
Querida Marcia,
Sou professora há vinte anos. Lecionei em escolas estaduais, particulares e, hoje, sou uma privilegiada por ser docente do CEFET/RJ. Digo isso porque, na esfera federal, temos condições melhores de trabalho ainda que nada seja definitivo. Enfim, somos colegas de luta.
Dizem por aí que quando uma mãe perde um filho é como se todas as mães enterrassem sua cria. A palavrinha da moda: empatia. A dor é sentida como se fosse nossa por, talvez, ser de todas realmente.
Penso que o mesmo se dá com essa linda profissão. Quando um professor leva um soco, é atingido por uma bala de borracha ou humilhado seja pelo diretor de escola seja pelo nosso próprio aluno, todos nós, educadores, padecemos. Portanto, venho lhe dizer, Marcia: estamos todos dilacerados.
O que achei de suma relevância em sua postagem foi a conjunção “mas” usada no último parágrafo: “Estou dilacerada, mas eu me recupero e vou dedicar a minha vida para que nenhum professor brasileiro passe por isso nunca mais“.
A força de um educador é impressionante e venho aqui hoje dizer que você não está só e podemos juntas fazer muito mais.
Para variar, pergunto-me o que levou o aluno a lhe agredir e como podemos agir para que isso não torne a acontecer com mais nenhum colega, como você mesma desejou.
Sabemos, Marcia, que damos o que recebemos. Li vários comentários em publicações que compartilharam de sua postagem dizendo que faltou a esse jovem “porrada” e “corretivos”.
Fiquei assustada e pensando sobre tudo isso.
Não sei se com violência melhoraremos o mundo e tenho quase absoluta certeza, a despeito do sangue que escorreu pelo seu rosto, de que você, Marcia, não deseja que o agressor seja assim corrigido e acredite que com mais desamor resolveremos esse problema epidêmico da falta de respeito entre os seres humanos no mundo.
Ele não deu um soco só em você. Seu aluno representa um grupo (grande) da sociedade e seu olho, inchado com o golpe recebido, o de todos nós professores. No que pese tamanha aflição que senti ao ver seu sangue, lembrei-me de Gandhi e questionei-me se, ao devolvermos com a mesma moeda essa violência, não terminaremos todos cegos.
No mais, Marcia, os nossos governantes não nos respeitam há tempos. O salário de um professor público da rede municipal e estadual é um insulto. Não escolhemos essa profissão para ficarmos ricos, mas condição de trabalho digna era o mínimo que deveríamos ter. Nem isso, Marcia, estamos tendo. Há colegas sofrendo de depressão e se matando literalmente por não aguentar a vida que têm levado.
Os pais de muitos de nossos alunos também não nos tratam com o mínimo de educação.
A população não mais se comove com as condições em que se encontram as escolas públicas brasileiras.
O sucateamento do pouco que nos resta da Educação Pública segue a olhos vistos e desejam que acreditemos que isso é destino, ou seja, que nada pode ser mudado.
Quando queremos conscientizar os estudantes de que precisamos repensar a sociedade, diminuir o preconceito e as mazelas do mundo, Marcia, dizem que estamos fazendo doutrinação marxista nas escolas e nos ridicularizam.
Como exigir respeito de um adolescente se todo o resto da sociedade parece que nos abandonou, Marcia?
Punir esse aluno com mais violência talvez o assuste e, por medo, ele aprenda a controlar o ódio dentro dele. Mas pode ser que isso signifique enxugar gelo. Não sei se você concorda comigo já que está sob efeito desse susto. Seja lá o que você sentir e pensar, eu compreenderei.
Para finalizar, Marcia, divido com você a sua indignação e a minha dúvida: em que medida os pontos que você recebeu na sua ferida serão suficientes para fechar e curar o corte que nós, professores, recebemos todo santo dia de nossos governantes e da sociedade?
Conte com meu apoio nessa luta para que isso não mais aconteça com nenhum de nós.
Com carinho.
Elika Takimoto
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Segue a postagem da professora contando o triste ocorrido:
https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=1420157574727537&id=100001999254929
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