Sobre cachorros e outros animais

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Eu hoje, como sempre, estava levando Yuki, meu caçula de dez anos, à escola. Paramos em um sinal e ele observou:

– Mãe, olha aquele cachorro ali na calçada! Olha que bonitinho!

Era um vira lata que estava sentado olhando para sabe Deus o quê.

– Mega lindo. – concordei.

Silêncio no carro.

Yuki de novo:

– Estava pensando… você sabe se aquele bicho era macho ou fêmea, mãe?

– Não. Olhando não dá para saber.

– E você gostou dele assim mesmo, né?

– Sim.

– E sem saber se ele gosta de cachorro ou cadela. Sem saber se ele já é pai ou é mãe. Sem saber se ele já cruzou e com quem na vida.

– … – assustei-me.

– E geralmente assim somos com todos os bichos. Por que o ser humano não age assim com outro ser humano, mãe? Por que se importam tanto com a sexualidade do outro ser antes de amar?

Meodeos. Fui discutir esses dias gênero com meu filho e deu nisso.

Criei um monstro.

Tenso, logo escrito.

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Então, queridos amigos, é com muita emoção que compartilho o nascimento de meu novo livro “Tenso, logo escrito” que começa hoje a ser vendido pela Amazon para todo o Brasil e em outros países, na versão e-book e impressa. Farei o lançamento aqui no Rio e por onde mais conseguir. Em breve, quando souber, divulgo a data.

Segue o texto da contra capa:

Desde meus catorze anos, praticamente só tive um namorado, com quem fui casada por quase duas décadas. Separar-me dele obrigou-me a ter que reaprender a andar sem segurar em nada. A despeito de muitos textos incluídos neste livro terem sido feitos depois que meu casamento terminou, “Tenso, logo escrito” não é um livro que fala sobre separação, mas sim sobre descobertas. Percebi que não sabia quem eu era e peguei-me surpresa várias vezes com o que conseguia ou não fazer sozinha.

Hoje, tenho uma certeza com a qual lido de forma infantil: desconheço-me por completa. O desequilíbrio me persegue, mas quando escrevo a balança tende a ficar na horizontal, ainda que de forma bem instável. A sensação, logo depois do feito, é de ter jogado uma garrafa ao mar com meus pensamentos dentro. Será que alguém irá encontrá-la? Se abriu esse livro, está agora com você. Quebre o casco, porque ela está muito bem vedada.

Segue o link para adquiri-lo:

 

A professora e o ator

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A princípio, ela se viu conversando com ele e tendo que disfarçar o maravilhamento de poder falar sobre qualquer coisa que lhe importava. Mal conseguia a professora disfarçar a urgência de pôr em dia tudo o que nunca havia proferido. E meu deus como ela gostava de ouvi-lo mesmo sem saber que papel aquele ator estava desempenhando em sua vida.

Ele passou a chamá-la de garota. E, após um abraço, achou-a por demais ergonômica. Ela, necessário. Andaram por aí e suas pegadas eram escritas por uma caligrafia surpreendentemente perfeita.  Eles passaram a se procurar sem entender a curvatura do espaço-tempo, o inverso do quadrado da distância e a ausência de gravidade em algo tão denso.

Os paradoxos se faziam presentes e sequer eram percebidos.

Não compactuaram, pois tinham medo de que a palavra falada os traísse. Eles não tomavam cuidado já que a confusão era natural assim como a impossibilidade de elucidação. Ela, que vivia de explicar, desistiu de ser didática quando recebeu seu beijo.

Apesar da conexão entre eles se tornar cada vez mais intensa e darem-se as mãos – mesmo ele estando no palco e ela na plateia -, eles não podiam evitar a separação.

Se, na boca de outros, chamá-los de amantes era um julgamento, entre ambos, era uma incompreensão e uma desgraça irremediável ainda que plena de coerência.

Não conseguiram deixar de se procurar porque, embora a distância em breve se fizesse entre eles (dado a realidade de cada um), mesmo que futuramente e devidamente afastados, eles sabiam que não se perdoariam se economizassem o que seria alimento para o monstro da saudade: não foram mesquinhos com o que chamam por aí de felicidade.

Passaram por cima do fato de terem muita facilidade para sofrer como se o que realmente importasse fosse somente o pretérito perfeito e o presente. Possuíam apenas uma consciência vaga de que havia algo de perverso no mundo tão cheio de quilômetros, estradas e Estados.

O fato é que se encontraram numa espécie de nave que os levou para uma parte secreta deles mesmos. O destino foi alcançado por um acaso quando ele, ator, ensinou a ela, professora, ser indisciplinada até mesmo ao sorrir e ao sentar.

Falharam em todos os encontros porque a meta era desiludirem-se. A lição de dormir juntos em uma casa teria que vir simultaneamente com o aprendizado de se livrar de uma carência que emergia quando justamente faziam amor. Ah os malditos paradoxos.

Havia uma salvação. Não serem encontrados por poetas. Por um descuido, foram achados por caramujos, aranhas e guinchos, o que deu no mesmo.

Aprofundaram tudo como se tivessem todo o tempo do mundo, como se não existisse algo que não pudesse ser supérfluo.

Havia uma dúvida tosca, uma espécie de não entendimento ao mesmo tempo em que se sentiam sábios chineses por terem alcançado a essência das músicas sertanejas.

Ela tinha renascido como mulher de um homem. Mas, mal assumira a possibilidade e a alegria de ser definida com pronomes possessivos, mal assumira a alegria de ouvir que é amada, veio o medo de ter esperança, esse sentimento que imobiliza e dá rugas a quem espera.

Paciência.

Tarde demais.

Nunca, nunca aconteceu alguma coisa que enfim apontasse uma cegueira e os tornasse prontos para o destino que despudoradamente os esperava e os obrigasse, enfim, dizer adeus.

Conversa entre vovó e netinhx sobre sexo.

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Dona Josefa é uma avó dessas adoráveis que dão trocado para os netos e frequentam teatros pela cidade. Acha-se prafrentex e orgulha-se de ser toda despida de preconceitos. Josefa tem umx netx Ricardx que anda apresentando, digamos, um certo desafio à família pelas limitações que o dicionários nos oferece. Fofa que é, foi conversar com elx demonstrando seu apoio e sua compreensão:

– Ricardo, meu neto, vovó te entende, mas seu pai tem lá os preconceitos dele. A homofobia é muito estrutural em nossa sociedade. Temos que ter paciência… Eu, por exemplo, demorei a entender, mas hoje eu sei que atualmente todo mundo é bi assim como você, não é mesmo? – disse a senhorinha toda moderninha e simpática.

– Vó , eu sou pan. – explicou Ricardo.

– Pan?, assustou-se Josefa, o que é isso?

– Pansexual. É quem curte qualquer tipo de pessoa.

– Bi, Ricardinho querido. Então, estou certa. Quem curte homem e mulher é bisexual, meu filho. Bi e pan é tudo a mesma coisa, querido.

– Não, vó. Não é bem assim… Eu me apaixonei por um trans não binário.

– E o que isso, Jesus? É uma máquina tipo um robô? Você se apaixonou por um computador tipo Her, aquele filme? Tudo bem se for isso também, meu neto. – disse ela hiper sincera porque quem ama entende e empatia está aí para ser usada nessas horas.

– Não, vó… eu também não sou esse cis que a senhora pensa.

– Ricardo querido, você não é o quê, meu bem? – perguntou a senhora com o zóio regalado.

– Cis, vó, é o antônimo de trans. Transgênero é pessoa que não se identifica com as características do gênero designado a ela no nascimento. O cisgênero fica deboa com a definição de gênero dada pelo órgão genital que possui no meio das pernas. Não é o meu caso agora. Isso que estou querendo te dizer.

– Bissexual não é trans?

– Nada a ver, vó. A senhora está confundindo tudo. A minha orientação sexual não tem nada a ver com a minha identidade de gênero.

Josefa procurava manter a naturalidade mas, lá no fundo, estava achando que aquilo estava longe demais de sua compreensão e isso a incomodava já que ela era dessas de amar também com a razão.

– Ricardo, meu filho, eu já havia convencido seu pai que não havia problema nenhum você ser gay quando você começou a demonstrar um jeito mais afeminado. Depois você apareceu namorando a Juliana e nos confundiu um pouco. Ok. Daí depois você se apaixonou pelo Leonardo e eu entendi quando você disse que era bissexual. Há mais do que isso, Ricardo?! – sondou a avó com certo temor.

– Pouca coisa, vó, tipo uma pequena infinidade. Eu me identifico mesmo com o gênero feminino agora. – disse Ricardx.

– Você está me dizendo que agora gosta de mulher, é isso?

– Não. Já te falei, vó. Você está confundindo orientação sexual com identidade de gênero. Estou dizendo que sou mulher, vó.

– Você então é um homem trans. Já ouvi esse termo. Entendi, querido.- disse a avó ainda tensa.

– Não. Sou uma mulher trans, vó.

– Você é uma mulher trans porque nasceu homem e se sente uma mulher, é isso? – tentou entender Josefa.

– A senhora está sendo preconceituosa falando assim, vó. – engrossou ela.

– Tô tentando entender, cacete!, descompensou-se a meiga da  dona Josefa. Onde está meu preconceito?

– Seu discurso define o que é natural e o que não é natural e isso não é nada bacana para a humanidade. – explicou Ricardx.

– Mas para ser mulher você não tem que operar e ficar igual a uma?

– Nada disso. Se eu me reconheço mulher eu sou uma mulher. Minha identidade de gênero não está instalada no meu genital e sim na minha mente.- disse Ricardx super segurx.

– Faz sentido. – raciocinou Josefa – Se gênero estivesse instalado no genital das pessoas, quando um homem tivesse seu pênis amputado em um acidente ele deixaria de ser homem.

– Sim,vó. Isso mesmo. E há mulheres trans que não tem dinheiro e saúde para operar ou simplesmente não querem, como eu.

– Mas você nem depila a perna como as mulheres! Como pode se sentir uma mulher assim com essas pernas cabeludas, Ricardo?

– Há mulheres que não se depilam, vó. Isso é cultural.

– Ok ok…, convenceu-se Josefa. E você namora o ‘que’ agora?

– Vó… reformule, vó, reformule pelamoooooordedeus. – avisou Ricardx.

– ‘Quem’ você namora, meu filho, quer dizer, minha filha, ai cacete, Ricardo, você está me deixando confusa! Você agora gosta de homem ou de mulher?

– Então, vó, é isso que estou querendo te explicar. Nem uma coisa nem outra.

– Como assim, meu pai? Como assim?!

– Juju não se sente confortável em se classificar em um dos gêneros. Como não posso apontar para essa pessoa e dizer se é homem ou mulher, também não posso me definir como hétero, homo ou bi nesse caso. Por isso, sou pansexual, vó, apaixonada por um trans não binário andrógino.

– Mas essa pessoa Juju nasceu homem ou mulher? – questionou a avó desconstruída parcialmente.

– O que importa? Desapega do dicionário, vó. Desapega que isso só gera sofrimento.

– Ok ok…

Dona Josefa percebeu que querer entender é tentar limitar com palavras (necessárias para qualquer explicação) as infinitas formas de ser e amar. Bobagem alimentar a ilusão de que conseguimos racionalizar sentimentos, pensou ela.

– Quer uns dinheirinhos para passear com Juju?

E foi ao teatro feliz e contente.

Short Movie baseado em uma história real.

​Plano fechado. Uma mulher de burca está imitando com a boca o som de uma galinha. Pópópó  póóó.

No plano sequência, a câmera movimenta-se para a direita. Mais três mulheres de burca. Uma olha com apenas sua visão descoberta para onde a que faz o cacarejo está dirigindo o som gutural. As outras duas miram para baixo.

A câmera desce. Plano médio.  Há um homem deitado no leito de um hospital entubado e aparentemente dormindo. As mulheres de burca estão em pé ao seu lado.
A câmera abre. Na cadeira encostada na parede, um menino loiro sentado com roupas espalhafatosas segurando uma galinha de borracha.

O menino é um palhaço desses que animam doentes. Sem saber o que fazer nesse quarto específico, ele pega seu brinquedo em forma de ave depenada e faz pópópópóóó com sua boca para as mulheres.

Plano fechado. A mulher de burca atenta ao menino espera a galinha acabar de balançar e, enfim, bate palmas e exclama póóó!

(Meu “short movie” baseado na história real do filho do verdadeiro Patch Adams que mostrou que os palhaços não existem somente para arrancar risos).

Não sou machista, mas…

Obra feita pelo artista Sérgio Ricciuto.

Percebo que há no mundo uma quantidade imensa de homens que não se dizem machistas mas que consomem muita pornografia. Eu, mulher, desde que me conheço por gente me sinto péssima ao assistir cenas em que percebo qualquer tipo de coerção e observar a figura feminina como submissa ou, pior, curtindo aquele tratamento que considero cruel e humilhante não foge à regra.

Capitalismo está aí para surfar em qualquer onda até mesmo as mais radicais em violência. Lucra-se muito com a desgraça alheia. O mercado da indústria pornográfica ilustra bem isso. As práticas vão se diversificando para atender aos animais que esperam babando, cuspindo, excrementando. Dois homens já não dão mais frisson. Cinco, dez, vinte ok. E ainda que seja um homem para uma mulher, não raro o homem é visto violentando, ofendendo, assediando a mulher e tudo isso é passado, ensinado e recebido como algo natural da sexualidade masculina. 

Não preciso mencionar a quantidade de meninos que são introduzidos ao tema por esse viés pornográfico. Não é difícil concluir que os casos de estupro, abusos sexuais e mulheres insatisfeitas sexualmente com seus parceiros (que se dizem não machistas) tem muito a ver com isso. Muitas de nós cedem aos pedidos de seus companheiros para lhes agradar e acabam vivendo fetiches que não são seus.

O ponto é que o universo pornográfico mostra, por exemplo, homens batendo com o pênis na cara da mulher, gozando em seu rosto, metendo o pau em sua boca com força enquanto puxa o seu cabelo e a mulher  (atriz, vale lembrar) sentindo prazer com tudo isso. No mundo real, há mulheres que, de fato, gostam muito dessa modalidade, chamemos assim, sexual. Mas, vale frisar, outras tantas odeiam. Não é  regra sentir prazer ao ser  tratada como se fosse um ralo entupido. Também não é pecado sentir prazer com tudo isso, ok?

Eu que dentre tantas bandeiras levanto também a da liberdade sexual fico pensando sobre essas coisas vez ou outra. Suspeito que sexo e a sexualidade são algo socialmente construídos. Não sei se teria as mesmas travas e as mesmas taras (atualmente, por uma só pessoa) se nascesse hoje, por exemplo, e não há quarenta e quatro anos. Não sei. Por isso, fico entre a cruz e a espada querendo que a indústria pornográfica junto com a farmacêutica (que mais lucram nesse planeta) vão para o inferno. 

Mas depois, fico refletindo se a pornografia não pode ser usada de forma política pelas mulheres e, pesquisando, já vi que há luz até mesmo no breu do inferno. Pornografia pode ter um outro conceito além do registro audiovisual do estupro.

Mulheres já estão assumindo esse mercado e hoje temos filmes dirigidos por elas em que o prazer do macho é alcançado sem que ele bata, humilhe e xingue suas parceira. Ou seja, o macho goza lindamente em um ser humano que tem sentimentos e não se parece com uma menina de doze anos (mais essa, como a pornografia alimenta a pedofilia meodeos…).

Enfim, tudo isso para dizer que ando observando muitos homens que dizem não ser machistas mas que se deleitam ao ver cenas de estupros gravados como mostra grande parte dos filmes pornográficos. 

Sei que é difícil se desvencilhar de preconceitos e conceitos estruturais em nossa sociedade. Mas, chamo, agora, vocês para pensarem sobre o tema e ver se querem mesmo continuar alimentando esse mercado já que se dizem tão simpáticos às causas feministas.

Sendo guinchada

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Ontem à noite fui ao Riocentro espairecer um pouco e tentar equilibrar meu universo com uma dose de risada. Pipo, meu amigo, convidou-me para assistir a gravação de seu novo programa de humor Planeta B que, em breve, irá ao ar pelo MultiShow. A despeito de não querer sair de casa nesses últimos dias por medo e por tanta tristeza, entendo que oportunidades como essa podem nunca mais se repetir.

A cabeça seguia meio tonta pelas infinitas e inúteis tentativas de compreender o mundo, Nietzsche e por quê há pessoas que se vestem com calça cor de cenoura. Mas sim. Consegui sublimar a dor e rir vendo as trapalhadas dos Melhores do Mundo no palco e na nave Arara azul.

Ao sair do estúdio, paguei o estacionamento. Entrei no Pafúncio, o taki-móvel. Virei a chave com a alma mais leve.  

Qual o quê…

Pelo visto, Pafa estava tão cansado disso tudo quanto eu. Não quis saber de responder nem a mim, sua dona que sempre lhe tratou com tanto carinho.

– Pafúncio, pelamordedeos responda! Se liga! Bora me levar para casa! Não faça isso comigo!

Pafa nem tchum para mim…

Não é a primeira vez que precisei acionar o guincho e lá estava eu sozinha desesperada procurando o telefone do reboque.

A bateria já acabou em um passado remoto. Mas dessa vez foi esquisito. O freio havia falhado inúmeras vezes. Não conseguia engatar a ré por mais que tentasse. Tive problemas de alinhamento e o balanceamento beirou o impossível. A sensação foi de ter perdido a direção.

Não achava o contato do socorro. No meio de vários CDs de Fábio Junior, Roupa Nova, Padre Fábio de Mello e Adriana Partimpim no porta luvas, procurava o cartão de quem poderia me tirar daquela situação.

Achei, enfim.

– Alô. Pipo?

Cá estou eu devidamente guinchada divagando e escrevendo em cima de um caminhão de esperanças de que um dia tudo volte a funcionar.

 

Até um dia, Facebook.

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Há tempos escrevo sobre tudo o que me toca da forma mais sincera possível. Não tenho vergonha de falar de minhas fraquezas, de meus medos, de meus devaneios sejam eles de que natureza forem e muito menos penso duas vezes antes de pedir desculpas por algo que tenha feito. Não raro, sou criticada e gosto quando isso acontece porque me vejo refletindo sobre meus valores. Crescemos sempre no embate, no diálogo, na divergência.

Muitas pessoas não se expõem por aqui para não ter que discutir. Não sou dessas como podem ver. Falo sobre política, educação, maternidade, sociedade, separação, escrevo sobre como é morar no subúrbio carioca, escancaro a minha dor sem freios. Sempre fui assim desde que me entendo por gente.

Como já disseram, sou uma “subcelebridade” na internet. Para quem não sabe, esse boom no meu perfil ocorreu no ano passado por postagens de cunho bem diferentes terem viralizado: vídeo de minha filha cantando para vacas, foto dos meus filhos no Aniversário Guanabara, texto relatando a minha experiência com coletor menstrual, anúncio de meu filho Hideo,… e o polêmico texto sobre cotas escrito há um ano (repostado ontem no facebook) que é o motivo dessa minha fala agora aqui.

O texto sobre cotas me apareceu como “lembrança do facebook”. Como acontece com inúmeros deles, apenas dei o famoso control C control V para quem não tivesse lido, caso quisesse, dar uma olhada. Lembro-me que, no ano passado, recebi mensagens de todo o Brasil por ele. Pessoas que haviam sido (ou ainda eram) cotistas estavam me agradecendo emocionadas pelo relato que eu havia feito. Por recordar as mensagens de carinho que havia recebido e por entender que ele seria algo bom para a comunidade, resolvi publicá-lo em meu feed mais uma vez. Se tivesse, na época, recebido uma só crítica de um negro se sentindo mal com a postagem, podem ter certeza que não teria republicado esse texto. Não foi o caso. Os elogios e agradecimentos tinham vindo deles e por causa do texto fiz amigos cujas vozes são importantíssimas no movimento negro. Sim. Muitos que me elogiaram podem ser cegos, não descarto essa possibilidade.

Qual foi minha surpresa que dessa vez a minha vida virou de cabeça para baixo. Levei um susto com a quantidade de pessoas me agredindo e as ameaças que recebi. Fui acusada de ser racista e ter sido completamente infeliz nas palavras. Inicialmente, como sempre digo, se o oprimido diz que sofreu um preconceito e foi agredido, ele tem sempre razão. Não existe mimimi. Não existe vitimismo. O mundo não está ficando chato. O mundo está melhorando isso sim. E isso tudo que aconteceu serviu como grande aprendizado, pois, fui acusada pela primeira vez de opressora. Perguntei-me: onde fui racista? Eu? Racista?! Já sabendo de pronto que sim, vale observar. Tinha sido racista já que há negros que se sentiram ofendidos. Essa é a regra.

Li o texto. Reli. Li comentários. Muitos xingamentos, muitas agressões.

A minha reação é ficar desesperada olhando para o que fiz e questionando onde errei e porque despertei esse sentimento ruim nas pessoas se tomo sempre o maior cuidado para fazer o contrário. Para muitas que vieram até me ofendendo, eu pedi para que, por favor, me ajudassem a melhorar. O que falei que feriu tanto para que nunca mais eu faça de novo?, perguntei para um tanto de gente hoje, pois, juro, não entendi o motivo pelo qual estavam querendo meu fígado.

Nada como o diálogo.

Não vou me ater aqui a dissecar do texto e a comentar frases que recortaram, colaram em fotos minhas e divulgaram em páginas e sites por aí. Sei que com isso, minha integridade física já foi ameaçada, corro risco de vida, pois, conhecem bem meu rosto (como fizeram questão de expor) e esses que fizeram isso querem mesmo a minha morte seja ela real seja metafórica. As duas são possíveis e se temo a primeira é porque sou mãe de três e filha de duas pessoas para as quais dou total assistência. O fato de ter virado conhecida pouco me importa ao contrário do que muitos (que não me conhecem) pensam. Coisas imprevisíveis que acontecem na internet… Por mim, ficaria falando só para meus amigos como sempre fiz. “Printando meus próprios tweets” para eles somente no intuito de compartilhar ideias e brincar – como muitos sabem que gosto demais de fazer.

A única coisa que sempre sonhei foi ter meus livros publicados e só. Isso não escondo de ninguém. Mais do que isso para quê? Acabou que hoje tenho quase 150 mil seguidores, fato que foge a minha compreensão e ao meu controle. Quando penso nesse número me dá até calafrios. E, por tentar sublimá-lo e acreditar sempre que escrevo para meia dúzia de leitores, não tomo cuidados que hoje, aprendi, preciso estar atenta.

Isso posto e voltando ao foco da postagem, gostaria de agradecer a todos pelas críticas que me fizeram. Entendi que, a despeito de não ter sido a intenção, o texto que pretendia narrar a desconstrução de um preconceito, ainda assim, foi infeliz e opressor, principalmente, na forma.

Relendo a partir das críticas recebidas, percebi o quanto é difícil viver em uma sociedade estruturalmente racista. Eu estava crente que (como muitos me fizeram crer na primeira vez que o texto foi publicado) tinha feito um serviço bacana narrando tudo o que passei. Qual o quê. Close erradíssimo. Vocês estão certíssimos em terem me chamado a atenção.

A única coisa que gostaria de pontuar é que o fato de eu ter estranhado ver negros em minha sala de aula (como narrado o texto) não foi por incômodo com a raça ou cor e sim por ter visto que algo diferente estava acontecendo. No mais, a narrativa peca por ter dado a impressão que eu acredito que, se não fosse pela ajuda dos colegas brancos, os cotistas não dariam conta, além de eu ter reforçado esteriótipos que só dificultam a inclusão e os colocam como seres fora do padrão. Entendi perfeitamente isso e concordei de pronto com a crítica.

Não inventei nada do que foi escrito, queria observar. Tudo aconteceu. Não teria motivos para inventar nada. Autopromoção, crescer em cima da desgraça alheia, aparecer como salvadora… nada disso me passou pela cabeça. Quando o texto foi publicado pela primeira vez, praticamente, foi só para amigos e conhecidos que sabem que a minha intenção jamais seria essa, digo, aparecer. Queria apenas compartilhar com aquele texto (que excluí para frear as ameaças que ando recebendo e a pedido da comunidade negra – e não por covardia como já me acusam) que quebrei a minha cara por ter pensado inicialmente que não daríamos conta daquele novo perfil de alunos que nunca dantes na história do Cefet havíamos tido.

Não menti. O texto fala (de forma infeliz ok) da desconstrução (não completa como vários observaram muito bem) de um preconceito de classe e de como tive que me reinventar como professora para dar conta da diversidade de vários níveis. E tive mesmo. Não vou esconder isso. Não por ser “iluminada”, “boazinha”, “princesa isabel” como me chamaram ironicamente. Mas porque outra realidade se apresentou e que não fazia ideia de como lidar com ela e fiz um esforço danado para aprender. E continuo me esforçando para ser a melhor professora para meus alunos. Há muito o que preciso assimilar ainda, como viram. Que bom que seja assim, penso eu… que horror seria se não tivesse mais nada a melhorar.

Hoje, em minhas palestras e em minhas falas, defendo que as cotas deveriam ser obrigatórias por lei em escolas particulares também, pois vi o quanto é somado quando trabalhamos no plural. Não sou tão ruim quanto pensam ao meu respeito. Entre o quente e o frio há graduações de morno. Seria bom não ver o mundo de forma tão dicotômica, acho eu…

Se meu relato reforçou a colonização, como observaram, peço milhões de desculpas, pois quero estar ao lado de quem a questiona e não do lado de quem a defende. Por favor, não me excluam dessa luta.

Prometo me policiar muito mais na minha fala, na minha escrita e a rever sempre meus (pre)conceitos.

Mais uma vez, a todos que contribuíram para tanta reflexão, muito obrigada. E a todos que se sentiram ofendidos, perdão.

Segue o barco com todos dentro.


Publiquei esse texto me retratando publicamente. As ameaças, incrivelmente, pioraram depois que o escrevi. Por motivo de segurança (já que meu contra cheque, meu CPF e endereço foram publicados junto com a foto do meu rosto com a legenda “racista!”) e por precisar digerir tanto ódio sem afetar a minha saúde, desabilitei a minha conta por tempo indeterminado.
Preciso me fortalecer.
Obrigada a todos que permaneceram ao meu lado e não atiraram pedras.

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