Você decide.

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Tenho algo aqui para vocês.

Fernando havia recebido o resultado dos exames. Estava com câncer avançado no pulmão.

Voltou para casa decidido a não contar nada para a esposa, para os filhos e para a amante. Sua consciência pesava por não ter vivido como queria e por ter postergado tanto a felicidade. Ficara muito tempo em rede social, não fez os cursos que planejou, não viajou com os filhos para mudar de casa, brigou com amigos por causa do Aécio e não experimentou um ménage que tanto sonhara. E agora? O que fazer?

Resolveu ligar para um amigo e lamentar-se de suas escolhas – mal sabendo que o livre arbítrio é uma grande ilusão segundo muitos estudados no assunto.

Caio o atendeu em sua casa. Depois de tudo explicado e muitas lágrimas roladas, Fernando confessou que esperava um milagre.

– Cara, eu fiz uma promessa assim que saí daquela maldita clínica. Se essa porra sumir de mim, eu paro de beber e termino com a Dri.

Dri era a amante.

Caio ficou como os que ficam tanto tempo pensando em uma jogada de xadrez que não lembrava mais sequer de quem era a vez. Não sabia se falava algo ou continuava ouvindo. Na dúvida, não disse nada:

– Vai dar tudo certo, Fernando.

Enquanto Fernando fumava olhando ansioso e triste para o zero, seu celular tocou. Era seu médico chamando.

– Alô, Fernando. Doutor Maurício aqui. É para dizer que houve um grande engano. A minha secretária trocou os envelopes. Seu exame está em minhas mãos. Você não tem nada. Por favor, traga esses que estão com você para eu fazer a troca. Me desculpe por isso. Quando chegar aqui eu te explico melhor e deixo você me xingar à vontade. Foi um grande erro. Mil perdões.

Fernando desligou.

Estava atônito.

– Isso foi um milagre? Devo cumprir a promessa, Caio?

Caio estava como os que acabaram de perder os direitos trabalhistas em 2017.

– Eu não sei, Fernando, o que isso significa. Não estou conseguindo pensar. Acho que temos que comemorar! Você não tem câncer e vai viver muito!

– Comemorar sem beber? Viver sem a Dri? Caio, isso foi ou não um milagre? Preciso saber!

– Cara, vamos pensar. – ponderou o amigo. – Seria se você estivesse com câncer e fosse curado. Você não tem nada. Foi um erro gigantesco do seu médico! Isso sim!

– Mas será que se eu beber e continuar com a Dri eu posso ser castigado?

Nunca na vida Fernando teve tanta dúvida sobre como agir.

Caio pensou muito.

– O negócio é ver se o verdadeiro doente se cura então, Fernando.

É mesmo. Havia uma pessoa que ia morrer e eles ali felizes. Diabo de gente pequena que nós somos…

– Doutor Maurício, sou eu Fernando. Como é o paciente que está com câncer? Ele é casado? Tem filhos?

– É um senhor de quase 90 anos e viúvo.

Pronto. Bateu desespero. Uma pessoa dessa idade não iria ter força para lutar contra essa doença e não haveria necessidade de um milagre.

Fernando, por medo, acabou entregando tudo o que mais lhe dava alegria – a cerveja com os amigos e o tesão com a amante – em troca de uma vida insossa com uma mulher que não mais amava que só não havia antes se separado por conta dos filhos que já estavam grandes agora.

Que sentido daria a sua vida depois dessa?

Nesse momento, galera, eu me sinto Deus. Criei um personagem e posso dar a ele o destino que eu quiser e ainda por cima, criar uma moral para essa história toda que inventei sentada da minha poltrona recém comprada. Mas não. Vou dar a Fernando três finais para vocês escolherem e que lhe dirão muito sobre o que vocês são.

Final 1:

Fernando considerou seriamente esse sinal do além. Cumpriria a promessa porque com santo não se brinca. Chegaria em casa, proporia um ménage com Rita que aceitaria de pronto. Se inscreveria em corridas de rua e partiria imediatamente com toda a família para conhecerem o Nordeste dando graças a deus por ter lhe dado uma nova chance e reconhecer a tempo o quanto estava no caminho errado. Pensaria em Dri todas as noites e nunca mais sobrou dinheiro para ele e a família conhecerem outro lugar.

Final 2:

Fernando poderia se tocar que sempre foi ateu e que foi tudo uma força de expressão. Que não existem santos e a sua promessa foi apenas retórica. Saiu para beber com seu amigo Caio, propôs o Ménage à Rita que recusou ofendida e teve com a Dri o melhor dos gozos. Passou a ir com os filhos ao cinema. Por vias das dúvidas, começou a fazer exercícios físicos e cortou a carne vermelha durante a semana, ao menos. Sua esposa exalava infelicidade.

Final 3:

Fernando sem ter ideia sobre o que fazer, sem conseguir se decidir se aquilo foi ou não um milagre já que era ateu mas sabe Deus como é isso de não acreditar em nada, voltou para casa andando para pensar. Distraído com seus pensamentos, Fernando não viu que o sinal estava aberto. Foi atropelado. Não morreu. Ficou paraplégico. Fernando fez a mesma promessa caso voltasse a andar.

Não há outro final além desses três para Fernando. O destino dele está agora com vocês.

6 comentários em “Você decide.

  1. Embora fosse ateu, Fernando lembrou daquela famosa frase de Skakespeare: “Há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia” . Percebeu que seu casamento estava sem graça, porque também nunca dialogou de forma clara com Rita sobre como se sentiam no casamento e nem tentou nada para melhorar de fato a relação. Passou a conversar e passear mais com os filhos e a esposa, o que foi muito bom para toda família. Percebeu então, que ele já tinha tudo para se sentir feliz , e ele mesmo não notava o que tinha bem ali na sua frente , no seu lar, totalmente ao seu alcance.
    Concluiu que o tesão que sentia pela Dri, tinha gosto de aventura, de proibido , que o fazia se sentir um transgressor liberto de tudo que lhe parecia convencional. Mas como seria viver com a Dri os mesmos problemas pelos quais passou em seu casamento? Como seria se as dificuldades financeiras , o mal humor , o estresse do cotidiano, batesse à porta deste romance?
    E foi pensando em tudo e todos que amava, que decidiu evoluir em todos os sentidos, e viver a vida com real intensidade. Sentiu que estava recomeçando, trilhando o mesmo caminho mas com uma visão totalmente nova , e se nada desse certo poderia recomeçar de novo, só que agora estava muito mais confiante em si mesmo, e de que tudo daria certo.
    Será mesmo que bem lá fundo deste coração ateu, não exista o amor de Deus?

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