A professora e o ator

despedida (1)

A princípio, ela se viu conversando com ele e tendo que disfarçar o maravilhamento de poder falar sobre qualquer coisa que lhe importava. Mal conseguia a professora disfarçar a urgência de pôr em dia tudo o que nunca havia proferido. E meu deus como ela gostava de ouvi-lo mesmo sem saber que papel aquele ator estava desempenhando em sua vida.

Ele passou a chamá-la de garota. E, após um abraço, achou-a por demais ergonômica. Ela, necessário. Andaram por aí e suas pegadas eram escritas por uma caligrafia surpreendentemente perfeita.  Eles passaram a se procurar sem entender a curvatura do espaço-tempo, o inverso do quadrado da distância e a ausência de gravidade em algo tão denso.

Os paradoxos se faziam presentes e sequer eram percebidos.

Não compactuaram, pois tinham medo de que a palavra falada os traísse. Eles não tomavam cuidado já que a confusão era natural assim como a impossibilidade de elucidação. Ela, que vivia de explicar, desistiu de ser didática quando recebeu seu beijo.

Apesar da conexão entre eles se tornar cada vez mais intensa e darem-se as mãos – mesmo ele estando no palco e ela na plateia -, eles não podiam evitar a separação.

Se, na boca de outros, chamá-los de amantes era um julgamento, entre ambos, era uma incompreensão e uma desgraça irremediável ainda que plena de coerência.

Não conseguiram deixar de se procurar porque, embora a distância em breve se fizesse entre eles (dado a realidade de cada um), mesmo que futuramente e devidamente afastados, eles sabiam que não se perdoariam se economizassem o que seria alimento para o monstro da saudade: não foram mesquinhos com o que chamam por aí de felicidade.

Passaram por cima do fato de terem muita facilidade para sofrer como se o que realmente importasse fosse somente o pretérito perfeito e o presente. Possuíam apenas uma consciência vaga de que havia algo de perverso no mundo tão cheio de quilômetros, estradas e Estados.

O fato é que se encontraram numa espécie de nave que os levou para uma parte secreta deles mesmos. O destino foi alcançado por um acaso quando ele, ator, ensinou a ela, professora, ser indisciplinada até mesmo ao sorrir e ao sentar.

Falharam em todos os encontros porque a meta era desiludirem-se. A lição de dormir juntos em uma casa teria que vir simultaneamente com o aprendizado de se livrar de uma carência que emergia quando justamente faziam amor. Ah os malditos paradoxos.

Havia uma salvação. Não serem encontrados por poetas. Por um descuido, foram achados por caramujos, aranhas e guinchos, o que deu no mesmo.

Aprofundaram tudo como se tivessem todo o tempo do mundo, como se não existisse algo que não pudesse ser supérfluo.

Havia uma dúvida tosca, uma espécie de não entendimento ao mesmo tempo em que se sentiam sábios chineses por terem alcançado a essência das músicas sertanejas.

Ela tinha renascido como mulher de um homem. Mas, mal assumira a possibilidade e a alegria de ser definida com pronomes possessivos, mal assumira a alegria de ouvir que é amada, veio o medo de ter esperança, esse sentimento que imobiliza e dá rugas a quem espera.

Paciência.

Tarde demais.

Nunca, nunca aconteceu alguma coisa que enfim apontasse uma cegueira e os tornasse prontos para o destino que despudoradamente os esperava e os obrigasse, enfim, dizer adeus.

10 comentários em “A professora e o ator

  1. Todos, de uma forma ou de outra, estamos torcendo para um encontro com o amor. Todos sabemos ou intuímos as dores e delícias que esse tipo de encontro pode nos trazer.
    Esta sua crônica os revela e nos explicita…
    Você é um amor, merece ter alguém que a ame, e fico feliz por tê-lo encontrado; afinal, você o expressa com muita sensibilidade.

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