Mesa redonda com gente quadrada

 

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Essa foto mostra o momento em que Nagib apresenta o caderno que deve ser usado pelos alunos onde na contracapa está os “deveres do professor”. Na verdade, melhor seria “as proibições do professores”. O professor não pode isso, o professor não pode aquilo…

Eu gostaria de narrar o que aconteceu ontem no debate promovido pela escola De A a Z no Teatro Oi Casagrande, onde estiveram presentes na mesa Miguel Nagib, autor do projeto “Escola Sem Partido”, Fernando Penna, coordenador do Movimento Educação Democrática (doutor em Educação), Josy Fischberg: editora assistente de Sociedade do jornal O Globo (doutora em Educação), Talita Monteiro: estudante de Ciências Biológicas da UNIRIO e eu.

Estar de frente com a pessoa que está encabeçando o projeto de lei que, a meu ver, acaba com a a essência das escolas não foi uma tarefa simples. Desde o dia em que fui convidada, acreditei que não tivesse emocional para tanto e, de cara, recusei considerando que quanto mais Fernando Penna falasse mais o mundo ganharia já que Penna está liderando o Movimento Educação Democrática pelo Brasil, um movimento de resistência a todos esses retrocessos que estão nos impondo no campo da Educação pública. Eu,na mesa, tiraria o tempo de fala de Penna.

Mas a equipe que estava organizando o evento explicou-me que o debate seria sobre Educação como um todo e eu, pelas minhas andanças e militâncias, poderia ajudar sim senhor a compor a mesa e contribuir para a discussão.

Aceitei e fui de peito aberto pedindo a Deus paz e sabedoria somente porque se, além disso, Ele me desse força eu poderia dar uma voadora no Nagib. Procurei respirar fundo e respeitar a pessoa que carrega dentro de si ideias contrárias a tudo que eu acredito que seja bom para a Educação no Brasil.

O evento era um cine debate. Inicialmente, foram passados trechos de filmes sendo que um deles foi feito pela equipe do Nagib e passado a pedido do próprio.

O filme de Nagib mostrava alguns professores – cujas posturas, no que pese minha total compreensão ao emocional desses colegas, eu particularmente também não concordo – dando aula falando horrores do governo Temer e de Bolsonaro. Qual foi minha surpresa, a última imagem do vídeo era euzinha que vos escrevo. Nagib deu “print” em uma postagem minha feita no meu perfil aqui no Facebook e me colocou naquele saco sensacionalista dos “professores que fazem doutrinação marxista” nas escolas (!).

Que a Nagib falta inteligência, isso eu já desconfiava depois de tê-lo ouvido falar que Paulo Freire, reconhecido internacionalmente como um dos maiores educadores do mundo pela UNESCO, era pedagogo do PT. Mas eu esperava um mínimo de educação e elegância.

Sabendo que eu comporia a mesa, expôs-me de uma forma que mostrou o tamanho de seu caráter e o nível de seus argumentos para tentar me desmoralizar perante o público. O perfil é meu e eles querem se meter até no que a gente fala nas redes sociais, vejam vocês.

Lá pelas tantas, Nagib, ao saber que sou ateia, me ofereceu uma pergunta. Digo “oferecer” porque Yuki, meu filho caçula, sempre que vai me fazer uma pergunta, que ele sabe que eu vou gostar de responder, ele diz “mãe, eu vou te oferecer uma pergunta”.

Nagib me perguntou como eu me sentiria, sendo ateia, se meu filho fosse exposto a um ensino religioso na escola.

– Agradeço por ter me oferecido essa pergunta, Nagib. Na verdade, vou ampliar a ideia da pergunta para discutirmos de uma forma mais geral..

Disse isso porque, prestem atenção, ele me questionou em um contexto sobre partidarismo. Ou seja, Nagib queria fazer o paralelo com a situação em que a família, por exemplo, é de direita e seu filho vai para uma escola que promove uma aula que defende ideias de esquerda.

– Quero que responda a essa pergunta! – disse ele num tom incisivo como seu eu estivesse me esquivando de respondê-la.

“Pois não. Entendi muito bem a sua pergunta (e a repeti), mas ainda assim vou ampliar o ângulo dela. Se minha filha, que está nessa plateia, quiser ter contato com qualquer religião ela terá todo o meu apoio. Por um acaso (havia me esquecido completamente que Nara estudou em uma escola católica), nenhum filho teve ensino religioso nas escolas, mas ainda assim, quando quiseram ir a uma Igreja não encontraram em mim o mínimo de resistência.

Acredito que crescemos quando somos confrontados. Enquanto estivermos na zona de conforto, esse local que se morre em vida, não pensamos sobre nada. É ao ter nossas crenças e ideias desafiadas que passamos a refletir sobre elas. Portanto, quero mais é que meus filhos frequentem lugares que lhe permitam sair da zona de conforto.

Vou dar um exemplo de como podemos crescer todos quando nos deparamos com uma visão de mundo que não é a nossa. Minha filha teve aula de sociologia com uma professora vegana que fez uma “doutrinação” na cabeça dela que Nara passou a ser vegetariana com uma semana de aula.

Quando minha filha chegou em casa com esse papo, dei-lhe logo um corte e disse-lhe que ela poderia comer o que quisesse, mas que me deixasse em paz, que eu sou carnívora desde que nasci e morrerei comendo carne porque sabe deus nosso senhor como amo uma picanha mal passada.

Nara aceitou. Pediu-me somente que conversasse com ela sobre o tema e que eu lesse algumas coisas. Jamais negaria isso a um filho e o diálogo se deu.

Hoje, sou vegetariana.

Esse foi um exemplo de como crescemos quando somos apresentados a novas ideias. Ainda que eu não me tornasse vegetariana, o meu comportamento em relação a causa seria muito mais empático.

Aproveitando a deixa, gostaria de dizer que não tenho absolutamente nada contra o ensino religioso nas escolas desde que as Igrejas abram também as portas para que professores promovam debates sobre ciência e outros temas.”

Foi mais ou menos assim a minha fala.

Eu gostaria mesmo que todo o Brasil tivesse ouvido não eu falar ou mesmo o Penna, mas o próprio Nagib.

Desde que a educação surgiu no Brasil quem estabelece as regras nas escolas não são educadores e sim administradores, pessoas como Nagib cujo discurso ontem, a despeito de tanta abertura e educação da plateia, recebeu vaias com vontade em alguns momentos de tão ditadoras e retrógradas que se apresentavam.

O papel do professor, o sujeito que, por essência, trabalha com Educação, não pode ser somente em transmitir conteúdos, mas também – e principalmente – de ensinar a pensar, a refletir, a questionar, de estimular a curiosidade. E isso tem a ver com modificar um ser humano. Não falo aqui de colocar ou tirar valores partidários ou religiosos nos alunos, mas de fazer com que o aluno pense sobre eles. E que maravilhoso ver um aluno sempre pensando a respeito de seja lá o que for, não é verdade?

Por fim, não vou cair aqui na hipocrisia de dizer que a escola é neutra. Ser laica é uma coisa, neutra é outra. Ou se educa para o silêncio, para a submissão, para a obediência cega (como todos nós fomos educados) ou se educa para entender como funciona essa grande máquina chamada mercado de trabalho. E ambas as formas de educar são políticas.

A primeira forma cidadãos-zumbis que acreditam que o mundo é assim, nada mais pode ser feito e só lhes resta ser mais uma peça substituível nesse sistema. A outra…

Lamento em estar discutindo isso podendo debater e refletir sobre metodologias revolucionárias como as que estão sendo usadas na Finlândia, por exemplo, e em alguns lugares do Brasil como nas salas de aula do CEFET. A gente quer avançar e tem que voltar dez casas por causa dessa galera que de Educação não entende absolutamente nada como ontem, para mim, ficou claro como a água.

Queria dividir essa experiência com vocês e dizer que se semana passada estava perdendo as forças pensando em sair correndo desse mundo, depois de ontem, estou me sentindo a Mulher Maravilha.

É difícil, é cansativo demais… mas os aplausos, de fato, têm um efeito mágico dendagente.

Obrigada a todos que contribuíram para eu renascer das cinzas.

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15 comentários em “Mesa redonda com gente quadrada

  1. Não desista, não. Precisamos de muitas mulheres maravilhas para encarar este bando de fascistas. Só o nosso levante poderá conter esta onda nasi fascista que se agiganta em todo o mundo. Precisamos discutir muito. Por favor, sempre que você for convidada vá; se não fores convidada, te convida e vai. Só a união do povo que pensa, que ama será capaz de conter esta onda terrível.

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  2. Olá, professora Elika! Me chamo Rodrigo, sou professor de Física do colégio de A a Z, e estive presente na platéia durante o debate promovido pela escola. Desculpa a minha ignorância, mas não conhecia o trabalho da senhora. Ouvindo as suas explicações fiquei duplamente inspirado. A forma brilhante como debateu, reacendeu em mim o desejo de fazer mestrado em história da Fisica. Ontem mesmo visitei praticamente todas as suas redes sociais e comprei pela internet dois livros da senhora ( que gostaria desde já, pedir um autógrafo). Termino esse texto pedindo para não desistir como chegou a pensar, sua fala é muito inspiradora. Obrigado !

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    1. Muito obrigada pelo retorno. Olha. Haverá o lançamento do Como enlouquecer seu professor de física em Outubro. Será em um domingo. Fiquei ligado e nos vemos lá. Autografo todos os livros! Obrigada mais uma vez!

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  3. Concordo com o comentário que diz que é por pessoas como você que ainda dá para acreditar neste país. Da mesma forma , é por professores como você que se mantém a esperança de que a Educação de fato evolua no Brasil.

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  4. A ESCOLA É PÚBLICA, OU SEJA DE TODOS, PORTANTO DEVE SER PLURAL!

    Acho que o que vale pro jornalismo, deveria valer pras escolas. Toda pessoa que dá uma notícia, escreve um texto, etc… Por mais que não queira, reflete neste texto sua opinião.

    E tenho uma notícia pra vocês:NÃO TEM NADA DE ERRADO NISSO!

    A verdadeira democracia e equilíbrio está em ter liberdade para todas as opiniões serem emitidas e ouvidas!

    A escola é um lugar público, portanto um lugar de TODOS! Lá tem professores de esquerda, de direita, ateus, religiosos… e quer saber? Todos devem ter liberdade de dar suas aulas DO JEITO QUE QUISEREM em paz!

    E isso meus caros, isso… ainda é muito melhor do que aquilo que acontece na nossa Grande Mídia! Que só permite uma linha de pensamento dominante no país!

    Falam tanto de escola sem partido e esquecem da Grande Mídia que é praticamente um Cartel de Partido Único. Onde só se da voz ao consenso de Washington e qualquer idéia que contrarie a receita neoliberal é abafada!

    Um dos maiores exemplos disso é o discurso que é repetido quase que como um postulado ou axioma, de que a Previdência é Deficitária… Não admite contradição… não admite nada!

    Precisamos urgentemente de uma Mídia sem partido, ou melhor, pluripartidária!

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  5. Caríssima Elika,

    Desde logo digo que sou seu fã e te acompanho assiduamente pelo Facebook. Tanto que fiquei triste quando certa vez você falou em se afastar, dar um tempo. Foi como perder um amigo na luta, na batalha. Que bom que foi só uma chuva de verão.

    Te respeito demais por esse teu jeito humana, de reconhecer fraquezas, de crescer diante da adversidade. Também te respeito por tuas posições políticas e a insistência em soltar a voz nesse Brasil de hoje tão velho e enfadado.

    Você tem muito que ensinar para a gente e para aprender também, pois somos todos assim: quanto mais a gente sabe, mais precisa aprender.

    Valeu pela coragem, pelo coração aberto e pela luta.

    É isso.

    Dimas Lins

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  6. Parabéns e salve sua paciência e de todos os participantes. Assisti no Canal Futura esse Nagib por menos de 3 minutos, já me deu agonia e mudei o canal. É uma besta. Mas esse governo atual prima mesmo por essa característica, são bestas humanas com muita empáfia e arrogância.

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