O pecado da procrastinação.

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Há umas duas semanas, logo depois de um feriado, Yuki acordou para ir à escola e entrou em desespero porque se lembrou de que era dia da prova de geografia e ele não havia estudado nada. Pediu para que eu deixasse ele faltar e eu prontamente atendi já que era a primeira vez que isso acontecia em nossas vidas.

A segunda chamada foi hoje. E eu tenho – desde de que ele nasceu, sem exagero – lembrado dessa segunda chamada da prova de geografia todo santo dia. Estou vendo Yuki fazer várias coisas e nada de estudar para a prova desde semana passada. Não sou dessas de obrigar ninguém a ficar sentado com o livro na frente porque não estou aqui para fazer do ato de aprender uma tortura. Vai quando estiver afim senão não funciona.

Hoje de manhã ele entrou no carro para irmos à escola com os olhos maiores do que o normal.

– Mãe, a prova é hoje e eu não estou preparado. Não estudei o suficiente. Nem deu tempo.

– Não deu tempo a partir de que momento?

– De ontem à noite, mãe. Estou desesperado. Acho que vou pegar prova final dessa matéria…

– Eu não te falei que não adiantaria adiar o problema? Não disse para você estudar todos esses dias? Mas não. Você quis ficar jogando, lendo gibi, desenhando e andando de skate. Agora vê se aprende… arque com as consequências de seus atos! A vida é assim, meu filho!

Eu poderia ter falado isso. Mas não sou dessas. No lugar desse discurso que, acho eu, nada ajuda e só faz a pessoa se sentir pior ainda falei:

– Entenda o que aconteceu ao menos. Você cometeu o pecado da procrastinação.

– Que mãe.

– Procrastinação. Quando a gente sabe que tem que fazer uma coisa e empurra com a barriga. Daí quando chega em cima da hora bate o desespero porque não dá tempo de fazer direito a parada. A gente fica ansioso, arrependido, perguntando por que fez isso com si próprio.

– Caraca. É isso.

– Há pessoas que conseguem viver sem procrastinar. Mas muitas não. E acabam sentindo isso sempre. Acredito que é algo que devamos trabalhar mas não sei ao certo como. Percebo que quando fazemos o que temos que fazer mesmo sem querer costuma ser melhor em termos de paz espiritual. Mas nem sempre eu mesma consigo.

– E o que eu faço agora? Estou nervoso! Não vou conseguir!

– Calma. Alguma coisa você sabe. Foca nisso. O que não souber inventa na hora. Você tem muita criatividade. Fale bonito. Use sua sabedoria. De repente, só raciocinando você mata a questão mesmo sem ter estudado. E se for decoreba, esquece. Se errar questão de decoreba, isso não significa nada sobre você. Se pegar prova final e quiser que eu te ajude, pode contar comigo. Mas relaxa agora. Eu acho que você se livra disso hoje.

O resto do caminho fomos ouvindo música como sempre e conversando profundezas. Yuki me mostrou que sabe a letra da Geração Coca-Cola de cor e mostrou como é a batida da bateria no painel do carro.

Pode ser que eu não esteja preparando meu filho para a vida. Pode ser que o mundo lá fora vá cobrar dele mais tarde responsabilidades e eu não estou o educando para suportá-las. Sinceramente? Basta o mundo.

E.

Se o mundo é esse mesmo que vai sufocá-lo em um breve futuro, não quero de fato que meu filho me veja como cúmplice do roubo de sua infância e de sua paz para que ele se adapte bem a esse moedor de carne e de sonhos.

Seguirei serpentinando a maternidade.

4 comentários em “O pecado da procrastinação.

  1. Uma maneira inteligente de ensiná-lo sobre responsabilidade simplesmente estimulando sua atenção às consequências da própria procrastinação. Sem pânico, sem sermões. O parágrafo conclusivo, sobre o roubo da infância e da paz a que o mundo nos submete, é uma glória!

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