Lugar natural.

Desenho feito pelo artista Sérgio Ricciuto Conte

Estudei o conceito de “lugar natural” desenvolvido por Aristóteles quando estava querendo aprofundar meus conhecimentos sobre a física, matéria que leciono. Gostei tanto dele que acabei transpondo para a vida.

Aristóteles dizia que o mundo é composto de quatro elementos: terra, água, fogo e ar. Todos os corpos são constituídos da mistura dessas substâncias e para cada uma delas, Deus colocou um lugar certinho. A terra, por exemplo, fica abaixo de tudo e o ar, acima. Por isso, concluía Aristóteles, uma pedra, que tem mais terra do que água em sua formação, afunda e cai sempre. Já com uma bola de sabão isso não acontece porque ela é feita de muito mais ar do que dos outros três elementos, portanto, sobe.

Quando um corpo se movimenta – sem que ninguém o esteja empurrando – está buscando seu lugar natural e, ao chegar nesse lugar, ele fica em repouso, realizando plenamente sua essência. Em paz.

Como não sou uma pedra e estou em constante transformação, meu lugar natural mudou. Já foi dentro de um casamento com uma pessoa pela qual tenho um amor profundo mas em cujos braços não mais sentia que estava plena.

Foi estranho perceber isso e difícil aceitar que o meu lugar natural estava em outro lugar. Afinal, não sabia exatamente para onde meu corpo estava sendo levado. Desconheço por completo o mundo e a mim mesma.

Tive a impressão de ter andado a esmo nesses anos em que fiquei separada até Pipo me chamar para ver uma gravação ali no Riocentro com ele. Não o conhecia pessoalmente mas saí de casa com a certeza de que algo tão grandioso como uma amizade estava para acontecer.

Lá fui eu. Pedra abandonada de uma grande altura.

Há dois dias estive em uma festa com o Pipo. Assustei-me, de cara, com a quantidade de mulheres lindas, altas, mega elegantes, muitas com vestidos colados mostrando curvas que nunca terei, calçando sandálias que minha coluna não mais permite nem chegar perto. Eu estava com meu metro e meio, de calça jeans e com uma blusa que a mãe do Pipo havia me emprestado.

No tempo todo em que estivemos lá, Pipo dançou, cantou alto, conversou, riu com vontade, comeu e bebeu. Sem tirar os olhos de mim. Por deus, como eu ovulava.

Teve um momento que olhei para todos.Veio essa parada de Aristóteles na minha cabeça naquele átimo de segundos.

Pensei que nunca imaginaria estar um dia naquele lugar com aquelas pessoas bacanas simulando um réveillon. Surpreendentemente, deboa.

De repente, voltei-me novamente para o Pipo. Eu o observei mais um tanto enquanto ele falava algo e eu nada ouvia. “Já andou escrevendo de novo né”, concluiu sorrindo.

Ele, incrivelmente sabe. Quando viajo.

Sou feita de um novo tipo de matéria que reage de uma forma que eu mesma tenho estranhado. O meu lugar natural hoje é no campo visual do Pipo. Sinto que estou em paz realizando a minha essência. Até dormir tenho conseguido.

Cá estou preenchida com uma leveza colorida.

Tal e qual uma bolinha de sabão.

3 comentários em “Lugar natural.

  1. Meu Deus, Elika! Adoro ler o que você escreve, porque é tão leve. Dá para terminar a leitura com o sorriso no rosto e com o compartilhamento de algumas das emoções que nos conta. Um dia, espero escrever tão leve quanto você. Feliz Ano Novo!

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