Se eu morrer amanhã (parafraseando o eterno Cony)

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Se eu morrer amanhã, não sentirei saudades dessa gente burra que tem medo e fica falando mal do comunismo em pleno mundo do jeito que está.

Também não sentirei saudades dessa galera que encheu a nossa paciência por causa de uma criança encostando no pé de um homem nu em um museu cheio de gente e se cala com um homem condenado a 12 anos de prisão por exploração sexual de menor assumindo a vaga de deputado federal que foi aberta com a licença de Cristiane Brasil, filha de Roberto Jefferson, que se afastará para ser ministra do Trabalho e responde por ter infringido leis trabalhistas. Puta merda. Não vou sentir saudade de nada disso.

Se eu morrer amanhã, não sentirei saudades desses coxinhas hipócritas que foram às ruas se dizendo contra a corrupção e que querem a prisão de Lula mesmo não tendo provas contra ele.

Se eu morrer amanhã, quero que quem odeia o PT se exploda porque para todos que eu pergunto por que diabos odeia um partido que tirou o Brasil do mapa da fome e diminuiu a desigualdade social só sabe me dizer que o PT acabou com o país, mas não sabem me dizer como. Gente imbecil não vai me deixar saudades se eu morrer amanhã.

Se eu morrer amanhã, não sentirei saudades desses homens que querem até dizer como as feministas devem se comportar.

Irei embora cagando pitangas para essas pessoas que só comentam para criticar, julgam-me por uma frase e, se eu falo um palavrão,dão print e falam nooossaaa olha a professora de esquerda mal educada noooossqaaa olha como não sentirei saudades nenhuma dessa gente chata do carvalho.

Se eu morrer amanhã, não sentirei saudades de nenhuma pessoa que se disse meu amigo ou minha amiga e que não conseguiu ficar feliz com nenhuma das inúmeras conquistas que fiz na vida. Vou partir mandando todos para a polta que parel.

Se eu morrer amanhã, não sentirei saudades de nenhum médico que me tratou (mal) porque nenhum deles olhou para mim como ser humano e foi capaz de pedir desculpas por me fazer esperar mais de uma hora para ser atendida.

Se eu morrer amanhã, não sentirei saudades de nenhum movimento pró-aborto.

Se eu morrer amanhã, não sentirei saudades do meu passado. Não sentirei a menor falta das gaiolas nas quais já estive aprisionada sendo a pior delas a religião.

Se eu morrer amanhã, sentirei saudades somente do que tenho hoje. Minha família (incluo os verdadeiros amigos nela), meus futuros alunos e dos livros que ainda não publiquei.

Como um pudim

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Você pode estar
comendo um delicioso pudim
aprendendo algo específico
mergulhando no Pacífico
cabendo novamente no vestido
bebendo todo extrovertido
fotografando flores no jardim
Ainda assim
Não está mais feliz que eu

Você pode estar
completando uma maratona
se sentindo uma lindona
tomando todas as medidas
vencendo uma corrida
escalando uma cordilheira
brincando na banheira
e comendo um pudim
ainda assim
não está mais feliz que eu

Porque eu
imaginando estar na grama
estou deitada na cama
com a cabeça no travesseiro
observando o Cruzeiro
dentro de um quarto trancada
só faço dar gargalhada e
ainda assim
sendo vista como um pudim
pelos olhos do meu companheiro.

A foto de Landau

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Na imagem, há um menino com frio, todo molhado no mar, olhando assustado para o alto, certamente, admirado com a festa que o céu de Copacabana faz a cada chegada de um ano novo.

Atrás dele, fora de foco, há pessoas vestidas de branco. Muitas com celulares na mão fotografando o barulho. Um grupo está de costas para o espetáculo de cores fazendo uma selfie.

Se o menino é pobre, o registro pode ser considerado triste porque assusta – já que vira uma foto onde também estamos nela. Vemos ali a imagem nítida da invisibilidade diária dos meninos pretos. Está escancarado o olhar puro de quem vem nos pedir um trocado nos sinais fechados trânsito – e de comunicação – que nos escapa.

Se o menino não é um menor abandonado, o registro continua sendo triste, mas de uma natureza diferente de tristeza. Trata-se de uma explanação didática sobre o mundo veloz que estamos vivendo: a emoção desses dois personagens, o menino e a sociedade, tem naturezas distintas, pois não há alegria aparente no menino e sim algo muito melhor. Há uma curiosidade genuína. Infantil. Que não somos mais capazes de sentir.

O frio fotografado pode ser por falta de toalha ou por excesso de brincadeira fora de hora. Como o sentimos diz muito mais sobre nós do que sobre o menino.

E é por estar em quem vê o sentimento, o pensamento, a cor e a classe social do menino na foto de Landau que paramos sobre ela.

Lugar natural.

Desenho feito pelo artista Sérgio Ricciuto Conte

Estudei o conceito de “lugar natural” desenvolvido por Aristóteles quando estava querendo aprofundar meus conhecimentos sobre a física, matéria que leciono. Gostei tanto dele que acabei transpondo para a vida.

Aristóteles dizia que o mundo é composto de quatro elementos: terra, água, fogo e ar. Todos os corpos são constituídos da mistura dessas substâncias e para cada uma delas, Deus colocou um lugar certinho. A terra, por exemplo, fica abaixo de tudo e o ar, acima. Por isso, concluía Aristóteles, uma pedra, que tem mais terra do que água em sua formação, afunda e cai sempre. Já com uma bola de sabão isso não acontece porque ela é feita de muito mais ar do que dos outros três elementos, portanto, sobe.

Quando um corpo se movimenta – sem que ninguém o esteja empurrando – está buscando seu lugar natural e, ao chegar nesse lugar, ele fica em repouso, realizando plenamente sua essência. Em paz.

Como não sou uma pedra e estou em constante transformação, meu lugar natural mudou. Já foi dentro de um casamento com uma pessoa pela qual tenho um amor profundo mas em cujos braços não mais sentia que estava plena.

Foi estranho perceber isso e difícil aceitar que o meu lugar natural estava em outro lugar. Afinal, não sabia exatamente para onde meu corpo estava sendo levado. Desconheço por completo o mundo e a mim mesma.

Tive a impressão de ter andado a esmo nesses anos em que fiquei separada até Pipo me chamar para ver uma gravação ali no Riocentro com ele. Não o conhecia pessoalmente mas saí de casa com a certeza de que algo tão grandioso como uma amizade estava para acontecer.

Lá fui eu. Pedra abandonada de uma grande altura.

Há dois dias estive em uma festa com o Pipo. Assustei-me, de cara, com a quantidade de mulheres lindas, altas, mega elegantes, muitas com vestidos colados mostrando curvas que nunca terei, calçando sandálias que minha coluna não mais permite nem chegar perto. Eu estava com meu metro e meio, de calça jeans e com uma blusa que a mãe do Pipo havia me emprestado.

No tempo todo em que estivemos lá, Pipo dançou, cantou alto, conversou, riu com vontade, comeu e bebeu. Sem tirar os olhos de mim. Por deus, como eu ovulava.

Teve um momento que olhei para todos.Veio essa parada de Aristóteles na minha cabeça naquele átimo de segundos.

Pensei que nunca imaginaria estar um dia naquele lugar com aquelas pessoas bacanas simulando um réveillon. Surpreendentemente, deboa.

De repente, voltei-me novamente para o Pipo. Eu o observei mais um tanto enquanto ele falava algo e eu nada ouvia. “Já andou escrevendo de novo né”, concluiu sorrindo.

Ele, incrivelmente sabe. Quando viajo.

Sou feita de um novo tipo de matéria que reage de uma forma que eu mesma tenho estranhado. O meu lugar natural hoje é no campo visual do Pipo. Sinto que estou em paz realizando a minha essência. Até dormir tenho conseguido.

Cá estou preenchida com uma leveza colorida.

Tal e qual uma bolinha de sabão.