O que temos por enquanto…

 

Eu não tenho secretária, não tenho agente literário, não tenho assessor de imprensa, personal-qualquer-coisa, tenho nada. Tudo que vocês veem de Elika Takimoto por aí (palestras, entrevistas, livros…) foi conseguido única e exclusivamente através de mim mesma.

Sim. É uma loucura. E veja como as coisas acontecem aqui:

Há anos escrevo. Há anos tento publicar meus livros. Há anos bato em portas de editoras com meus exemplares e, depois de meses de expectativa e ansiedade, recebo um “não” bem redondo dado com educação.

Esse ano resolvi publicar dois livros de forma independente: “Tenso, logo escrito” e “Filhosofia”. O primeiro já está sendo vendido pela Amazon versão digital e impressa e também é possível comprar diretamente comigo via e-mail. O segundo está rolando o crowfunding dele no site do kickante como muitos já sabem.

Não é fácil. Nada fácil. Para vocês terem uma ideia, escritores amadores como eu me considero, investi quase dez mil reais para que o “Tenso, logo escrito” fosse publicado. Nesse valor, está incluído capa, revisão, formatação e mais a impressão de 300 exemplares para o lançamento dele que eu, por ser sozinha, ainda não consegui organizar já que…

aconteceram também, neste ano, três grandes coisas na minha vida:

1- recebi o convite de uma das maiores editoras do Brasil (Editora do Brasil) para publicar o meu livro “Como enlouquecer seu professor de física” que é um, modéstia à parte, puta livro de filosofia da ciência para todas as idades fruto de anos de pesquisa do meu doutorado.

2- recebi o convite da editora Autografia que lançou o selo “subúrbio editorial” para publicar, juntamente com outros livros de outros suburbanos, dentre eles o maravilhoso (sigam! sigam!) Leandro Leal, um livro meu que será lançado na Bienal, em setembro. Acreditando na visibilidade do projeto e por ver a necessidade da representatividade da arte de nós, suburbanos, nasceu o “Beleza Suburbana”, um livro de crônicas minhas sobre beleza de forma geral focando nas relações entre seres humanos.

3 – Isaac no Mundo das Partículas, meu livro de física de partículas para criança ilustrado pelo gênio Sergio Ricciuto virou, antes de ser livro publicado, uma peça de teatro. Ele ganhou – dentre mais de sei lá quantos mil projetos – o patrocínio da Oi Futuro e, em janeiro, a peça estreia como um mega musical de rock para crianças, jovens e adultos. Contei para essa façanha com a ajuda de profissionais de peso na área: Joana Lebreiro e Camila Vidal. Isso fez com que eu, cansada de esperar, resolvesse também publicá-lo de forma independente e, em janeiro, “Isaac no Mundo das Partículas”, o livro, será lançado juntamente com a peça . Antes disso, também será vendido pela Amazon na versão e-book e impressa.

O que temos, então? Pasmem. Cinco livros sendo lançados esse semestre!

Várias pessoas já falaram que eu estou concorrendo comigo mesma, e perdendo dinheiro e preciso de um planejamento para tantos lançamentos. Paciência. Dinheiro não é a prioridade aqui.

Escritores normais lançam um livro por ano, ou a cada dois ou cinco anos e ficam trabalhando na publicidade dele. Eu não. Espero mais de 40 anos para publicar cinco livros em um só semestre.

Não estou pedindo ajuda para me organizar porque não há nem nunca houve planejamento na minha vida para nada e não vai ser agora que vou conseguir com essa ansiedade toda. É muito tempo chocando esses ovos aqui. Quando filho nasce, não dá para esperar meses e anos para mostrar para os amigos. Era para ter nascido somente dois. Vieram quíntuplos, não tenho culpa. E estou mega feliz!

Então, para os interessados, segue o que temos e teremos, em ordem de publicação:

1- História da Fisica na Sala de Aula – um livro fruto do meu mestrado onde narro várias histórias interessantes sobre a física que nunca ninguém havia me contado (Editora Livraria da Física). Está sendo vendido em várias livrarias onlines.

2 – Minha Vida é um Blog Aberto – vencedor do Prêmio Saraiva de Literatura na categoria crônicas. Vendido em várias editoras onlines e, por e-mail, você consegue o livro autografado (elikatakimoto@gmail.com).

3 – Tenso, logo escrito – um livro de crônicas mais introspectivas escritas mediante muito sofrimento e solidão. Acho, sinceramente, que ele está lindo. Está sendo vendido pela Amazon e por e-mail (elikatakimoto@gmail.com)

4 – Beleza Suburbana – livro de crônicas, como já dito, sobre a beleza da comunicação e das relações entre nós, seres humanos. A orelha desse livro foi escrita por uma pessoa que transpira talento e que tive a sorte e a honra de tê-lo como meu amigo este ano: Ricardo Garcia, vulgo Pipo da Cia de comédia Os Melhores do Mundo. Razei. Lançamento na Bienal no dia 03 de setembro.

5 – Como enlouquecer seu professor de física – a previsão é que a venda comece em setembro. Acho, sinceramente, esse livro uma obra-prima pois foi fruto de anos e anos de pesquisa de conteúdo e linguagem.

6 – Filhosofia – quer me ajudar a publicar esse e, de quebra, garantir seu exemplar? O livro é uma coletânea de crônicas mega divertidas com meus três filhos e mais algumas divagações minha sobre maternidade. Prefácio de nada menos que Xico Sá e orelha de Rita Lisauskas. Razei nessa, gente! Tá uma perolazinha.

https://www.kickante.com.br/cam…/filhosofia-o-livro-da-elika

7 – Isaac no Mundo das Partículas – em breve, disponível na Amazon. Lançamento, no Rio, em janeiro juntamente com a peça. Garanto que não tem nada que se equipare no mercado porque, antes de decidir escrevê-lo, fiz um curso de física de partículas lá no CERN, o maior laboratório de física do mundo, e pesquisei demais sobre o tema para as crianças. Achei tudo tão ruim, tão técnico e chato que resolvi fazer um para Yuki que amou, interagiu muito com a obra e chorou rios quando o livro terminou.

É isso, gente. Por enquanto. Estou escrevendo mais três aqui ao mesmo tempo fora outros que tenho para lançar já prontos.

Obrigada pelo apoio nessa empreitada a todos que me seguem e me acompanham por aqui.

Massagem Tântrica. Minha amiga fez.

Borboleta

Tenho uma amiga que fez massagem tântrica pela primeira vez e veio me contar os detalhes que, na medida do possível, vou narrar para vocês.

Há gerações de todas as épocas por aqui. Temos os últimos héteros do planeta, os avós do tempo da televisão preto e branco, a galera que jogou Atari, os que faziam piada homofóbica (mas que agora já sabem que isso não é legal), os que viveram a adolescência sem celular e viram o clipe We are the World várias vezes, as meninas que foram educadas para casarem virgens e casaram mesmo, a outra geração (a minha) que dava escondido dos pais, o povo do Goku e todos os LGBTs e os sem-gênero-poliamor-beijo-triplo.

Essa minha amiga é dessas que só recebem elogios agora com “ona” no final da palavra. Tá lindona! Gostosona! Bonitona! Que quarentona! Ou seja, do meu time que pulava elástico na hora do recreio.

Foi educada para casar virgem, sentar de pernas cruzadas, viu incessantemente filmes da Disney onde felicidade era ter macho rico, não podia falar palavrão, fez balé na infância, brincava de fazer comidinha e jamais foi estimulada a se masturbar na adolescência e, quando adulta, achava isso mega estranho quiçá engraçado. Ficou casada por muito tempo, abriu mão de uma série de coisas para cuidar da família e separou-se como eu há pouco e, na mesma vibe que a minha, está querendo se tatuar, rebolar até o chão, sair com médico cubano, fumar charuto de médico cubano e mais essas coisas super radicais para nós, as bobonas.

Arrumar namorado está tenso para ela. Eu não. Tô super deboa aqui. Mas ela tá péssima porque está se sentindo insegura já que o corpo tá todo mole, as muxiba pendurada, barrigão protuso essas coisas que só um cirurgião para dar jeito ou uma boa terapia que, mesmo fazendo por dez anos, jamais chegaria perto dessas empoderadas que posam lindamente de lingerie com o corpo todo convexo.

Nós não. Nós temos problemas. Quer dizer. Ela. A minha amiga. Eu não. Eu tô deboa aqui. Só observo. E sei que por mais feministas que todas sejamos, ter visto o primeiro elenco do Sítio do Pica Pau Amarelo tem lá seu peso em nossas vidas. Fomos muito castradas, colocaram-nos muitos medos, temos travas, traumas, vergonhas que nos imobilizam. Mas minha amiga hoje resolveu vencer uma barreira e, desde que eu garantisse o anonimato, deixou-me contar sua experiência.

A desculpa era que queria se conhecer melhor. Saber os limites do corpo. Mas isso é conversa para boi dormir de quem parte para uma massagem que termina nos genitais.

Quem narra, vale observar, sou eu. E antes que me venham com “noooossaaa olha ela com tanto preconceito”, já adianto que tudo aqui é pós conceito depois de tê-la ouvido. “Ah mas você não ouviu todos e não é bem assim.” Ok. Você está certo. Massagem tântrica faz sua alma levitar. Agora deixe-me contar minha história. Quer dizer, da minha amiga.

– E aí, amiga, foi legal? Eles fazem aquilo tudo mesmo? Você gostou? Gozou? É sexo? Qual a diferença? – perguntei curiosa.

– Miga, foi uma merda. A pior experiência da minha vida. Paguei quase quatrocentos reais e chorei como uma bezerra desmamada ao final.

– Não gozou?

– Cinco vezes. Mas foi triste. Muito triste. Nunca pensei que em um orgasmo coubesse tanta tristeza.

– Miga, foram cinco!

– De que adianta? Gozaria muito mais até! se ele continuasse com a mão ali daquele jeito. E é mega diferente. O corpo treme todo. Profundo o orgasmo. Impressionante. E as, chamemos assim, preliminares são uma delícia. Carinho no corpo todo de forma bem suave.

– Mas ele te penetrou?

– Que nada! Nem beijo esses massagistas dão! Só carinho mesmo com as mãos. Quase duas horas ali naquela situação deprimente.

– Mas cinco orgasmos em duas horas é uma puta depressão que taaí eu queria…

– Os orgasmos vieram ao final. Na última meia hora. Acho. E foram intensos. Acho que se colocasse uma lâmpada de 700W ali na minha buça na hora acendia.

– E por que ficou triste? Por que não comemorou?

– Porque paguei para mexerem em mim. Isso é terrível. É o cúmulo da solidão. Por que nenhum homem teve tanta paciência comigo antes? Por que todos não se preocuparam em arrancar de mim tudo isso? O massagista estava tranquilo. Como assim não ficou excitado? Quer coisa mais estimulante do que ver o parceiro em êxtase? Nunca chorei tanto na minha vida. Me vesti chorando e falando tudo isso que me vinha à cabeça. Deixei o cara lá cheirando incenso naquela meia luz com aquela música com fundo de água de cachoeira.

– Miga, se você queria sexo tinha que pagar um puto e não um massagista!

– E eu sou lá mulher de pagar prostituto? Deve vir cheio de super gonorreia.

– Mas o massagista é profissional. Deve fazer isso várias vezes por dia. Não dá para ter romance mesmo.

– Olha só. Vê se isso não é triste. Várias pessoas procurando profissionais para fazer isso com elas. Não podiam apresentar umas para as outras pelo menos? Mandar a gente fazer um cadastro para ver o parceiro ideal. Tipo Isso? Qual a dificuldade?

– Miga, é casa de massagem tântrica e não casa de swing! Vai em uma dessas então!

– E eu sou lá mulher de ir nesses lugares? Imagina a vergonha. Igual meu terapeuta.

– Igual como? Não entendi.

– Ele fica uma hora me ouvindo. A coisa mais linda de se ver. Beijar que é bom nada.

– Miga, esquece tudo isso. Faça igual a mim. Desiste. Vai andar de skate.

– Tem professor?

– Tem. Ótimo. Em uma aula você já consegue andar.

– Bonito?

– Larga mão que vi primeiro.

Rimos muito.

Depois choramos.

Não narrei aqui como foi para ela estranho ter que se deitar totalmente nua em um colchonete com o cara sentado esperando. Ela não tinha mãos para esconder o que considera ser tão feio nela e esperava que, ao menos, ele a ajudasse a se despir. E cheirasse seu cabelo. No mais, ela me falou que tinha imagens de Buda na parede, um tal de Osho, elefantes vestidos, Jesus que é bom nada. Palavras dela. Não minhas. Dela.

– Miga, eu te entendo. Sei que essa vontade de amar e ser amada grita em nós que vimos Lagoa Azul várias vezes nas sessões da tarde. Mas, sei lá. Parece tão inútil nos esforçarmos… e depois, tem o outro lado: nada fazemos e o amor se rende aos nossos pés e o dispensamos.

Os sentimentos são uma caixinha de surpresas. Nunca surgem de uma caridade mendigada ou uma compaixão. Quase sempre amamos a quem nos ama de forma estranha e desprezamos quem melhor nos quer.

Assim, percebi por tanto sofrer, quando tivermos feito tudo para conseguir um amor, e falhado, resta-nos um só caminho: o de aprender alguma coisa – não com a experiência porque ela não vai nos servir de nada para as próximas. Quiçá atrapalhe porque nos enche de medos, traumas e preconceitos. Digo aprender algo para nós a ponto de mudarmos e ocuparmos a nossa cabeça. Por isso vivo estudando, lendo, escrevendo. Só por causa da sofrência. Tem nada a ver com vontade de conhecer não. É necessidade de não pensar no mozão. Com o mozão perto quero ler é nada.

– Mas você vive pensando nessas coisas também, Elika. Nem vem. Outro dia foi no acampamento do MST e com tanta coisa para perguntar a primeira pergunta foi onde e como eles faziam sexo.

– Mas não tinha paredes! Miga, abafa essa história. Foco aqui. Outro dia, estava entrando em um túnel e vi uma borboleta grande, amarela, toda imponente voando atordoada para dentro daquela escuridão. Fiquei olhando para o retrovisor até onde consegui acompanhar. Não sei se ela saiu. Fiquei agoniada. De que adiantou tanta libertação e transformação quando rasgou o casulo se foi para ficar eternamente procurando sair de um lugar tenebroso? Antes continuasse com aquela vida de lagarta comendo folha. Se virou borboleta, miga, não entre nesse túnel de achar que a vida é só amar e ser amado. O amor, dizem os mais novos, é uma construção social. A gente aprendeu a romantizar isso de um homem, uma mulher e paixão intensa. Mas, pelo que me contam há felicidade em outras formas de se relacionar.

– Você já fez algo diferente? Você sai por aí se aventurando?

– Não. Tô esperando meu Mozão que nunca tem tempo para mim e que mal fala comigo vir me ver. Mora em Brasília ele. Diz que me ama loucamente. É um lindo, estou super apaixonada. Outro dia…

E assim ficamos horas conversando sem sequer concluir nada. Há pessoas que acham que o amor só vive pelo sofrimento e cessa com a felicidade. Porque o amor feliz, dizem, é a perfeição dos mais belos sonhos, e tudo que é perfeito é o fim. Ou seja, a alegria pode estar na luta, na tentativa, nas dores envolvidas e não na vitória propriamente dita. Fico lendo essas bobagens e tentando me convencer também de alguma coisa para acalmar meu coração…

Pelo sim pelo não, peguei a referência do massagista. Mas nunca fui em nenhum não. Só a minha amiga. Eu tô deboa aqui. Só contando o que ouvi.

Você decide.

cabeca_buraco_w

Tenho algo aqui para vocês.

Fernando havia recebido o resultado dos exames. Estava com câncer avançado no pulmão.

Voltou para casa decidido a não contar nada para a esposa, para os filhos e para a amante. Sua consciência pesava por não ter vivido como queria e por ter postergado tanto a felicidade. Ficara muito tempo em rede social, não fez os cursos que planejou, não viajou com os filhos para mudar de casa, brigou com amigos por causa do Aécio e não experimentou um ménage que tanto sonhara. E agora? O que fazer?

Resolveu ligar para um amigo e lamentar-se de suas escolhas – mal sabendo que o livre arbítrio é uma grande ilusão segundo muitos estudados no assunto.

Caio o atendeu em sua casa. Depois de tudo explicado e muitas lágrimas roladas, Fernando confessou que esperava um milagre.

– Cara, eu fiz uma promessa assim que saí daquela maldita clínica. Se essa porra sumir de mim, eu paro de beber e termino com a Dri.

Dri era a amante.

Caio ficou como os que ficam tanto tempo pensando em uma jogada de xadrez que não lembrava mais sequer de quem era a vez. Não sabia se falava algo ou continuava ouvindo. Na dúvida, não disse nada:

– Vai dar tudo certo, Fernando.

Enquanto Fernando fumava olhando ansioso e triste para o zero, seu celular tocou. Era seu médico chamando.

– Alô, Fernando. Doutor Maurício aqui. É para dizer que houve um grande engano. A minha secretária trocou os envelopes. Seu exame está em minhas mãos. Você não tem nada. Por favor, traga esses que estão com você para eu fazer a troca. Me desculpe por isso. Quando chegar aqui eu te explico melhor e deixo você me xingar à vontade. Foi um grande erro. Mil perdões.

Fernando desligou.

Estava atônito.

– Isso foi um milagre? Devo cumprir a promessa, Caio?

Caio estava como os que acabaram de perder os direitos trabalhistas em 2017.

– Eu não sei, Fernando, o que isso significa. Não estou conseguindo pensar. Acho que temos que comemorar! Você não tem câncer e vai viver muito!

– Comemorar sem beber? Viver sem a Dri? Caio, isso foi ou não um milagre? Preciso saber!

– Cara, vamos pensar. – ponderou o amigo. – Seria se você estivesse com câncer e fosse curado. Você não tem nada. Foi um erro gigantesco do seu médico! Isso sim!

– Mas será que se eu beber e continuar com a Dri eu posso ser castigado?

Nunca na vida Fernando teve tanta dúvida sobre como agir.

Caio pensou muito.

– O negócio é ver se o verdadeiro doente se cura então, Fernando.

É mesmo. Havia uma pessoa que ia morrer e eles ali felizes. Diabo de gente pequena que nós somos…

– Doutor Maurício, sou eu Fernando. Como é o paciente que está com câncer? Ele é casado? Tem filhos?

– É um senhor de quase 90 anos e viúvo.

Pronto. Bateu desespero. Uma pessoa dessa idade não iria ter força para lutar contra essa doença e não haveria necessidade de um milagre.

Fernando, por medo, acabou entregando tudo o que mais lhe dava alegria – a cerveja com os amigos e o tesão com a amante – em troca de uma vida insossa com uma mulher que não mais amava que só não havia antes se separado por conta dos filhos que já estavam grandes agora.

Que sentido daria a sua vida depois dessa?

Nesse momento, galera, eu me sinto Deus. Criei um personagem e posso dar a ele o destino que eu quiser e ainda por cima, criar uma moral para essa história toda que inventei sentada da minha poltrona recém comprada. Mas não. Vou dar a Fernando três finais para vocês escolherem e que lhe dirão muito sobre o que vocês são.

Final 1:

Fernando considerou seriamente esse sinal do além. Cumpriria a promessa porque com santo não se brinca. Chegaria em casa, proporia um ménage com Rita que aceitaria de pronto. Se inscreveria em corridas de rua e partiria imediatamente com toda a família para conhecerem o Nordeste dando graças a deus por ter lhe dado uma nova chance e reconhecer a tempo o quanto estava no caminho errado. Pensaria em Dri todas as noites e nunca mais sobrou dinheiro para ele e a família conhecerem outro lugar.

Final 2:

Fernando poderia se tocar que sempre foi ateu e que foi tudo uma força de expressão. Que não existem santos e a sua promessa foi apenas retórica. Saiu para beber com seu amigo Caio, propôs o Ménage à Rita que recusou ofendida e teve com a Dri o melhor dos gozos. Passou a ir com os filhos ao cinema. Por vias das dúvidas, começou a fazer exercícios físicos e cortou a carne vermelha durante a semana, ao menos. Sua esposa exalava infelicidade.

Final 3:

Fernando sem ter ideia sobre o que fazer, sem conseguir se decidir se aquilo foi ou não um milagre já que era ateu mas sabe Deus como é isso de não acreditar em nada, voltou para casa andando para pensar. Distraído com seus pensamentos, Fernando não viu que o sinal estava aberto. Foi atropelado. Não morreu. Ficou paraplégico. Fernando fez a mesma promessa caso voltasse a andar.

Não há outro final além desses três para Fernando. O destino dele está agora com vocês.

Pipo

FB_IMG_1496459580251

Não há como usar sujeito verbo predicado e vírgula porque a gramática não dá conta. Poesia é coisa que requer lua primavera e talento e nada disso se presencia aqui nas tangentes…

Aprendi com o Riobaldo da Diadorim que se falar tudo errado sem rima nem métrica diremos coisas sem pé nem cabeça, mas sentimento é assim mesmo a la Picasso. A gente vai falando ao ritmo de sístole e diástole e os outros vão enxergando o que a alma permite.

Turbuliu tudo no repente de um minuto em que pisquei e fiquei piscada no beijo de Pipo que fez o coração virar fogo – depois de ter sido cinzas.

Ouvido meu gargalhava entretanto. A voz dele não se ouvia enquanto só imaginava o ele tão possível de encostar minha boca as infinitas mais vezes – jamais nunca mais! – sempre para sempre.

Perdi meu bom dormir porque para sonhar é preciso consciência e ficar espairecendo de contentamento virou vício sem consentimento. A mente não mais transladava. Adivinhava coisas por rotacionar em duvidações de quem suspeitava entender não por que se morre mas por que se nasce.

Como é que a alma dá conta de esquecer de tantos reveillons em pleno abril maio junho? O amor é medonho demais? Tem.

Dor que vem quando não se encosta nas ideias.

Mareja tudo.

Pipo não é mais gente e sim sentimento de vontade quando não se vê. Vira susto de grito no meio da escuridão. Existia falta de luz nenhuma, é verdade. Mas não há amortecedor para os trancos da saudade. Mora longe ele de mim.

Todos querendo emprego, sucesso, casamento, saúde, chuva e eu desejando entrar com força no furacão dos hormônimos da dopamina, ocitocina, endorfina me ensina a lidar com essa química por favor.

Religião só uma não dá conta, nenhuma muito menos. Pior que ando órfã de mão de bença para, da platéia, lotada, eu dar um sopro, fazer a cortina se abrir e o ator desfigurinado (Pipo é ator. Ele) falar somente para mim um texto decorado de flor miudinha dessas que só tem na cabeça de quem está louco – para os demais.

Os demais. Os julgadores de nós.

Aqueles que não sentem ou não se sentam grudados no maior amor. E nunca deitam e rolam.

Também. Como  explicar o poder disso que se surge criado gigante destamanho?! E tudo que nasce não é porque já zigoto um dia?

Loucura é achar que a vida é pra ser meio morta.

Pipo não é pessoa para quem o ama. Ele é um lugar. Tipo sombra fresca. Biblioteca. Sorveteira.

Pudim.

Amor que amei e, como Riobaldo, só então acreditei.

Que venham os tombos

Screenshot_20170710-074805

Não estava dando conta desse turbilhão de sentimentos que me persegue e me assusta. Acreditava que ao menos a mim mesma conhecia. Ledo engano.

Se colocados em situações distintas, ficaremos surpresos com o que conseguimos ou não fazer. É impressionante a nossa ignorância sobre o universo formado pelo nosso corpo.

Quem acredita que entende bem sobre si é aquele que vive todos os dias iguais. Aí não há mesmo como se testar e há muito para se iludir. Seja em um assalto, seja ao ter que lidar com a morte de um ente querido, com uma separação, ao conhecer um ídolo, diante de um novo amor não há como não ficarmos surpresos com a nossa força ou as nossas fraquezas.

Padeci essa semana. O corpo não deu conta de tanta adrenalina. Tive que lidar com o nascimento de um novo filho (Tenso, logo escrito), com a chegada da mesa redonda que dividi com dois gigantes da educação (Rafael Parente e Thiago Berto), fora a coordenação de física do cefet, meus estudos de novas metodologias para aplicar em minhas aulas e a responsabilidade com meus três filhos. Como se tudo isso não fosse o bastante, eu estava assustada com o que me vi prestes a fazer diante de uma grande saudade. Não estava sabendo frear os meus impulsos.

Foi muito para mim. O corpo reclamou.

A despeito de três horas de pilates que fiz essa semana mais dez quilômetros devidamente corridos, da minha excelente alimentação e as inúmeras tentativas de meditação, arrumei um torcicolo que assusta os que mexem no meu pescoço. Lateja. Virou pedra meu músculo. Não há massagem, analgésico, reza que dê conta.

Preciso parar de pensar, pensei.

Preciso parar de escrever, escrevi.

Preciso parar de inventar, criei.

Preciso parar de amar, chorei.

Dá a impressão que há, de fato, Alguém lá em cima fazendo algo mesmo sem eu pedir.

No meio da semana, recebi um convite para aprender a andar de skate. Era nada menos do que um puta profissional do ramo me estendendo a mão sem saber que eu, naquele momento, estava precisando de um guindaste para me tirar do poço.

Hoje foi minha primeira aula. Chegamos lá eu e meu pescoço com essa textura de chumbo. Em poucos minutos, Alex, o teacher, ficou sabendo de todos os meus problemas já que eu sou dessas de contar tudo que me aflige para quem quiser ouvir. Após escutar detalhes sobre minha vida com atenção e tentar me relaxar com uma massagem na qual detectou que eu era um caso grave e só um especialista na causa, começamos a aula.

Primeiro, precisava trabalhar o meu equilíbrio. Fiquei apoiada em um pé com o corpo inclinado durante muito tempo. Era só uma questão de concentração. Nada mais do que isso. Mole.

Depois de muito exercício no chão, fomos para a plataforma móvel. Sentei-me para colocar todo o equipamento de segurança.  Alex colocou o capacete para proteger minha cabeça, cotoveleira para não machucar meus cotovelos e joelheiras para poupar meus joelhos.

– Pronto. Disse ele.

– E no meu coração? Nada? E se eu me estabacar toda? O que vai me proteger? Preciso de algo, por favor. Tem nada aí para ele não? perguntei desesperada.

Alex apenas estendeu, agora literalmente, sua mão para eu me levantar.

Antes de qualquer coisa, aprendi a cair. Joguei-me no chão de propósito de formas diferentes.

– Sobe agora no skate. Lembra de tudo o que acabou de aprender. Coloque o peso no pé direito. O pé esquerdo tem que encostar todo no chão. Quando um subir, o outro vira sem que você o desencoste. Os dois pés têm que fazer 90 graus com o skate. Solte os ombros. Eles precisam se movimentar para te ajudar. Relaxe o corpo. Flexione os joelhos. A força tem que estar no seu dedão. Se for cair, aquilo que você aprendeu. Jogue o corpo para a frente. Proteja o cóccix. Levante o braço esquerdo inicialmente para te ajudar no equilíbrio. Vai. Comece assim…

Precisei me concentrar muito para não me esquecer de nada.

Incrivelmente, saí de lá depois que cansei de tanto brincar. Surpreendi positivamente o professor que não parou de me elogiar e dizer que, em breve, farei passinhos de dança no longboard.

Nunca na vida pensei que fosse me equilibrar com tanta facilidade em um skate. Sempre achei que essa brincadeira era algo que ou se aprende quando criança ou quando criança. Depois que crescemos e acumulamos traumas e medos, certas aventuras nos são vetadas. Assim acreditava.

Meu centro de massa não saiu da base em nenhum momento. Todos os comandos que eu mandava da minha cabeça, meu corpo respondia. Concentração máxima. Preciso desviar do buraco, pés, me ajudem. Olhe para a frente. Volte. Jogue o corpo para trás para fazer a curva. Isso.

Estava muito insegura, é claro, mas conseguia manter o equilíbrio ainda que bem instável. E mesmo sabendo que quanto maior a velocidade, pior seria o tombo, não resisti. Mal consegui ficar em pé no skate, só queria saber de dar mais impulsos e assim o fiz. Se caísse e quebrasse um osso, estava valendo a pena dado o prazer que estava sentindo.

Não adianta. A dor está iminente no deleite. Não há grandes felicidades sem perigos na mesma proporção. O maior risco, concluí depois da aula de hoje, não é aquele que não posso correr e sim o que não posso deixar de correr.

Cá estou depois desse aprendizado. Animada com o medo de me machucar.

Feliz por ser tão desequilibrada.

Mãe, pinta minhas unhas de vermelho?

13700019_1253226501354437_6978679567090359760_n

Yuki , meu caçula de dez anos, anteontem estava me rondando pela casa:

– Mãe, pinta as minhas unhas da minha mão direita de vermelho?

– Vamos lá. – disse prontamente.

Peguei meu esmalte e fiz o serviço pedido. Mas queria pintar as unhas da outra mão também por costume meu.

– Não, mãe. Só quero uma mão mesmo.

– Está se sentindo bem assim?

– Ótimo, mãe. Obrigado.

– Vai para a escola assim amanhã?

– Vou.

– Então se prepara porque o mundo é um moinho. Seus amigos e até professores podem questionar essas unhas, te chamar de viado, bichinha, essas coisas que não deveriam ser xingamento mas as pessoas insistem em tentar ofender com elas.

– Tô ligado. Pode deixar.

Ontem. Assim que peguei Yuki na escola, perguntei:

– E então. Como foi hoje você e suas unhas?

– Mãe, foi muuuuuito pior do que você falou e eu imaginei. – disse ele com o semblante assustado – As pessoas estavam querendo mesmo que eu me envergonhasse das unhas. Viado foi pouco. Os garotos me chamaram de tudo o que você possa imaginar e tentaram me ofender de todas as formas.

– Você falou o quê?

– Eu não disse nada. Não estou nem aí. Isso aqui não tem nada a ver com a minha sexualidade. Teve muita gente querendo saber se eu era gay e eu nem sabia o que responder porque não sei mesmo o que vou ser. Mas o que me deixou assustado foi a curiosidade das pessoas e a importância que elas dão para isso. Você é minha mãe! Não me perguntou uma única vez por que eu queria pintar minhas unhas de vermelho! Por que outras querem saber se sou gay ou não?!

– Mas você sabia que chamaria a atenção. Se não quisesse, não pintaria as unhas. Por isso te avisei.

– Mãe, é claro que queria. Acho super estiloso isso. Vi em um YouTuber que sou fã. O (esqueci o nome do cara) faz vídeos irados! E ele pinta uma mão só de vermelho. Foi uma homenagem a ele.

– E ele é gay?

– Até você, mãe? O que isso importa! Sei lá. Sei que é maneiro e quis fazer igual. Tô me sentindo mega estiloso como ele.

– Entendi. Perguntei só para entender por que você o admira. Explicou para seus amigos?

– Eu não! Eles viram que não me importei e
passaram a encher o saco de outro.

Meodeos. Criei um monstro.

Todos educam. A escola também.

coisateched_1160x350

Se tem uma coisa que me tira do sério é ouvir professor dizendo “A família educa. A escola ensina.”

Primeiramente (fora, Temer), o que esse professor entende por “ensinar”?

Se for o ato de passar informações para que o aluno faça aquela prova que ele aplica há anos, saiba que suas aulas, professor, estão – em bem melhor qualidade – disponíveis em vários canais do Youtube. No mais, informação por informação temos hoje o que quisermos na web. Como, professor-que-não-educa-e-só-ensina, você justifica para o seu aluno a necessidade de assistir as suas aulas? Se não fossem obrigados, quantos estariam presentes?

Mas, se “ensinar” significar, a la Paulo Freire, criar as possibilidades para a produção ou a construção de um conhecimento, então, isso é Educar. E vale dizer que todos nós nos educamos diariamente. Somos educados quando vemos uma pessoa fazendo uma caridade, quando sentimos o valor de uma abraço, quando observamos uma criança dividindo a merenda com a outra, quando vemos uma inclusão social…, enfim, mediatizados pelo mundo, somos educados e educadores sempre.

O papel do professor, o sujeito que, por essência, trabalha com Educação, não pode ser somente em transmitir conteúdos, mas também – e principalmente – de ensinar a pensar, a refletir, a questionar, de estimular a curiosidade. E isso tem a ver com modificar um ser humano. Não falo aqui de colocar ou tirar valores religiosos nos alunos, mas de fazer com que o aluno pense sobre eles. E que maravilhoso ver um aluno sempre pensando a respeito de seja lá o que for, não é verdade?

Se quiser que a escola continue ensinando os valores religiosos da família, há escolas para isso, as particulares. As escolas públicas não devem ter isso como compromisso por ser laica.

E não vou cair aqui na hipocrisia de dizer que a escola é neutra. Ser laica é uma coisa, neutra é outra. Ou se educa para o silêncio, para a submissão, para a obediência cega ou se educa para entender como funciona essa grande máquina chamada mercado de trabalho. E ambas as formas de educar são políticas. A primeira forma cidadãos-zumbis que acreditam que o mundo é assim, nada mais pode ser feito e só lhes resta ser mais uma peça substituível nesse sistema. A outra…

Então, o ponto todo é explicitar o porquê e o para quê somente “ensinar”. Vocês, professores-que-tem-aversão-ao-ato-de-educar, trabalham para quem? A favor de quem? Vocês estabelecem uma relação dialógica com o saber, buscando uma sociedade democrática ou reproduzem a lógica do sistema no interior das escolas através de exclusões, de estímulo à individualidade e à competitividade?

Em que medida um professor que tenha opinião formada sobre os assuntos mais emergentes e que está disposto a dialogar com seus alunos, a problematizar qualquer saber pode ser acusado de um inculcador ideológico? Quando o professor nada discute com seu aluno, o que ele está lhe ensinando?

Reclamar que o mundo está ruim, que o ser humano está acabando com o planeta, se queixar de violência urbana e não mostrar, dentro de sala de aula (ou fora dela) sempre que possível, os diversos conflitos, pelo contrário, fingir que eles não existem é agir politicamente no sentido de contribuir de forma descarada para que o mecanismo de opressão continue.

Pergunto a esses que reproduzem a frase-mantra do projeto Escola sem Partido (“A família educa. A escola ensina“):

– A quem interessa você, professor, usar essa frase como guia de conduta?
– Por que não lhe encorajam a ser um verdadeiro educador?
– Você repete um modelo de aula. Por quem e para quê esse modelo foi criado?
– Quando os alunos te obedecem e assistem sua aula em silêncio, o que eles estão aprendendo com isso?
– Em que medida desobedecer é ruim?

Pensemos.

A desobediência como divergência é um ato mega transformador, pois só crescemos no embate. Ao ser capaz de dizer não às imposições do sistema, educandos, educandas e educadores reafirmam o seu eu.

Só não aceitamos as mazelas do mundo quando desenvolvemos uma consciência crítica que nos possibilita desobedecer – no sentido de poder provocar mudanças substanciais e não aceitar as injustiças apaticamente.

O que se espera de uma escola que separa os capazes dos incapazes, que não dá espaço ao mínimo questionamento e quando um estudante o faz é considerado como subversivo? Em que medida isso também não é uma atitude política?

Ou educa a favor dos privilégios ou contra eles, ou a favor das classes oprimidas ou contra elas. Ou para falar ou para ficar calado. Aquele que se diz neutro, que apenas “ensina” serve apenas aos interesses do mais forte. Não se iluda, portanto, prezado colega.

Ao professor que se recusa a ser uma marionete desse sistema e se nega a repetir frases ditadoras escritas no Projeto escola “sem partido”, cabe a tarefa árdua e instigante de criar condições para que uma educação democrática seja possível, no sentido de gerar um cidadão solidário, preocupado em superar o individualismo criado pela exploração do trabalho.

Essa tarefa de uma educação pelo coletivo não virá em forma de lei e nem precisa já que os nossos documentos oficiais nos dão total liberdade para isso. Uma escola que gera seres que sabem questionar e não apenas responder já está sendo pensada e trabalhada há anos por muitos educadores que se educam mutuamente e diariamente, vale frisar.

Não é sem motivo que surgiu o projeto “Escola com mordaça” que faz, dentre outras coisas, os professores (frutos desse sistema que não ensina a refletir sequer sobre nossa prática) repetirem a frase que faria Paulo Freire se remexer todo no túmulo: “A família educa. A escola ensina“.

Pelamor, gente.

Que tal outra: “Todos educam. A escola também.”?

“Foi só uma piada.”

wpid-wp-1436440443307.jpg

Sou deficiente auditiva. Uso próteses há cinco anos, quer dizer, tenho próteses e uso quando é extremamente necessário. Meus alunos sabem disso e quando perguntam algo já impostam melhor a voz para que eu possa ouvir. Entrar em uma sala de aula com próteses é ter um helicóptero morando na cabeça. Quando todos falam, situação estimulada até em minhas aulas pelos debates que proponho, com meus ouvidos artificiais, entro em desespero.

Quem convive comigo já sabe que não adianta falar de costas, cochichando ou baixinho… preciso da leitura labial se estou sem as próteses. Não é necessário gritar. Aliás, quando gritam para que eu entenda, além de vergonha sinto uma tristeza profunda. Eu não tenho culpa em ter um problema degenerativo onde não há nada que se possa fazer para revertê-lo. Queria eu ter meus ouvidos naturais de volta porque as próteses passam longe de ter o mesmo efeito. Tudo fica microfonado e esquisito. E olha que as minhas são bem moderninhas.

Não é sem motivo que o deficiente auditivo é, de todos os deficientes, o que mais sofre de depressão. O convívio passa a ficar cada vez mais difícil porque ele irrita o interlocutor quando pede para repetir uma fala. Sabendo disso, ou finge que ouve ou se isola mesmo – o que é mais comum.

Piadas fazem parte do meu dia a dia. Até mesmo entre “amigos” já presenciei muita gente rindo de mim. Com esses, não convivo mais e não deve ser por outro motivo que tenho preferido ficar entre meus livros.

Pois então, ontem fui a um show de comédia. Comprei ingressos com meses de antecedência. Fã do grupo de carteirinha. Saí de Madureira para Copacabana num frio que deus me livre. Feliz por saber que ia rir e me distrair.

Mal o primeiro integrante do grupo entra no palco, piada sobre qual tema que ouço com as minhas próteses? De deficientes auditivos.

A plateia toda se esbaldou de dar risada. Eu olhava para os lados, para trás, para a frente sem acreditar que estavam rindo de algo que é o meu inferno e que causa a depressão e o isolamento de N pessoas. E não pensem que são somente os idosos. A deficiência auditiva é muito comum entre jovens também. Poucos são os que assumem por vergonha. Raros os que usam próteses porque é caro essa meleca.

Daí, pensei em escrever. Mas escrever o quê? Pedir para não fazerem mais piadas com deficientes só porque eu fui a única que fiquei arrasada naquela plateia lotada e quis sair correndo dali?

Fiquei, para variar, a refletir.

Piadas preconceituosas contra negros, mulheres, gays são engraçadas? Eu já ri de muitas delas. Hoje, não consigo. Me ofendo. Reclamo. Sou a chata integrante da patrulha do politicamente correto.

O que é ser engraçado e o que é ser um humorista, afinal? Por que piadas que diminuem o outro provocam o riso? Quem ri é cúmplice? O humorista apenas expressa os valores presentes na sociedade? O comediante deve dialogar necessariamente com o preconceito? Há formas de fazer isso chamando a plateia para refletir sobre o quanto o preconceito é nocivo e não reforçando estereótipos? E, se já sabendo de antemão que preconceitos e estereótipos estão presentes no perfil da plateia, falar o que a maioria quer ouvir isenta o humorista de responsabilidade social já que a graça está na cabeça de quem ri?

Não se trata de proibir nenhum tema. A questão é a forma que assume o discurso. O comediante não é neutro, ele precisa saber de que lado está. As piadas podem, inclusive, levar a pensar sobre as minorias, o racismo, o sexismo, as nossas deficiências… Ou não?

O humor pode ser usado para resgatar uma pessoa da dor ou da repressão ou só funciona se ofender?

Seria eu a patrulha e estou me esquecendo que há liberdade de expressão? Mas liberdade de expressão não significa eu poder reclamar de uma piada que considerei ofensiva? Ou liberdade de expressão significa ofender quem quiser e não poder ser criticado por isso?

Sou contra qualquer lei que regule o discurso e o pensamento. Mas entendo que liberdade de expressão dá a cada cidadão o direito de falar o que quiser, mas também o dever de responder por suas atitudes. E grazadeus que essa tal liberdade existe porque é através dela que identifico os verdadeiros idiotas em nossa sociedade.

Longe de ser o caso do grupo de comédia que fui ver ontem. Ao longo do espetáculo, outras piadas surgiram. Nada que se assemelhasse a malfadada sobre deficientes auditivos. Amém. Piadas muito mais criativas e inteligentes que em nada remetiam a nenhum tipo de preconceito, diga-se de passagem, foram o forte da noite. O saldo foi positivo.

Fico só me perguntando se pelo fato de eu ter sido a única a ter ficado arrasada quando ouvi a tal “piada” logo de início, tudo isso que falei pode ser enquadrado no famoso mimimi e devo aceitar o velho argumento: “foi só uma brincadeira”.

(Mas brincadeira não é quando todos se divertem? Se um se sente ofendido ainda assim é brincadeira? Não teria outro nome nesse caso?)

Ou… se eu falando o quanto sofri e o quanto são nocivas para mim essas piadas, isso pode ajudar a outras pessoas a refletirem sobre a graça de proposições que zombam de uma deficiência e, quem sabe, entender que falar em inclusão perpassa toda essa discussão.

Sei lá. Apenas pensando aqui…