se era verdadeira.

Fiquei bem incomodada com aquilo só observando ele conferir que sou fofa e honesta.

Depois ele, sem nem falar nada, colocou na gaveta o dinheiro e me deu duas notas de 5 e quatro de 2 reais.

Peguei o troco.

Verifiquei cada uma daquelas notas também da mesma forma. Nas de dois reais ainda demorei bastante na análise porque pagar o trem da volta com nota falsa não é nada legal.

Depois, também muda e calada, guardei na minha bolsa o troco sem tirar os olhos dos olhos esbugalhados do moço do caixa.

Nós suburbanos somos assim.

Fofos e honestos. Mas também um pouco rancorosos…

Correndo atrás da auto-estima

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Fui correr hoje no Parque Madureira como sempre faço. Estava eu quase na metade dos meus 5 km quando passou por mim um mulher maior do que eu (o que não é difícil), fortona, negra e toda durinha. Ela corria com aquele corpo que não tremia e aquela pele brilhando ressaltando aquele tônus muscular que, meodeos, como invejei.

Bah, pensei. Eu aqui lutando contra essas manchas de sol em minha pele frágil, gastando horrores com ácidos e protetores, tendo que colocar aquelas blusinhas elásticas que apertam e amassam meus peitos porque as muxibas pulam alegremente quando se vêem com um mínimo de liberdade… e ela toda empoderada nesse corpo abençoado com essas pernas enormes que duas das minhas varetas não dão uma delas.

Lá ia ela com aquele cabelo trançado ouvindo música e nem isso posso mais fazer por conta da minha deficiência auditiva que piora muito se eu ficar usando fones de ouvido.

Corria eu com ela se distanciando na minha frente. Olhei para os meus braços e eles tremiam cada vez que colocava um pé no chão. Mirava o braço da preta e ela lá. Parecendo uma estátua em movimento.

Lá pelas tantas ela parou de correr e começou a andar. Eu continuei meu trote. Passei lentamente por ela observando tudo de novo. Completei a metade do caminho e dei meia volta.

Eu voltava correndo e, agora, ela vinha em minha direção andando.

Quando chegamos perto pela terceira vez, ela falou:

– Vai voltar correndo, japonesa?!

– Sim. Corro 5 km sempre sem me importar em quanto tempo faço. – parei para responder.

– Menina, tava aqui pensando como você consegue. Eu não tenho fôlego para isso não! – e riu com aqueles dentes maravilhosos.

– Mas você estava correndo super bem! Voando lindamente! – exclamei com vontade.

– Aquele tico que você viu, minha flor. Guento correr muito não. Joelho dói. Nem andar muito estou conseguindo mais.

– Eita, mas você pode fazer um fortalecimento. Eu, por exemplo…

E seguiu-se daí um conversa profunda de uns dez minutos. Despedi-me dela com um sorriso sincero e um abraço suado dizendo que da próxima vez que nos encontrarmos iria cobrar dela a promessa de se cuidar melhor. Pedi o número dela, pois se tratava de uma advogada arretada pelo pouco que ouvi e certamente vou precisar de uma com aquela garra.

– Valeu, flor! Tu arrasa! – ouvi quando já corria longe a despeito de minha dificuldade em escutar sem fazer a leitura labial.

O resto da minha corrida fiz não mais me sentindo um saco de purê de batata e sim uma mulher em liberdade. Percebi que julguei a outra por mim mesma – como sempre ocorre com qualquer julgamento. Absolvi Andreia complacentemente de vários defeitos e fragilidades e neguei com severidade minhas qualidades por vários minutos que se estenderiam por horas e dias caso ela não interviesse na nossa história e nos meus devaneios.

Continuei a correr no meu ritmo e com meus músculos balançantes. Eu. Toda cheia de limites a serem superados.

O primeiro sendo a auto-estima.

“Deixe de bobeira, companheira. Sou eu.”

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Estava eu lendo as mensagens que recebo inbox (são inúmeras e não dou conta de responder todas) quando vejo a de uma moça dizendo que trabalha no Instituto Lula e gostaria de conversar comigo sobre um texto que escrevi cujo link para quem não viu segue aqui:

https://atomic-temporary-52399608.wpcomstaging.com/…/24/prometo-nao-tocar-no-assunto/

A moça que se chama Gabriella pediu meu telefone. Dei uma estalqueada de leve nela para saber com quem estava conversando e se poderia fornecer meu número. Vi várias fotos no perfil dela com o Lula. Quem tira foto com o Lula não pode ser má pessoa, pensei. Quem acreditou e acredita nele torce para que a desigualdade social diminua, fica feliz em ver negros em universidades e pessoas saindo da linha da miséria. Então, concluí, ela tem cara de quem vai fazer um bom uso do meu telefone e do meu voto de confiança.

Em menos de cinco minutos o telefone tocou.

– Elika, Gabriella do Insititulo Lula. Um minuto que vou transferir sua ligação.

– Ok. – respondi pacientemente.

– Alô, Elika. Oi, querida. Aqui quem fala é o Lula.

Abre parêntese.

Não sei o que você pensa a respeito dessa figura histórica, mas uma coisa é fato: quem estava do outro lado do telefone foi o presidente mais amado do Brasil cuja vida se confunde com a luta de toda uma geração de brasileiros que sonha com um país socialmente mais justo.

Não convém enumerar todos os prêmios e condecorações que ele recebeu não somente aqui como em vários outros países. A título de exemplo, no Brasil, Lula recebeu a medalha de ordem do Mérito Militar, Naval, Aeronáutica, a Ordem do Cruzeiro do Sul, do Rio Branco, a ordem do Mérito Judiciário e da Ordem Nacional do Mérito. Recebeu da UNESCO, em 2008 o Prêmio da Paz; em 2009 foi destacado como O Homem do Ano nos jornais Le Monde e o El País. Em 2012 recebeu o prêmio de Estadista Global em Davos na Suíça. Mas há N outros que não citarei para a postagem não virar uma biografia dele.

O que quero dizer a vocês é que eu estava falando com um homem que mudou o destino de muitos brasileiros e no qual votei em todas as vezes em que ele se candidatou para presidente por acreditar no projeto que ele apresentou.

Não estou dizendo que quem me ligou foi o homem mais honesto do Brasil, mas sem dúvida, o homem que proibiu em seu governo a palavra “gasto” quando o assunto era Educação e Saúde. O responsável pelo Brasil ter saído do mapa da fome e por hoje ter nas salas de aula do meu CEFET, negros e pessoas carentes cujo destino foi mudado por uma oportunidade. Como disse no meu texto supra citado “Se ganharam os cotistas com a oportunidade, ganhamos muito mais os professores por entender que capacidade intelectual nada tem a ver com a nota de uma prova de seleção e mais ainda enriqueceram os outros alunos por testemunhar o esforço de quem vive em outra realidade.”

Fecha parêntese.

– Mas o quê? Como?! Lula!!! Não acredito!!!!!

– Acredite, querida. Estou te ligando porque quero te parabenizar e agradecer por esse texto maravilhoso que você escreveu.

– Mas quem me garante que não é um imitador? No Brasil inteiro tem gente que imita o Lula!

– Deixe de bobeira, companheira. Sou eu.

Daí, meu povo, eu saí de mim. Meu coração acelerou. Se fosse o Fernando Henrique me ligando eu ia ficar feliz porque tenho umas coisas para dizer para ele. Mas Lula?! Meodeos. Não queria deixar a emoção estragar aqueles minutos. Pensei: “aproveite esse momento, Elika. Fale, pergunte… agarre a oportunidade. Quantas pessoas você acha que recebe uma ligação do Lula?”, refleti e tentei me acalmar.

– Presidente, – assim o chamei no impulso – eu quero lhe dizer que quem merece ser parabenizado por tudo não sou eu e sim você. Em nome de todos os brasileiros que hoje comem, se vestem e estudam, eu quero dizer: muito obrigada, Lula. E receba todo meu sentimento pelo falecimento de Dona Marisa.

– Obrigada, companheira. Mas quero te dizer umas coisas. Eu não sou de sair ligando para todo mundo. Mas seu texto me tocou muito. Percebi sinceridade nele inteiro e sua angústia com tudo o que está acontecendo. Liguei para te abraçar, agradecer e dizer para continuar sendo quem você é porque você é uma pessoa maravilhosa demais.

Ah gente… sinto muito. Chorei como um bezerro com ele do outro lado da linha e soluçando falei:

– Presidente, eu não quero deixar passar essa oportunidade e preciso te fazer uma pergunta. O nosso país anda esquisito, você viu pelo meu texto que ando sofrendo pressão para deixar de falar sobre política, todo dia uma notícia desse governo que vai de encontro ao projeto de diminuição da desigualdade social… Eu não tenho vontade de desistir de lutar porque sou dessas, meu presidente, de insistir nos sonhos. Mas, por vezes, lutamos apenas para não deixar o inimigo nos abater sem que resistamos, ainda que a morte seja certa. Isso posto: Lula, como você vê o futuro do nosso país? Sua luta está sendo movida pela esperança de ainda tocar para frente o seu projeto ou apenas para ter uma morte política digna?

A resposta veio imediata:

– Companheira, acredite que há muita coisa boa para acontecer. Estou animado e muito otimista.

E me disse muito mais coisas que acho que não convém falar aqui. Frases boas de serem ouvidas, sabe? Dessas que dá vontade da gente fazer muito mais do que anda fazendo pelo próximo.

Enfim, gente. É isso. Lula me ligou, disse que sou maravilhosa e trouxe a força que me faltava para continuar lutando por uma sociedade mais justa.

Felicidade é pouco. O que sinto não tem nome.

Vou ali agora enfartar e já volto.

Zerei a vida…