Hoje eu dei uma palestra no Instituto Federal de Volta Redonda. Sem palavras para descrever o carinho que recebi ao final. Muita gente querendo me abraçar, tirar foto, compartilhar ideias e experiências. Eternamente grata pela oportunidade de troca, pela cumplicidade e por tanta atenção.
Mas a última pessoinha que veio falar comigo mexeu com algo aqui dentro porque me fez ficar mega zen após me fazer pensar em tudo que deu errado na minha vida.
Explico.
Depois de eu ter falado durante mais de uma hora sobre o que ando aprontando em sala de aula e penso de todo o nosso sistema tradicional de ensino e ter contado a minha trajetória acadêmica que acabou me dando esse currículo doido com graduação em física, mestrado em História e Doutorado em Filosofia mais a minha carreira de escritora, enfim, depois de muito tagarelar e atender a todos, apareceu a serumaninha no apagar das luzes.
– Elika, você sofre de ansiedade? O que faz para lidar com ela?
Por um momento, cheguei a pensar que fosse Mufasa-hatuna-matata em forma de uma menina entrando em contato comigo e me alertando sobre os perigos dessa vida loka.
Olhei no fundo do olho dela e confessei (como fazemos diante de um padre pedindo perdão por ter feito tudo torto nessa vida e não ter conseguido cumprir nada que havíamos prometido).
– Cara. Te falá. Minha vida é um inferno. Há noites não consigo dormir mais de 4 horas. Faço de tudo para combater a ansiedade. Corro que nem uma maluca para cansar bem meu corpo. Faço três horas de pilates por semana.Tento meditar sempre. Encho o rabo de chá de camomila. Tomo suco puro de maracujá antes de dormir. Leio poesias. Nada adianta. Estou lutando com todas as minhas forças para não entrar com remédio. Preciso encontrar meu equilíbrio sozinha sem veneno. Morro de medo de me meter com ervinhas e chás de cogumelos e isso afetar a minha criatividade. Prezo muito por tudo aquilo que penso. Gosto de meu jeito de articular as informações e criar em cima do que leio. Enfim, sofro muito de ansiedade. Estou longe de ser a perfeição e esse poço de felicidade que as pessoas imaginam.
Dito isso, respirei.
– Eu tomo remédio. – ela disse – Mas o que me faz ficar ansiosa é a escola. Isso aqui me cobra demais e eu não consigo responder a tudo. Me sinto péssima sempre. Não consigo ter foco, estudar, decidir o que quero ser, tirar notas boas…
E desatou a chorar.
Fiquei tensa. Não estava preparada para aquilo. Mas não foi por isso que o chão me escapuliu. Não rolou a empatia na hora e nem a preocupação com ela de imediato. As palavras dela me afetaram como uma epifania. Tive visões tais como aqueles que chegam ao nirvana.
Me dei conta que eu também não tenho foco e muito menos ideia do que quero ser. Aliás, nunca tive. Meodeos, o que fiz em todo esse tempo?!
– Ôxi. E você sabe que eu nunca soube o que queria da vida e até hoje não sei? Pensando aqui, sou o que sou porque nada deu certo para mim.
– Você não planejou o que é hoje? – perguntou ela surpresa.
– Não. E acho que não importa o que você planejar. Vai dar errado. Concluo eu aqui agora me tomando como exemplo. Não planejei ser professora de física. Queria ser bacharel. Daí engravidei do Hideo no meio da faculdade de um namorado que nem amava. Corri para licenciatura para conseguir emprego rápido. Mestrado de história foi um convite que recebi. Queria fazer em Ensino. Depois até que me empolguei muito e quis fazer doutorado na mesma área e a orientadora disse que não. Que eu era muito inquieta e devia ir para filosofia. Eu não queria de jeito nenhum. Mal sabia quem era Platão. Casamento acabou. Planejei ficar casada eternamente. Me fu. Tô apaixonada por um homem que mora longe e pouco me dá atenção por conta de nossas agendas e porque talvez não queira mesmo me dar atenção. Fiquei grávida nos momentos mais conturbados de minha vida.
A menina olhava estranho para mim. Eu também olhava assustada para dentro de mim mesma e só via trevas. Uma confusão dos diabos nessa bagaça.
Até que veio uma luz.
– Então, não fique tensa se você não sabe o que você quer. Eu não sei até hoje. A vida continua me levando. Olha eu aqui em Volta Redonda. Olha eu entrando talvez para política. Você acha que um dia eu planejei dar palestras? Relaxa, querida, porque vai dar tudo errado na sua vida e você vai ser feliz assim mesmo.
– Mas e a ansiedade?
– A primeira que descobrir como se livra dela conta para outra, ok? Vamos combinar assim? Eu sou ansiosa que só. Deito e fico pensando em histórias, em roteiros de vídeos, em aulas que preparei e ainda não testei, em contas que esqueci de pagar, em mozão que demora a me responder, nas viagens que quero fazer e nunca tenho dinheiro, nos livros que não consigo vender… Não tem a ver com ter casa própria, com ter emprego fixo, com ser valorizada e querida… eu tenho tudo isso aê e tô na merda que nem tu.
Após essa aula de anti psicologia e de como acabar com a esperança de alguém em dois minutos, demos um forte abraço. Ela incrivelmente pareceu grata pela conversa e eu mais ainda por ter percebido que não tem ninguém no controle e, se tiver, só pode estar de brincadeira com a nossa cara.
– Querida, não se cobre. Nada é sua culpa. Cada um tem um jeito de ser e uma forma de lidar com os problemas que vão aparecendo. Não se compare. Você é única. E seja o que for que acontecer, o valor de tudo que você conseguir ou não fazer vai estar no fato de a sua história ser ímpar.
Tive que me despedir correndo porque o motorista estava com horário. Na primeira curva, fiz algo que não fazia há tempos. Dormi pesado e cheguei a sonhar. Só acordei quando vi minha casa.
Queria ter feito para ela o bem que ela me fez.
Boa noite para vocês.