Conversa entre vovó e netinhx sobre sexo.

pe

Dona Josefa é uma avó dessas adoráveis que dão trocado para os netos e frequentam teatros pela cidade. Acha-se prafrentex e orgulha-se de ser toda despida de preconceitos. Josefa tem umx netx Ricardx que anda apresentando, digamos, um certo desafio à família pelas limitações que o dicionários nos oferece. Fofa que é, foi conversar com elx demonstrando seu apoio e sua compreensão:

– Ricardo, meu neto, vovó te entende, mas seu pai tem lá os preconceitos dele. A homofobia é muito estrutural em nossa sociedade. Temos que ter paciência… Eu, por exemplo, demorei a entender, mas hoje eu sei que atualmente todo mundo é bi assim como você, não é mesmo? – disse a senhorinha toda moderninha e simpática.

– Vó , eu sou pan. – explicou Ricardo.

– Pan?, assustou-se Josefa, o que é isso?

– Pansexual. É quem curte qualquer tipo de pessoa.

– Bi, Ricardinho querido. Então, estou certa. Quem curte homem e mulher é bisexual, meu filho. Bi e pan é tudo a mesma coisa, querido.

– Não, vó. Não é bem assim… Eu me apaixonei por um trans não binário.

– E o que isso, Jesus? É uma máquina tipo um robô? Você se apaixonou por um computador tipo Her, aquele filme? Tudo bem se for isso também, meu neto. – disse ela hiper sincera porque quem ama entende e empatia está aí para ser usada nessas horas.

– Não, vó… eu também não sou esse cis que a senhora pensa.

– Ricardo querido, você não é o quê, meu bem? – perguntou a senhora com o zóio regalado.

– Cis, vó, é o antônimo de trans. Transgênero é pessoa que não se identifica com as características do gênero designado a ela no nascimento. O cisgênero fica deboa com a definição de gênero dada pelo órgão genital que possui no meio das pernas. Não é o meu caso agora. Isso que estou querendo te dizer.

– Bissexual não é trans?

– Nada a ver, vó. A senhora está confundindo tudo. A minha orientação sexual não tem nada a ver com a minha identidade de gênero.

Josefa procurava manter a naturalidade mas, lá no fundo, estava achando que aquilo estava longe demais de sua compreensão e isso a incomodava já que ela era dessas de amar também com a razão.

– Ricardo, meu filho, eu já havia convencido seu pai que não havia problema nenhum você ser gay quando você começou a demonstrar um jeito mais afeminado. Depois você apareceu namorando a Juliana e nos confundiu um pouco. Ok. Daí depois você se apaixonou pelo Leonardo e eu entendi quando você disse que era bissexual. Há mais do que isso, Ricardo?! – sondou a avó com certo temor.

– Pouca coisa, vó, tipo uma pequena infinidade. Eu me identifico mesmo com o gênero feminino agora. – disse Ricardx.

– Você está me dizendo que agora gosta de mulher, é isso?

– Não. Já te falei, vó. Você está confundindo orientação sexual com identidade de gênero. Estou dizendo que sou mulher, vó.

– Você então é um homem trans. Já ouvi esse termo. Entendi, querido.- disse a avó ainda tensa.

– Não. Sou uma mulher trans, vó.

– Você é uma mulher trans porque nasceu homem e se sente uma mulher, é isso? – tentou entender Josefa.

– A senhora está sendo preconceituosa falando assim, vó. – engrossou ela.

– Tô tentando entender, cacete!, descompensou-se a meiga da  dona Josefa. Onde está meu preconceito?

– Seu discurso define o que é natural e o que não é natural e isso não é nada bacana para a humanidade. – explicou Ricardx.

– Mas para ser mulher você não tem que operar e ficar igual a uma?

– Nada disso. Se eu me reconheço mulher eu sou uma mulher. Minha identidade de gênero não está instalada no meu genital e sim na minha mente.- disse Ricardx super segurx.

– Faz sentido. – raciocinou Josefa – Se gênero estivesse instalado no genital das pessoas, quando um homem tivesse seu pênis amputado em um acidente ele deixaria de ser homem.

– Sim,vó. Isso mesmo. E há mulheres trans que não tem dinheiro e saúde para operar ou simplesmente não querem, como eu.

– Mas você nem depila a perna como as mulheres! Como pode se sentir uma mulher assim com essas pernas cabeludas, Ricardo?

– Há mulheres que não se depilam, vó. Isso é cultural.

– Ok ok…, convenceu-se Josefa. E você namora o ‘que’ agora?

– Vó… reformule, vó, reformule pelamoooooordedeus. – avisou Ricardx.

– ‘Quem’ você namora, meu filho, quer dizer, minha filha, ai cacete, Ricardo, você está me deixando confusa! Você agora gosta de homem ou de mulher?

– Então, vó, é isso que estou querendo te explicar. Nem uma coisa nem outra.

– Como assim, meu pai? Como assim?!

– Juju não se sente confortável em se classificar em um dos gêneros. Como não posso apontar para essa pessoa e dizer se é homem ou mulher, também não posso me definir como hétero, homo ou bi nesse caso. Por isso, sou pansexual, vó, apaixonada por um trans não binário andrógino.

– Mas essa pessoa Juju nasceu homem ou mulher? – questionou a avó desconstruída parcialmente.

– O que importa? Desapega do dicionário, vó. Desapega que isso só gera sofrimento.

– Ok ok…

Dona Josefa percebeu que querer entender é tentar limitar com palavras (necessárias para qualquer explicação) as infinitas formas de ser e amar. Bobagem alimentar a ilusão de que conseguimos racionalizar sentimentos, pensou ela.

– Quer uns dinheirinhos para passear com Juju?

E foi ao teatro feliz e contente.

10 comentários em “Conversa entre vovó e netinhx sobre sexo.

  1. Meodeus! como você diz, como é difícil entender ou explicar! Eu também ficaria confusa como Dona Josefa! Sou do tempo em que as coisas eram ou não eram! Ou pelo menos, como nos ensinaram como eram as coisas. É desapegar dos rótulos e amar por amar! Bj

    Curtido por 1 pessoa

  2. Pois é assim que me sinto em sala de aula,como vovó Josefa. Tento entender o que os adolescentes são e simplesmente não consigo. Deixemo-los.

    Curtido por 1 pessoa

Participe! Comente você também!