Sobre a sexualidade feminina.

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Não importa o tema. Se a pessoa diz que é simples e fácil de entender eu já sei que estou diante um ser que não aprofundou o assunto. Somos por demais complexos para sermos explicados de uma forma imediata. Quando discutimos seja lá o que for raramente existe uma verdade cristalina e isso serve também para o feminismo e suas bandeiras.

Eu me pego confusa. Converso com mulheres de todas as idades e tenho acompanhado essa juventude nos diálogos abertos que travo com eles. Não sei o que pensar. Quando vejo as manas muito certas procuro buscar a mesma clareza. Mas cadê que a encontro? Outro dia, por exemplo, estava sendo falado que atualmente colocar roupas que exaltam o corpo feminino é sinal de empoderamento. Entendo que sob um ângulo pode ser, porém percebo que, por outro viés, podemos compreender como mais uma forma de opressão. O tal shortinho é uma afirmação da sexualidade ou a sua exploração? Eu, sinceramente, não sei.

Vejo essa mulherada linda, por exemplo, nos palcos. Tipo Beyoncé, Anita e algo que o valha. Fico me perguntando quem está derrubando, de fato, padrões de beleza e quem está criando novos. Não pode estar ocorrendo as duas coisas ao mesmo tempo? Se elas não fossem tão lindas, tão sexys, tão sexualizadas… será que estariam na mídia defendendo a causa feminista? Essas estrelas trabalham em um sistema que requer que as mulheres tenham uma determinada aparência porque se não forem lindas do jeito que são e rebolarem como fazem não serão expostas na televisão.

Entendo perfeitamente que, hoje, fazer pole dance, por exemplo, posar nua e coisa e tals pode ser um reivindicação da sexualidade. Acho bacana. De verdade. O que não percebo é uma mudança real no mundo. Olhando por um lado, vejo heroínas. Olhando por outro, marionetes. Constato que muitas manas são estrategistas bem perspicazes que sabem usar essa sexualidade e obter muito lucro. Palmas para elas. Pergunto-me, contudo, por que tanta restrição nas escolhas para as mulheres e amaldiçoo esse mundo machista de entretenimento que coloca a sexualidade feminina em uma caixa de forma que ela seja a mais chamativa possível.

Daí fico analisando tudo e não tem como deixar de falar nos filmes pornôs. Foi ali que – se não começaram pelo menos – fortaleceram os esteriótipos de corpos perfeitos, bundas enormes, seios redondos, bocas molhadas e os homens de todas as formas parecendo desentupidores de pia  lidando de um jeito, acho eu, violento com todos os orifícios femininos. Posso errar feio agora, pois falo baseada em mim mesma, mas acho que a maioria das mulheres não se sente bem quando os homens agem como nesses filmes ditos eróticos. Sei que há atualmente filmes pornôs feministas onde as mulheres são tratadas com respeito, mas não é nem de longe o que os homens têm consumido. O que o mercado vende é o roteiro que mostra que para o homem gozar é necessário uma certa degradação moral da mulher. Não é à toa que  em muitas cenas vemos, se não a agressão física propriamente dita, a verbal e as atrizes respondendo a elas fazendo cara de muito prazer.

Hoje, com a internet, consome-se pornografia cada vez mais cedo e com mais frequência. Sei que muitos jovens conseguem diferenciar o que é um filme da realidade, porém, qualquer ser humano exposto repetidamente a certos temas acabam internalizando alguma fração do que lhe é mostrado.  E isso pode afetar a nossa forma de ver o mundo.  As pessoas que consomem pornografia têm muito mais dificuldade em entender o que seja um estupro pelo fato do pornô apresentar a agressão como algo sexy e fazer da mulher um ser alheio à violência por ela sofrida.

Há muitas mulheres que descobrem, nas conversas com outras, que foram estupradas. A opressão é tão grande que as vítimas têm dificuldades de convencer a si mesmas de que houve crime.

O pouco que eu vi desse mundo pornográfico afetou a minha vida por completo. É necessário ter uma auto estima de aço e do tamanho de um elefante para sair imune àqueles corpos “perfeitos”. Até hoje morro de vergonha de ficar nua. Olho para meu corpo e não me sinto atraente, aliás, penso todo santo dia que se tivesse muito dinheiro ia contratar o melhor cirurgião plástico e mexer nessa bagaça toda para me sentir melhor na hora do sexo. Maldito patriarcado. O meu corpo só me incomoda quando me lembro de que ele é visto por um homem.

E voltamos para as estrelas. Muitos clipes musicais são, a meu ver, pornoficados exacerbando essa cultura da hipersexualização. Pergunto-me quando os vejo: cadê a ideia de que ser sexy pode ser algo diferente disso que estou assistindo? Cadê o ensinamento maior para as manas que o modo como elas percebem seus corpos é  mais importante que a forma como os homens as veem? Cadê a mensagem clara que o empoderamento nada tem a ver com bunda? Cadê aquela força necessária reforçando que as mulheres têm o direito de ter encontros sexuais mutuamente prazerosos? Em que medida ser sexualmente desejável é sinônimo de saber explorar seu próprio desejo?

Agora imagine todas essas informações chegando para milhares de mulheres cuja educação sexual pode ser resumida em uma única palavra: “não”. O mundo está mudando, é verdade. Mas a gente não se transforma na mesma velocidade. Traumas estão aí para serem nossa companhia até sabe deus quando. Quando criança ouvia de minha mãe que homem nenhum podia encostar em lugar algum do  meu corpo antes do casamento. Fui educada sob o mantra que se soubessem que eu havia feito relação sexual a minha reputação estaria no lixo. E dá-lhe filmes da Disney para desgraçar todo o resto da cabeça.

Grazadeus superei muita coisa e hoje tenho uma visão bem do tipo prafrentex.  Mas veja só o quanto crescemos sem contudo estarmos próximas de sermos grandes. Outro dia, por saber o prazer que um bom sexo nos dá, cheguei a rir e achar ridículas as meninas que querem em pleno século 21 se casar virgens. Peguei-me lembrando de minha própria filha, das amigas de minha filha e de minhas alunas que conversam sobre tudo comigo. Muitas consideravam a virgindade como um entrave e achavam que o fato de terem uma relação sexual iriam lhes transformar, outras a encaravam como um “presente” que deveria ser dado a quem merecesse e assim o entregaram. Houve quem visse a virgindade como um problema a ser resolvido e o quanto antes melhor. Todas, no entanto, as que querem casar virgens e as que não são mais virgens e eu nesse meio definimos o que somos, em grande medida, pelo o que acontece entre nossas pernas. Estamos, de fato, evoluindo?

Conversei com uma mãe evangélica, uma mana empoderada que me disse que estava educando a sua filha a resistir as pressões modernas e a evitar seguir os esteriótipos que não são sinônimos de liberdade. Ela conversa abertamente com a sua filha sobre sexo. A linguagem, se duvidar, é mais desenvolta que a minha com a Nara, mas o objetivo é completamente diferente. Quem está certa, afinal? Não seria muito melhor se todas nós mães conseguíssemos ensinar para nossas filhas que como elas lidam com o sexo não pode ser um fator importante para o seu valor moral?

E vamos aprofundar a questão. O que é virgindade afinal? Nessa esteira, o primeiro beijo não pode ser considerado uma forma de perder a virgindade? Outra questão: quem pode ser considerada mais experiente: uma pessoa que já fez sexo com muitos parceiros ou outra que teve somente um, ficou horas e horas beijando e semanas aprendendo sobre prazer mútuo? E mais: o que é sexo? Entendemos o último quase como uma corrida rumo a um objetivo: satisfação plena que se alcança com um orgasmo. Mas será isso? Não há a possibilidade de considerá-lo como uma maneira de explorar a intimidade e o prazer de todos os envolvidos? E o primeiro sexo oral? É sexo? E o primeiro orgasmo? O que seria tudo isso? Há necessidade de definir? Mas se não conceituarmos, como dialogar a respeito?

Falando em orgasmo…

Não sei se os homens sabem, mas as mulheres, de uma forma geral, têm muita dificuldade nesse quesito. Muitas mas muitas mesmo fingem que têm orgasmo para deixar o homem feliz ou para que ele simplesmente pare o que está fazendo. É comum ouvirmos que os parceiros não têm paciência e demonstram isso de várias maneiras diferentes. Não raro, as manas dizem que sentem vergonha de falar o que as fazem gozar e infinitas não sabem mesmo como chegar a isso. Conheço um tanto que desistiram de chegar ao clímax com seus companheiros e se resolvem sozinhas. Como superar isso? Conversando? Como colocar essa mulherada traumatizada para profanar sobre sua intimidade com homens?

E põe nesse balaio uma quantidade considerável de mulheres que dizem que a identidade delas não pode ser construída em um relacionamento e sim fora dele. Ou seja, uma confusão dos diabos. Em que medida se ocupar profissionalmente exclui a possibilidade de um romance? E que medo é esse de se frustrar? De onde vem? Por que não considerar um encontro – mesmo que seja ruim – como uma possibilidade de melhor conhecer a si mesma?

Conversamos muitas entre nós. Haja discurso bacana sobre sexualidade, gênero, feminismo e tudo o mais. Até que daqui a pouco tudo descamba e estamos ensinando umas para as outras como se faz um bom sexo oral, como masturbar bem o companheiro, como… ô patriarcado maldito. O foco sempre sai de nós… Não é fácil. Revisamos e reformulamos a definição de “puta” mas por que não a descartamos de uma vez?

Enfim, sigo sem concluir patavinas. De qualquer forma, a única coisa que me pareceu clara é que se quisermos entender mais sobre o assunto, não devemos perguntar aos mais velhos e sim aos adolescentes. Não que eles saibam mais. Nada disso. Estamos todos perdidos. Mas eles têm me parecido muito mais sábios e abertos para debater o tema que é inesgotável dada a complexidade do universo de cada um.

Esse texto foi apenas um desabafo. Não entender sobre muita coisa e, principalmente, sobre mim mesma me deixa angustiada. Escrever alivia um pouco esse sentimento. Compartilhar as minhas nuvens, um tanto mais.

7 comentários em “Sobre a sexualidade feminina.

  1. Elika, sou seu fã! E olha, tem muitos homens que não procuram um corpo absolutamente perfeito. A inteligência, de fato, vale muito. Para mulher e para o homem, é claro. Um abraço!

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  2. Abraços Elika, maravilha de texto. O problema é que existem mais machos do que homens. Eu prefiro o carinho, passear de mãos dadas, trocar ideias e fazer amor e não sexo.

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  3. Oi! Legal que já estás de volta e que está tudo bem hehe. De volta à rotina então…boa sorte! Quando puderes ler, vai mais um texto que li ontem sobre nós, da Elika.

    Bjs Jane

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  4. Poxa, Elika. Nunca ninguém descreveu tão bem o que sinto, vejo e vivo, nem mesmo eu. Sou professora de educação básica ( ciências da natureza) e me vejo pensando no que você falou constantemente. Grata por você ser essa pessoa que dá voz às coisas engasgadas em nossa vida.

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