Massagem Tântrica. Minha amiga fez.

Borboleta

Tenho uma amiga que fez massagem tântrica pela primeira vez e veio me contar os detalhes que, na medida do possível, vou narrar para vocês.

Há gerações de todas as épocas por aqui. Temos os últimos héteros do planeta, os avós do tempo da televisão preto e branco, a galera que jogou Atari, os que faziam piada homofóbica (mas que agora já sabem que isso não é legal), os que viveram a adolescência sem celular e viram o clipe We are the World várias vezes, as meninas que foram educadas para casarem virgens e casaram mesmo, a outra geração (a minha) que dava escondido dos pais, o povo do Goku e todos os LGBTs e os sem-gênero-poliamor-beijo-triplo.

Essa minha amiga é dessas que só recebem elogios agora com “ona” no final da palavra. Tá lindona! Gostosona! Bonitona! Que quarentona! Ou seja, do meu time que pulava elástico na hora do recreio.

Foi educada para casar virgem, sentar de pernas cruzadas, viu incessantemente filmes da Disney onde felicidade era ter macho rico, não podia falar palavrão, fez balé na infância, brincava de fazer comidinha e jamais foi estimulada a se masturbar na adolescência e, quando adulta, achava isso mega estranho quiçá engraçado. Ficou casada por muito tempo, abriu mão de uma série de coisas para cuidar da família e separou-se como eu há pouco e, na mesma vibe que a minha, está querendo se tatuar, rebolar até o chão, sair com médico cubano, fumar charuto de médico cubano e mais essas coisas super radicais para nós, as bobonas.

Arrumar namorado está tenso para ela. Eu não. Tô super deboa aqui. Mas ela tá péssima porque está se sentindo insegura já que o corpo tá todo mole, as muxiba pendurada, barrigão protuso essas coisas que só um cirurgião para dar jeito ou uma boa terapia que, mesmo fazendo por dez anos, jamais chegaria perto dessas empoderadas que posam lindamente de lingerie com o corpo todo convexo.

Nós não. Nós temos problemas. Quer dizer. Ela. A minha amiga. Eu não. Eu tô deboa aqui. Só observo. E sei que por mais feministas que todas sejamos, ter visto o primeiro elenco do Sítio do Pica Pau Amarelo tem lá seu peso em nossas vidas. Fomos muito castradas, colocaram-nos muitos medos, temos travas, traumas, vergonhas que nos imobilizam. Mas minha amiga hoje resolveu vencer uma barreira e, desde que eu garantisse o anonimato, deixou-me contar sua experiência.

A desculpa era que queria se conhecer melhor. Saber os limites do corpo. Mas isso é conversa para boi dormir de quem parte para uma massagem que termina nos genitais.

Quem narra, vale observar, sou eu. E antes que me venham com “noooossaaa olha ela com tanto preconceito”, já adianto que tudo aqui é pós conceito depois de tê-la ouvido. “Ah mas você não ouviu todos e não é bem assim.” Ok. Você está certo. Massagem tântrica faz sua alma levitar. Agora deixe-me contar minha história. Quer dizer, da minha amiga.

– E aí, amiga, foi legal? Eles fazem aquilo tudo mesmo? Você gostou? Gozou? É sexo? Qual a diferença? – perguntei curiosa.

– Miga, foi uma merda. A pior experiência da minha vida. Paguei quase quatrocentos reais e chorei como uma bezerra desmamada ao final.

– Não gozou?

– Cinco vezes. Mas foi triste. Muito triste. Nunca pensei que em um orgasmo coubesse tanta tristeza.

– Miga, foram cinco!

– De que adianta? Gozaria muito mais até! se ele continuasse com a mão ali daquele jeito. E é mega diferente. O corpo treme todo. Profundo o orgasmo. Impressionante. E as, chamemos assim, preliminares são uma delícia. Carinho no corpo todo de forma bem suave.

– Mas ele te penetrou?

– Que nada! Nem beijo esses massagistas dão! Só carinho mesmo com as mãos. Quase duas horas ali naquela situação deprimente.

– Mas cinco orgasmos em duas horas é uma puta depressão que taaí eu queria…

– Os orgasmos vieram ao final. Na última meia hora. Acho. E foram intensos. Acho que se colocasse uma lâmpada de 700W ali na minha buça na hora acendia.

– E por que ficou triste? Por que não comemorou?

– Porque paguei para mexerem em mim. Isso é terrível. É o cúmulo da solidão. Por que nenhum homem teve tanta paciência comigo antes? Por que todos não se preocuparam em arrancar de mim tudo isso? O massagista estava tranquilo. Como assim não ficou excitado? Quer coisa mais estimulante do que ver o parceiro em êxtase? Nunca chorei tanto na minha vida. Me vesti chorando e falando tudo isso que me vinha à cabeça. Deixei o cara lá cheirando incenso naquela meia luz com aquela música com fundo de água de cachoeira.

– Miga, se você queria sexo tinha que pagar um puto e não um massagista!

– E eu sou lá mulher de pagar prostituto? Deve vir cheio de super gonorreia.

– Mas o massagista é profissional. Deve fazer isso várias vezes por dia. Não dá para ter romance mesmo.

– Olha só. Vê se isso não é triste. Várias pessoas procurando profissionais para fazer isso com elas. Não podiam apresentar umas para as outras pelo menos? Mandar a gente fazer um cadastro para ver o parceiro ideal. Tipo Isso? Qual a dificuldade?

– Miga, é casa de massagem tântrica e não casa de swing! Vai em uma dessas então!

– E eu sou lá mulher de ir nesses lugares? Imagina a vergonha. Igual meu terapeuta.

– Igual como? Não entendi.

– Ele fica uma hora me ouvindo. A coisa mais linda de se ver. Beijar que é bom nada.

– Miga, esquece tudo isso. Faça igual a mim. Desiste. Vai andar de skate.

– Tem professor?

– Tem. Ótimo. Em uma aula você já consegue andar.

– Bonito?

– Larga mão que vi primeiro.

Rimos muito.

Depois choramos.

Não narrei aqui como foi para ela estranho ter que se deitar totalmente nua em um colchonete com o cara sentado esperando. Ela não tinha mãos para esconder o que considera ser tão feio nela e esperava que, ao menos, ele a ajudasse a se despir. E cheirasse seu cabelo. No mais, ela me falou que tinha imagens de Buda na parede, um tal de Osho, elefantes vestidos, Jesus que é bom nada. Palavras dela. Não minhas. Dela.

– Miga, eu te entendo. Sei que essa vontade de amar e ser amada grita em nós que vimos Lagoa Azul várias vezes nas sessões da tarde. Mas, sei lá. Parece tão inútil nos esforçarmos… e depois, tem o outro lado: nada fazemos e o amor se rende aos nossos pés e o dispensamos.

Os sentimentos são uma caixinha de surpresas. Nunca surgem de uma caridade mendigada ou uma compaixão. Quase sempre amamos a quem nos ama de forma estranha e desprezamos quem melhor nos quer.

Assim, percebi por tanto sofrer, quando tivermos feito tudo para conseguir um amor, e falhado, resta-nos um só caminho: o de aprender alguma coisa – não com a experiência porque ela não vai nos servir de nada para as próximas. Quiçá atrapalhe porque nos enche de medos, traumas e preconceitos. Digo aprender algo para nós a ponto de mudarmos e ocuparmos a nossa cabeça. Por isso vivo estudando, lendo, escrevendo. Só por causa da sofrência. Tem nada a ver com vontade de conhecer não. É necessidade de não pensar no mozão. Com o mozão perto quero ler é nada.

– Mas você vive pensando nessas coisas também, Elika. Nem vem. Outro dia foi no acampamento do MST e com tanta coisa para perguntar a primeira pergunta foi onde e como eles faziam sexo.

– Mas não tinha paredes! Miga, abafa essa história. Foco aqui. Outro dia, estava entrando em um túnel e vi uma borboleta grande, amarela, toda imponente voando atordoada para dentro daquela escuridão. Fiquei olhando para o retrovisor até onde consegui acompanhar. Não sei se ela saiu. Fiquei agoniada. De que adiantou tanta libertação e transformação quando rasgou o casulo se foi para ficar eternamente procurando sair de um lugar tenebroso? Antes continuasse com aquela vida de lagarta comendo folha. Se virou borboleta, miga, não entre nesse túnel de achar que a vida é só amar e ser amado. O amor, dizem os mais novos, é uma construção social. A gente aprendeu a romantizar isso de um homem, uma mulher e paixão intensa. Mas, pelo que me contam há felicidade em outras formas de se relacionar.

– Você já fez algo diferente? Você sai por aí se aventurando?

– Não. Tô esperando meu Mozão que nunca tem tempo para mim e que mal fala comigo vir me ver. Mora em Brasília ele. Diz que me ama loucamente. É um lindo, estou super apaixonada. Outro dia…

E assim ficamos horas conversando sem sequer concluir nada. Há pessoas que acham que o amor só vive pelo sofrimento e cessa com a felicidade. Porque o amor feliz, dizem, é a perfeição dos mais belos sonhos, e tudo que é perfeito é o fim. Ou seja, a alegria pode estar na luta, na tentativa, nas dores envolvidas e não na vitória propriamente dita. Fico lendo essas bobagens e tentando me convencer também de alguma coisa para acalmar meu coração…

Pelo sim pelo não, peguei a referência do massagista. Mas nunca fui em nenhum não. Só a minha amiga. Eu tô deboa aqui. Só contando o que ouvi.

14 comentários em “Massagem Tântrica. Minha amiga fez.

  1. Bem eu hoje também estou de boa. Tenho 60 anos, 40 anos trabalhando no judiciário goiano e pretendo me aposentar ano que vem. Muitos me chamam de careta, mas jamais deixei de dar flores, dançar meu boleto, as vezes tento dançar um tango, levo sempre minha esposa aos melhores motéis da cidade, fazemos sexo sempre é sem planejar.

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  2. Em tempo: eu deixo a vida me levar. Vivo um dia de cada vez. Não tenho preconceito com nada, sou fã de carteirinha do presidente Lula, amo a natureza, os animais. É jamais deixo o ódio me beirar.

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  3. Nossa!! Muito bom esse texto! Como tenho 46 anos me identifiquei muito com a história,rs.
    Eu também me separei do pai dos meus filhos em 2006, voltei para o Rio só com meus filhos para recomeçar do zero. Um ano depois, uma nova desilusão, e foi aí que decidi que ficaria sozinha até me fortalecer. E fiquei. Mais precisamente, 6 anos sozinha, sem dar sequer um beijo na boca, priorizando meus filhos , e vivendo de casa para o trabalho e do trabalho para casa.. Hoje namoro um homem há 3 anos, e está sendo muito bom , é um amor maduro, cada um na sua casa, já que meus filhos ainda moram comigo. É bem no estilo do soneto de fidelidade: ” Que seja eterno enquanto dure”…
    Agora… Essa massagem tântrica me deixou curiosaaa!! “Cinco” em menos de duas horas?!!! Ai meu Deus, o que é isso?!!!!Rs
    Uma vez li que tem uma posição no sexo tântrico que ambos chegam ao orgasmo sem se movimentarem, meio estranho, mas agora até entendi . Ou seja, chegam a um orgasmo quando não se movimentam e basta se movimentarem para conseguir cinco ou mais!!! Rs

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  4. Bom dia Elika.
    Li este seu post ontem, mas estou rindo até agora. Você publicou o “post tântrico” (rs). Entre as formas de expressão que melhor traduzem nossa condição, está a poesia com sua concisão. No final da adolescência, li “Eros e Civilização” do Herbert Marcuse, que foi um dos referenciais dos movimentos universitários de 68. Fiquei impressionado. Alguns meses depois, li o poema “Anima” do Capinam, e o que Marcuse precisou de um livro pra dizer, o poeta disse em um poema. O músico e poeta Gilberto Gil disse tudo também, em:

    Sabe, gente.
    É tanta coisa pra gente saber.
    O que cantar, como andar, onde ir.
    O que dizer, o que calar, a quem querer.

    Sabe, gente.
    É tanta coisa que eu fico sem jeito.
    Sou eu sozinho e esse nó no peito.
    Já desfeito em lágrimas que eu luto pra esconder.

    Sabe, gente.
    Eu sei que no fundo o problema é só da gente.
    E só do coração dizer não, quando a mente.
    Tenta nos levar pra casa do sofrer.

    E quando escutar um samba-canção.
    Assim como: “Eu preciso aprender a ser só”.
    Reagir e ouvir o coração responder:
    “Eu preciso aprender a só ser.”

    Novamente:
    Um bom dia pra você e muitas risadas.

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  5. Casei com massagista desses. “Tão bão”… Tinha essas grandes certezas sobre relacionamentos também, mas depois que conheci a massagem… Enfim, não era sobre isso que eu queria falar, era sobre como você é ótima com as palavras e como você faz qualquer assunto comum provocar tanto interesse. Parabéns!!!

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  6. Menina!
    Fantástica sua crônica. Ri litros, e ao mesmo tempo, a cada parágrafo me identificava.
    Acredito que assim como Eu, várias mulheres sentiram a mesma coisa.
    “Crônica do cotidiano feminino”
    Sempre quis, agora certeza que farei uma massagem tântrica! Hahaha

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  7. Cheguei aqui por acaso, mas ao invés de achar o texto engraçado, achei triste. Como acho triste viver nessa sociedade doente que faz o que faz com as mulheres, como fez com sua amiga. Essa romantização, como você bem colocou, o esperar a alma gêmea, o príncipe encantado (rico, óbvio) é proposital para colocar a mulher em uma posição submissa pelo resto da vida.
    Sim, sou homem, mas fico indignado por ver as mulheres serem enclausuradas dentro de si mesmas assim. Eu fiz o curso de massagem tântrica. Aplico essa massagem, já causei orgasmos múltiplos em mulheres em quem treinei isso. Atesto a qualidade da coisa. Mas saber que sua amiga saiu chorando depois de cinco orgasmos por não conseguir se libertar do jugo machista da “mãe de família” foi uma das coisas mais tristes que já li.
    Não ia nem comentar, mas achei que devia. Queria ter a chance de conversar com ela. Mostrar o quanto ela foi enganada a vida toda. Mas pura prepotência minha. Se com mais de quarenta anos e cinco orgasmos ela não entendeu… Quem sou eu pra querer achar que vou mostrar qualquer coisa a ela?
    O maior benefício do tantra na minha vida nem foram as massagens em si, mas conhecer mulheres libertas. Que exploram a própria sexualidade sem estarem presas a uma busca inútil pela monogamia. Que se completam e se bastam. Quando encontram um amor, vivem isso. Sem expectativas ou consequências atreladas. Foi revigorante perceber que existem mulheres que soltaram as algemas do patriarcado. Quem sabe há esperança…?

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