É imprudente viver sem a arte

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Há tempos ando brigando com o sistema tradicional de ensino, falando mal dessa Reforma do Ensino Médio e colecionando inimigos por onde passo por afirmar que as escolas são fábricas de zumbis. Somos produtos dessa sociedade e basta olharmos para nós e para os lados para constatar que eu não estou delirando.

Para começar, mal conhecemos a nós mesmos e somos demasiado atrapalhados para lidar com o pouco da gente que vem à tona. Não importa  o saldo de sua conta bancária. Dá-lhe remedinhos para dormir, para ansiedade, para pressão, terapias para lidar com o medo, frustrações e inseguranças. Estivemos grande parte de nossas vidas em uma sala de aula aprendendo coisas que jamais usamos em nosso dia a dia quando poderíamos simplesmente ter aprendido a aprender. Hoje? Cadê a motivação de muitos para sequer abrir um livro? Quem são esses que não veem a serventia de uma poesia?

Lembro-me de quando entrei para aula de latim e, logo depois, para o curso de italiano. Muitos me perguntavam para quê estava aprendendo algo que não tinha utilidade nenhuma já que “latim é uma língua morta” e  a “língua universal é o inglês”. Nem preciso dizer que não foi diferente quando fui fazer meu doutorado em filosofia e estudar sobre a metafísica presente na mecânica do século 17. Simplesmente fui considerada um ET por uma infinidade de gente por estudar o que gosto sem a menor pretensão de um retorno financeiro.

Leio muito e sou viciada em literatura. Em termos materiais, nunca tive um só retorno por passar tanto tempo diante dos clássicos pelo simples prazer de viajar com os personagens animada somente pelo desejo de, através deles, analisar a mim mesma.

Para vivenciarmos uma verdadeira metamorfose no – digamos por falta de uma palavrinha melhor – espírito, acredito que precisamos nos deparar com um conhecimento verdadeiro que só é adquirido através de nós mesmos e porque o queremos. E isso se deu comigo ao encontrar escritos das mais diversas naturezas. Sinto necessidade de estudar sobre assuntos variados como preciso das funções vitais para viver. A necessidade de criar e imaginar em cima do que assimilo, para mim, é tão fundamental quanto respirar. E isso não aprendi na escola. Pelo contrário. Se dependesse dela, estudaria “para ser alguém na vida”- subtende-se que “ser alguém na vida” é um ser que tenha o poder de consumir muito em nossa sociedade. Foi isso que ensinaram e que recusei a introjetar.

Nas escola, sequer aprendemos coisas que podemos utilizar para fins técnicos. O que praticamos é estudar para “fazer prova” e, logo depois que a fazemos, esquecemos tudo o que foi lá depositado. Que lindo seria se ao invés disso pudéssemos lidar com conhecimentos e atividades que conduzissem a nós mesmos…

Não sou louca em colocar em dúvida a importância da preparação profissional como um objetivo das escolas. Pergunto-me somente se o foco da educação não poderia se estender para além da formação de médicos, engenheiros ou advogados. Temos mania de equiparar a pessoa com a sua profissão desconsiderando que em todo ser há algo de muito valioso e essencial que vai muito além do que lhe rende dinheiro. E é exatamente esse algo que é muito pouco trabalhado nas escolas e, dada a Reforma do Ensino Médio, se reduzirá a nada. Falo de uma formação cultural mais ampla que encoraja os alunos e as alunas a mergulharem em si mesmos (as).

Nesses dias em que estamos vivendo onde os nervos estão expostos pela falta de dinheiro e o país em crise, essa ideia de que devemos focar em estudar “coisas úteis” para a vida fica mais ainda exacerbada. E, por tabela, percebo mais pessoas depressivas, perdidas, sem saber o que fazer com seu destino. Essas não foram incentivadas a refletir que  as atividades que não servem aparentemente para nada são aquelas que nos ajudam a fugir dessa prisão, a transformar a vida não em algo superficial ou o seu corpo em uma máquina e sim fazem de nós seres humanos mais humanos. Se não estou sendo clara, falo  da arte no sentido mais amplo que a sua mente conseguir alcançar.

Com essa onda conservadora crescendo e a censura toda hora nos rondando, é comum vermos os artistas sendo chamados de vagabundos e exposições, shows, peças teatrais e livros serem ridicularizados pela sua “falta de utilidade”. Mal sabem esses que não se combate uma crise como a nossa cortando fundos destinados à cultura e destratando quem a produz. Pelo contrário. É preciso duplicar o investimento naquilo que nos torna mais sábios para que não caiamos de vez no abismo da ignorância.

Tenho falado por onde ando que só a arte, a coisa mais inútil que existe – segundo o mercado -, vai dar jeito nesse mundo porque através dela conseguimos lidar com (sem, contudo, compreender) a essência do que somos. Vale observar, não vejo muita diferença entre arte e ciência (não essa que é ensinada nas escolas, mas aquela de Galileu, Newton e Einstein, por exemplo, que não tem nos livros didáticos). A ciência também pode ser estudada e vista como uma forma de expressão do espírito humano. Grande parte dela ao ser criada não tinha como objetivo outro a não ser trazer uma grande satisfação pessoal pelo espanto que ela é capaz de provocar por aqueles que lidam com a soma: criatividade + vontade de conhecer a natureza.

Há duas maneiras de vivermos. A primeira é olhar para esse inferno que nos rodeia, aceitá-lo e tornar-se parte dele. Essa é fácil e é o que aprendemos a fazer nas escolas e nas universidades: sermos passivos ao aprendizado, acreditar que o mundo sempre foi assim e temos que nos adaptar a ele. A segunda é mais complicada e requer uma coragem e uma disposição eternas: saber que esse inferno não foi feito por Deus e sim pelo homem, portanto, é bastante suscetível de ser implodido.

O quão diferente seria a sua vida se a educação que lhe deram focasse nas oportunidades (de olhar para dentro e de ganhar força) e não nas obrigações (impostas de fora e que lhe enfraquecem)?

5 comentários em “É imprudente viver sem a arte

  1. Muito bom Elika! Senti algo parecido quando resolvi estudar mandarim. As pessoas ficavam incomodadas quando me perguntavam porque eu estava estudando aquilo, o que eu pretendia ganhar, e eu respondia: não pretendo ganhar nada! estudo apenas porque gosto. Esse simples prazer por fazer algo, sem nenhum envolvimento mercantil, perturba a cabeça da muita gente. Grande abraço!

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  2. Diuturnamente tento isso, Elika. Daí veio a empatia pelo que você escreve, pelo que você idealiza, enfim, por você. Acredito que não estamos sós, somos muitos e muitas, mas temos que aparecer. Parabéns pela bela crônica. Um forte abraço e um grande beijo.

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  3. Parabéns pelas palavras,tão bem colocadas !Que nós posicionemos mais como você também o faz,para que a Sociedade mude um pouco e saia desta doença que é o automatismo e a busca pelo que vem de fora esquecendo o essencial,o que temos dentro de nós!

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