Fio anti democrático

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Meu cabelo está horrível e cada dia pior. Ele sempre teve muito brilho, um volume que me agradava, um caimento bacana para a estrutura dele. De uns tempos para cá, comecei a ter cabelos brancos e desatei a tacar tinta nele de 15 em 15 dias. Acho linda essa mulherada que assume os fios brancos, mas aqui eu mirei na Meryl Streep no filme O Diabo veste Prada e acertei na Bruxa do 71 do Chaves.

A tinta fez meu cabelo parecer cabelo de boneca que tem a juba lisa. Não consigo passar um pente porque ele está muito ressecado e embaraçado. Por outro lado, ele não é um cabelo cacheado. Dá-lhe escova, chapinha e coisas afins que têm deixado ele cada vez mais fraco e sem vida. O natural dele está confuso, indeciso como, por exemplo, muitos cidadãos brasileiros a respeito da paralisação dos caminhoneiros.

Daí hoje entrei numa dessas lojas que só vende produto para cabelo. Comprei um óleo de côco baratinho porque a Nara disse que tinha acabado o dela. Nara, minha filha, anda nessa vibe vegana e usa esse azeite de fruta para qualquer coisa seja de comer, de olhar, de transar ou de pentear.

Uma atendente muito simpática veio me perguntar se eu precisava de mais alguma coisa. Mostrei minha cabeleira para ela e a moça prontamente me ofereceu uns produtos mega profissionais e bem caros mas que “super iam valer a pena porque tinham óleo de Argan e Semi di Lino”, seja lá o que isso for. Parecia – pelo seu sorriso – ser tudo aquilo que essa crina caótica estava precisando.

Vim para casa e, como toda pessoa normal que compra produtos novos para cabelo, entrei no chuveiro e comecei a tacar de uma forma nada comedida os creminhos que iam me deixar com a cara da menina da embalagem.

Deixei secar naturalmente e tcharã! Nada de novo no front. Continuo brigada com o espelho. Gritei a Nara desesperadamente. Nara veio e mostrei a ela as mercadorias recém adquiridas e o resultado horroroooooso depois daquele processo super cuidadoso e pleno de esperanças como as que eu tenho com a restauração de nossa democracia.

Conversei com ela sobre ditadura militar, emendei o assunto no livro que estava lendo sobre politicamente correto e voltei o foco para meus fios que outrora tinha a cor da asa da graúna (tal como os da Iracema de José de Alencar) e agora estão na cor-Tonalizante-Casting-Creme-Gloss-400-castanho-claro-The-Walking-Dead-da-Loreal. Nara ouviu tudo com a mó atenção e perguntou quem foi que mandou eu comprar aquilo e quem foi que disse que aquilo era bom para mim.

Respondi baixinho e de cabeça baixa que foi a vendedora.

Ouvi sermão sobre como funciona o capitalismo, sobre sustentabilidade e cronograma de hidratação capilar. Nara, essa feminista marxista empoderada que mais parece um coronel, me mandou sentar e tacou metade do pote de óleo de côco nas minhas melenas irresolutas. Cá estou eu com as ideias deslizando de tão bezuntada que tá minha caixola sem saber no que isso vai dar. Tenho que ficar com isso por três horas.

Para o tempo passar mais rápido, vim dividir com vocês a minha ansiedade sobre o fio anti democrático que anda conduzindo nosso país e sobre o alinhamento da minha juba desnorteada. A única certeza é que se tudo der certo com o último, mesmo eu virando modelo de xampu, estou sempre pronta para me descabelar pela liberdade de nossos presos políticos. Porque uma mulher em paz com seus cabelos continua em guerra com quem ataca as suas ideias.

Batuquemos.

Choque de cultura: achou que não íamos falar da paralisação dos caminhoneiros? Achou errado, otário!

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Segue aqui minha humilde sugestão para um roteiro do programa Choque de Cultura.

Rogerinho do Ingá:

Você tava achando que a gente não ia falar da parada que tá rolando com os nossos companheiros caminhoneiros? Achou errado, otário! Tá começando mais um choque de cultura, programa cultural com os maiores nomes do transporte alternativo do país, sempre debatendo cultura e hoje: caminhão.

Vamo falar da paralisação dos caminhoneiros que é quando os caminhoneiros param, fazem churrasco, comem comida feita pelo MST e bebem uma cervejinha porque quem bebe não dirige!

Primeiramente temo que definir se é guerra ou nocaute. A população tá dividida. Quem começa? Maurílio!

Maurílio:

A atual paralisação no transporte rodoviário brasileiro é um momento que ilustra como, no setor, os interesses de trabalhadores e da empresas podem se alinhar. No momento em que uma crise afeta simultaneamente o faturamento de transportadoras e a renda de trabalhadores autônomos, demandas como o reajuste no preço do frete e a redução nos valores dos combustíveis podem facilmente se tornar pauta comum das duas part…

Rogerinho:

Maurílio, guerra ou nocaute! Se começar a explicar muito essa galera que só vê filme de 3 minutos vai dormir como a gente dormiu em 2001 uma odisséia no espaço. Se for pra fazer pensar, a gente vai fazer programa ensinando a jogar RPG.

Renan:

Me permita interromper, Rogerinho. Eu tô muito senfibilizado com esses pilotos que me ensinaram que no cruzamento a preferência é de quem tem mais coragem. Ver meus amigos tudo parado tá mexendo comigo porque eu sei o quanto eles gostam de correr.

Julinho:

Eu tô achando que é nocaute porque não tem uma ‘Central Única dos Caminhoneiros’ e parece que a população tá até sem legume com veneno pra comer. O povo tá endoidecendo, Rogerinho, porque tá com abstinência de agrotóxico!

Renan:

Eu não sei, Rogerinho. Guerra tem gente nova nas trincheiras. Só tem velho nessa paralisação!

Maurílio:

Eu queria observar, que os caminhoneiros formam uma categoria muito diferente, que tem experiência de greves em que foram um instrumental importante das classes patronais usadas para desestruturar, por exemplo, o governo de Salvador Allende no Chile.

Julinho:

Que Chile mané Chile. A gente tá falando de Venezuela.

Rogerinho:

Perfeito, Julinho! Tá faltando produtos básicos já e só se fala em Petróleo!

Julinho:

Mas parece que vai voltar tudo, Rogerinho. O presidente em exorcismo que congelou os investimentos na saúde por vinte anos disse que está preocupado com os insumos que não chegam nos hospitais e disse que vai negociar com os caminhoneiros.

Renan:

Julinho, é paradoxo o que chama isso. Rogerinho, me parefe que as empresas querem dar um nocaute porque têm algo como 55% do controle desse transforte, muitas dessas paralisafões podem ser decisão emprefarial sim, Rogerinho. Os 45% de caminhoneiros autônomos que restam, são muito afetados. Eles já estavam ganhando muito pouco, e o preço do combustível explodiu! Enquanto isso tinha motorista de uber oferecendo chokito. Inescrupulosos, Rogerinho!

Julinho:

O dono de um pequeno caminhão, quando presta serviço para uma grande empresa, ele é, ao mesmo tempo, um pequeno proprietário de um bem de produção importante e uma espécie de ‘proletário dos transportes’. Ele oscila entre esses dois.

Renan:

E se o caminhão for grande?

Rogerinho:

Não existe caminhão pequeno, rapá! Caminhão termina com ão porque é tudo grande!

Maurílio:

Estamos vendo um quadro crítico de recessão, que afeta o nosso amigo caminhoneiro e a nossa inimiga empresa. Nós estamos vivendo um processo em que há um interesse patronal e, ao mesmo tempo, uma revolta de nossos colegas de profissão caminhoneiros independentes, que não estão conseguindo se manter.

A gente não pode resumir como guerra se for coisa de trabalhador e nocaute se for de interesse de empresário. Não é tão simples assim essa situação…

Rogerinho:

Definiu muito bem, Maurílio! Se é coisa de trabalhador estamos em guerra, se não temos chance é nocaute! Vamos agora analisar os pontos fortes e pontos fracos dessa paralisação. Pontos fortes!

Renan:

Renanzinho não teve aula e eu pude ficar mais com ele.

Rogerinho:

Fez bem. Escola é um perigo. Por vezes a criança tá bem quietinha em casa, vai para a escola e volta falando coisa que a gente não entende. Ou morre no tiroteio.

Julinho! Pontos fortes da paralisação.

Julinho:

Memes.

Maurílio:

Voltei a ouvir alguns sucessos de Sula Miranda…

Rogerinho:

Para de falar de música, Maurílio! Isso aqui é um programa de cultura!

Julinho:

Ele não estava falando de música, Rogerinho.

Rogerinho:

Para terminar o programa: Pontos fracos da paralisação!

Maurílio:

As pessoas estão falando muito em trem e em melhoria do transporte ferroviário. Elas têm que manter o foco nas kombis e nas vans. E nada de explorar os animais porque isso não se faz.

Julinho:

O movimento sindical.

Renan:

Constituifão de 88. Eu tô querendo matar quem fala em intervenção militar, Rogerinho. Mas muitas vezes quem mata nesse país é tido como culpado!

Rogerinho:

Considerações finais. Quem quer fazer hoje as considerações finais?

Julinho:

Eu, Rogerinho. Queria dizer que esses radares têm multado demais a gente e que não há mais como burlar porque eles tiram foto! E esse guardas quando a gente fica puto e vem com pedaço de pau eles mostram logo a arma deles. Guarda tem essa mania de ficar multando quem usa celular e não tem a sensibilidade de entender que as vezes a gente precisa conversar quando dirige, eles acham perigoso mas não falam nada do cara que anda de moto com um motor que pode explodir entre as pernas…

Doutrinação marxista (?)

 

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Agora a moda é dizer que as escolas estão doutrinando alunos porque ensinam Marx. Reinaldo Azevedo, famoso colunista da Veja, disse que “o Brasil precisa de menos sociólogos e filósofos e de mais engenheiros que se expressem com clareza” condenando, como fica claro, a inserção dessas disciplinas no Ensino Médio.

Não foi sem propósito que havia – e há ainda – em muitas escolas muito mais tempos de aula de física, química, matemática do que história, geografia e agora filosofia e sociologia. O papel da ciência na formação dos jovens brasileiros para quem fez esse currículo – que muito serviu à ditadura – deveria ser somente o de possibilitar o domínio de técnicas para a melhoria do processo de trabalho, e não o domínio de técnicas de pesquisa para a investigação da realidade social brasileira. A sociologia e a filosofia sempre foram vistas como um dos melhores instrumentos para a formação de indivíduos com capacidade de questionar, investigar e compreender a realidade social. Não foi sem propósito que foi banida na época da ditadura e que agora sua inserção está sendo criticada por filósofos de direita como Olavo de Carvalho e colunistas da Veja.

Ensinar sociologia sem mencionar Marx é como ensinar física sem mencionar Newton e Biologia sem falar em Darwin. Se apresentar as ideias de um grande pensador é errado, prendam-me, por favor. Estou dando ferramentas para meu aluno pensar!

Mas sim, concordo que exercitar o início de um pensamento crítico e/ou reflexivo que leve o jovem a perceber em alguns antes desimportantes detalhes, fatos ou frases, as contradições, as desigualdades, a realidade a sua volta e que assim esse aluno possa se perceber em seu grupo, como parte deste grupo, se individuar, se compreender e compreender as diferenças, enfim, concordo que fazer o adolescente pensar em conceitos como ‘desenvolvimento social’, ‘ progresso’, ‘liberdade’ e tudo o mais pode ser extremamente arriscado para essa direita que usufruía bastante do antigo currículo sem filosofia e sociologia quando muitas escolas apenas adestravam os alunos para fazer provinhas de vestibular.

No mais, tudo que escreve é em defesa da continuidade da sociedade capitalista e sua desigualdade. Mas, nesse sentido, para esses colunistas da Veja isso não é uma “doutrinação”. A verdade é que somos CON-formados a aceitar nossa sociedade desigual desde a hora que nascemos. Isso posto, penso que ensinar Karl Marx é ensinar a ir além da aparência dessa desigualdade, é olhar para a história da formação do capitalismo e ver a necessidade de desnaturalizá-la, no sentido de entender que é construção histórica e, portanto, pode ser modificada.

Olavo de Carvalho e seus pares têm mesmo muito para se incomodar…

Para finalizar, segue a publicidade veiculada no jornal “O Globo” do programa “Fábrica de Escolas do Amanhã” da Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro feita há pouco anos.

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Cabeças baixas, padronização e esteira de produção criam o forte significado de serialidade. Certamente, a analogia com o vídeo “Another Brick in The Wall” é imediata, pela serialidade da padronização dos estudantes como tijolos que formam o muro do sistema. A esteira está descendo o plano da foto, outra observação. Não há elevação de espírito com esse sistema literalmente cinza.

Entre isso e o que chamam de “doutrinação marxista”, o que é preferível para a mente de nossas crianças?

E agora, Mané?

E agora, mané?
A gasolina acabou,
a pobreza aumentou,
o gás subiu,
o patrão se irritou,
e agora, mané?
e agora, você?
você que não passou fome
que zombou dos pobres,
você que é perverso
que trama, “protesta”
e agora, mané?

Não respeita mulher,
Não respeita o discurso,
Não respeita carinho,
já não pode receber,
já não pode gastar,
divertir já não pode,
a noite esfriou,
o uber não veio,
o táxi não veio,
o motorista não veio
não veio a empatia
A democracia acabou
A democracia sumiu
A democracia mofou,
e agora, mané?

E agora, mané?
Sua estúpida palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
seu raciocínio furreca,
sua palavra de agouro,
seu neurônio de vidro,
sua incoerência,
seu ódio – e agora?

Com o celular na mão
se faz de morta,
não há quem lhe suporta;
quer correr para conversar,
mas a paciência acabou;
quer ir para Miami,
Vôos não há mais!
Mané, e agora?

Se você pensasse,
se você algo lesse,
se você lembrasse
das aulas pertinentes,
se você ouvisse,
se você raciocinasse,
se você estudasse…
Mas você não acorda,
você é burro, mané!

Com o exército na rua
qual capitão do mato,
sem democracia,
sem algo que usufrua
para ostentar,
sem cavalo preto
Para fugir a galope,
você pasta, mané!
Mané, até quando?

(Revisitando Carlos Drummond – E agora, José?)

Coisa de petista

 

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Você sabe por que a gasolina está aumentando, empresas de ônibus trabalhando com metade da frota, caminhoneiros parados e aviões sem decolar por falta de combustível? Antes de responder essa, outra pergunta: por que você bateu panela quando a gasolina era menos da metade do que está agora e hoje, diante esse caos, você está mudo? Vou tentar enfrentar essas indagações baseada em tudo o que ando observando.

Para tanto, alguns outros questionamentos:

Por que você disse que não aguentava mais a corrupção e colocou no poder os maiores corruptos? Por que você não enxergou naquele episódio triste do julgamento do impeachment (Pela minha família, por Deus, pela minha cachorrinha eu voto sim!”) que aquilo era um circo de horrores e ficou feliz com cada voto a favor do afastamento da Dilma mesmo vendo o nível daqueles discursos? Por que você desprezou o áudio de Jucá? Por que você, à luz de tudo o que está acontecendo, não acredita até agora que seja golpe e ainda hoje fala que “o importante é que não viramos uma Venezuela”? Por que fica feliz com a prisão de Lula mesmo sabendo que grandes juristas do mundo apontaram falhas gravíssimas nesta sentença e que há políticos comprovadamente corruptos soltos e contra esses você não manifesta ódio algum? O que o PT fez de mal para você?

Considere a possibilidade de você ter sofrido (como aconteceu em outras épocas da história) um tipo de lavagem cerebral a ponto de fazer com que você bata palmas quando direitos trabalhistas a duras penas conquistados lhe são retirados e que esteja vendo um único inimigo na sua frente: o “comunista” ou o “esquerdopata”.

É claro que o governo no PT não foi perfeito. Vide o nosso congresso. Foi com isso que Lula e Dilma tiveram que lidar. Justifica, porém, tamanho ódio? Como isso foi alimentado em você?

O golpe foi dado para acontecer exatamente o que estamos vendo. Há uma pauta que não beneficia o povo e que jamais seria aprovada pelo voto. Daí a necessidade de se tomar o poder pela força e de sucatear nossas escolas e universidades públicas.

Indo ao ponto da gasolina. Depois do golpe – e para isso também ele foi efetivado – iniciou-se em 2016 o processo de privatização da Petrobrás.

Surfando na onda do desgaste de imagem provocado pelos escândalos revelados pela Operação Lava Jato, o governo mudou – utilizando de um discurso de Salvador da Pátria – a política de preços praticados pela empresa. Na época, muitos escreveram sobre o quão prejudicial isso seria para o povo. A classe média deu de ombros porque “têm que acabar mesmo com o controle do Estado”.

Essa medida tomada por Temer fez com as variações de preço do petróleo no mercado internacional influenciassem diretamente o preço de nossa gasolina. Ou seja, mudanças lá fora ditaram o que era para ser feito aqui dentro. Felicidade para os neoliberais porque o governo ficou sujeito às regras do mercado, onde o principal interesse é a rentabilidade especulativa. Que se dane a contribuição da empresa para o desenvolvimento econômico e social de nosso país, assim pensam eles.

Ao mudar a política de preços, Temer sabia que os baixos preços do barril do petróleo seriam modificados em algum momento futuro. Se Temer não tivesse alterado a política do reajuste, as regras de como se dá o preço do barril, a gasolina não estaria custando hoje 5 reais o litro.

Então, você que tem medo do comunismo e se diz a favor do livre mercado, saiba que é isso que acontece quando o governo perde a autonomia de regular o preço das coisas produzidas aqui dentro. Investidor quer lucro. Estado deve visar o bem social acima de qualquer coisa.

Mas isso de Estado controlador é “coisa de comunista”. Então, se vocês odeiam o controle do Estado e é a favor de empresários governando no lugar de políticos que buscam diminuir a desigualdade social não pode mesmo bater panela porque tudo o que está acontecendo é o que você quer e, por isso, você está mudo.

Há tempo de acordar ainda. Acreditar que a gasolina está aumentando semanalmente porque estão tentando salvar a Petrobrás e resolver os problemas causados pelo PT é de uma ingenuidade sem tamanho.

Há possibilidade do preço do litro da gasolina diminuir? Acreditar nisso é acreditar em conto de fadas. Há um cartel dominando os postos de gasolina e o governo não tem mais como segurar esse valor pelas novas regras criadas depois do golpe.

Estado interventor e combater cartéis são coisas típicas de petista. Não sem razão, orgulho-me de ser pré candidata a deputada estadual por esse partido.

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O que o beijo uniu, a distância não separa.

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Nasci feminista como todas as pessoas neste planeta. Como qualquer criança, quis entender as regras do mundo. Quando, aos onze anos, minha mãe me explicou o que significa o vestido branco da noiva, rejeitei para sempre a ideia de adentrar uma igreja para me casar.  A imagem de todos me olhando sabendo que eu ia ter uma relação sexual pela primeira vez naquela noite me enchia de constrangimento. Como pode essa exposição de uma intimidade que só diz respeito à moça e ao rapaz?

O tempo passou. Vi várias amigas casando na Igreja, sendo levadas pelos pais até o altar e entregues ao marido. Outra coisa que sempre tive horror. A conotação disso para mim sempre foi forte e aterrorizante demais. É como se elas jamais fossem livres e sempre dependessem de um homem para protegê-las. Primeiramente o pai, depois, o marido. Idem com a mudança de sobrenome. Sempre falei que nasci Elika Takimoto e não haveria macho nesta Terra que me faria morrer com outro nome. A minha identidade jamais esteve  suscetível à mudança.

Casei-me no civil e não tive sequer uma festa. Ainda que me emocionasse em todos os casamentos que fui por entender o motivo da celebração, jamais senti falta de algo semelhante porque, não importa a religião, continuamente havia uma acepção machista nas cerimônias que presenciei. Sempre tive um excesso de cuidado comigo mesma.

Por crer na existência da felicidade como os seres humanos que bebem o vinho acreditando sorver o sangue de Jesus, dei adeus àquele que me viu lendo mais de duzentos livros porque ouvi uma outra vida me chamando. Separei-me desejando – com a mesma determinação daqueles que lançam um chinelo para matar um barata – nunca mais amar. Não havia mais o menor sentido eu, com quatro décadas de existência, viver em busca de um príncipe encantado. 

Houve a confirmação de que uma separação é sim um bicho de sete cabeças. Mas, constatei também que esse monstro morre fácil até quando encostamos em sua barriga uma faca de manteiga. Houve aquele famoso encontro comigo mesma, o sentimento de plenitude mesmo se vendo sozinha no mundo. Houve o tal do empoderamento. O reconhecimento de uma força que jamais supus ter.

A matemática da vida, no entanto, não tem a mesma lógica das quatro operações. Eu, completa como um transatlântico e livre no mar, atraquei-me em um porto, depois de anos navegando sem companhia, mesmo tendo feito a âncora virar pó. Andando inteira, deparei-me com alguém que fez um quarto ser meu paraíso. Não me dividi, mas dupliquei-me e hoje, para sermos um, juntamos nossas quatro partes.

Antes de nos vermos pessoalmente pela primeira vez, vejam vocês, pedi para que ele me aceitasse como sua esposa. Havia um não-sei-quê que eu não conseguira explicar, mas que me alegrava com mesma intensidade de quando senti a temperatura do mar do nordeste. Algo estava acontecendo que não admitia racionalizações. Não tinha vontade de pertencer a ninguém no sentido capitalista e simbolizado nos rituais de união que vemos por aí. Mas, na conexão que foi feita e consolidada após o primeiro beijo, constatei uma forma de existir parecida com o que acontece quando decompomos a luz branca em um espectro de várias cores.

Continuo sem querer ver ninguém me esperando em um altar enquanto eu ando em sua direção. Sigo firme abominando a ideia de usar um vestido branco. O que me assombra é essa primordialidade de um ritual que sacramente esse reconhecimento de que há magia, ainda que os príncipes não existam. De entrar de mãos dadas com ele em vários templos. De agradecer de joelhos sabe deus para quem já que sou ateia. Mas, Senhor, preciso dizer muito obrigada por ter entendido, enfim, para que servem os fogos nas festas de reveillon.

O que me surpreende é essa necessidade de que esse encontro, em um local sagrado,  seja abençoado por uma mulher negra como a Elza Soares, por exemplo. Nesse lugar iluminado preferencialmente pelas estrelas, mas que tenha ao menos uma vela acesa, quero lhe prometer todo o meu amor que é da mesma natureza do que sente a águia quando busca as alturas.

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Não costumo pensar nisso todo dia não. Mas hoje, como só se falou do casamento de Harry e Meghan Markle, queria deixar registrado que há coisas grandiosas acontecendo também no Brasil.

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A cueca do Pipo

Reza a lenda que quando esquecemos algo em algum lugar é o nosso íntimo trabalhando para que voltemos para aquele local do qual não queríamos sair. Por mais que tomemos cuidado, uma mera piscada já é o suficiente para que nosso inconsciente nos pregue uma peça.

Isso posto, vamos aos fatos.

Pipo, o amor da minha vida, mora em Brasília e eu no Rio. De vez em quando, ele vai voando literalmente para minha casa e passa uns tempos comigo e vice versa. Da última vez, ele ficou uns 20 dias no meu cafofo. Foi lindo.

Meu quarto é uma suíte meia boca. Tem um micro banheiro ao lado da cama. Há outro tualéte, chamemos assim para valorizar o barraco, para todes os demais que o frequentam e moram comigo. Nara, Hideo, Sara (namorada do Hideo), Daniel (maride da Nara), Yuki, Ricciuto,…

Pipo lindo, outro dia, saiu do nosso banheiro vestido somente com uma cueca cinza fofa fofa fofa dizendo que o pai dele havia ganhado aquilo de presente, não gostou e deu para ele. Daí, meu príncipe, sem noção do perigo, virava de costas e de frente falando que aquilo não era nem cueca nem samba-canção e que, de fato, ele estava se achando estranho. Eu estava sentada na cama lendo, mas ao ver aquele Deus grego semi nu metralhei óvulos segurando a biografia do Leonardo da Vinci.

Pipo ah-droga-que-triste voltou para Brasília. No dia seguinte, fui tomar banho. Eu, a saudade encarnada, vi a cuequinha dele no meu banheiro secando na janela. Mandei mensagem dizendo que ele havia se esquecido de algo e ele ficou calado porque não é mesmo de interagir via Whatsapp. Falei que era uma cueca e Pipo mudou de assunto.

Tímido ele. Fofo fofo fofo.

Ficaríamos dias separados por uma distância de mais de mil quilômetros. Fiz o que qualquer pessoa normal faria. Dormi cheirando a cueca do meu amor. Vesti para ver se cabia. Deu certinho. Mega confortável. Nascemos um para o outro e vamos dividir até isso. Belabelabela nossa história. Coloquei a cueca cuticuti na cabeça em forma de touca enquanto lia porque sou dessas mega românticas. Levei para o trabalho na minha bolsa. Mostrei para as amigas para provar que ele havia sim senhoras esquecido algo e que, portanto, me amava e ia voltar. Ficava abraçada com ela como se fosse um ursinho de pelúcia, na verdade, como se ele estivesse ali dentro. Ele. Meu ursinho de pelúcia. Fofuréééésimo.

Daí vim para Brasília. Na mala, trouxe a cuequinha linda do Pipo para devolver. Fiquei aqui uns dias e hoje, ao me despedir dele, entreguei-a com todo carinho dizendo o quanto nos aventurados juntas. Qual foi minha surpresa ao ouvir:

– Amor, não conheço essa cueca.

Tóin tóin tóin. Mil martelos de borracha bateram na minha cabeça.

– Mas como não?! Era a cueca que seu pai te deu, amor! Aquela que não era nem barro nem tijolo!

Ele fazia que não com a cabeça. Foi até o armário dele e me mostrou as pseudos cuecas que seu Garcia havia lhe dado.

Mas gente. De quem era aquilo que cafunguei tanto e levei para os confins mais perversos de minha mente?! Será que fiquei com a cueca do Hideo como se fosse uma máscara de oxigênio nas minhas noites insones? Ou meodeos. Não me diga que inspirei o pano que cobriu o rabo do Daniel? Jesus. Que nojo.

Enquanto surtava, Pipo analisava a peça com cuidado e viu a etiqueta escrito Lovi.

– Amor. Nenhuma peça masculina tem etiqueta escrito Lovi, disse ele todo no século passado mesmo sabendo que tenho que esconder minhas saias do Daniel que adora usá-las.

– Mas isso é uma cueca, Pipo! Sua cueca!

– Não, amor. Não é minha e não existe cueca com etiqueta assim!

Grosso.

Era dele. Tinha que ser dele. Não havia outra explicação.

Momentos de tensão com a minha vida inteira passando pela minha mente.

Coloquei a foto da peça íntima no grupo do whats do qual participam meus filhos, Pipo, meu mano Ricciuto que já dormiu lá em casa e os demais agregades. Perguntei se alguém sabia de quem era aquilo.

Silêncio.

Mensagem entregue a todos.

Mensagem lida por todos.

Mais silêncio.

Nara digitando.

– Mãe! Minha calcinha preferida! O que você está fazendo com ela em Brasília?!

Vixi Maria que o mundo tá mesmo acabando.

Era a vaca da Nara que não sabe nem que calcinha é algo pequeno, rosinha, delicadinho e não um cirolão cinza feito com tecido de meia grossa. E que diabos a Nara estava usando meu banheiro e pendurando roupa íntima na janela com Pipo lá em casa?

Gente. Tudo errado…

Falei com detalhes para todes o que fiz com aquele pedaço de pano porque sou dessas de ir para o inferno acompanhada.

Hideo falou que vai ter que fazer dez anos de terapia para lidar com tanta informação. Daniel suspirou aliviado por não ser a cueca dele.

Nara, a desconstruidona, explicou-me calmamente que aquilo era uma calcinha-box. Coisa horrorosa, brochante, ridícula. E que tomou banho quando eu e Pipo não estávamos lá porque o outro banheiro estava ocupado e ela estava muito atrasada um dia aê. Esqueceu-se de tirar aquela bandeira feminista da janela. Só isso que essa loka fez na minha vida.

Cá estou eu voltando de Brasília com cara de paisagem refletindo sobre a vida depois que descobri que fiquei dias cheirando alucinadamente a cirola da Nara.

Ah gente. Que vida difícil essa viu. Como lidar com o fato do Pipo não ter esquecido nada lá em casa?

Come, meu filho.

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Galileu: Mãe, descobri que todo mundo cai ao mesmo tempo de uma mesma altura independente da massa!

Mãe: Você não é todo mundo, Galileu.

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Newton: Mãe, descobri que dois corpos com massa se atraem com uma força que é o inverso do quadrado da distância entre eles!

Mãe: Você não fez mais do que a sua obrigação, Isaque.

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Einstein: Mãe, descobri que o espaço é curvo e que passado, presente e futuro podem ser uma ilusão da nossa mente!

Mãe: Come, Alberto.

Feliz dia das mães imperfeitas!

O dia das mães vem me trazendo reflexões. Eu que nasci feminista – como todos nascemos por não entender a diferença de tratamento entre gêneros porque toda forma de amor é natural e todo preconceito cultural – já fui neta, filha e hoje sou mãe imersa nesse mundo que não para de girar e se transformar. Trocamos as rodas do carro com ele em movimento. Haja habilidade para não capotarmos.

Lembrei-me hoje de minha avó que se casou ainda adolescente e pariu dezesseis crianças ao longo de sua breve estadia por aqui. A vida dela foi cuidar de casa, obedecer meu avô e ser mãe de mais de uma dúzia de gente. Ela e meu avô fizeram bodas de diamante e ouvi, na época, que era um casal que deveríamos nos espelhar. Que tipo de inspiração poderia buscar vendo uma mulher que nunca teve um projeto de vida já que lhe foi imposta a única opção de nascer para criar uma família e cuidar dos filhos pois havia nascido mulher?

Com minha mãe não foi muito diferente. Era, de fato, raro ver mãe de alguém trabalhando fora há uns 40, 30, 20 anos. Sempre vi minha mãe limpando casa e na cozinha reclamando o quanto odiava fazer comida por obrigação. Daí, lembrando lembrando, lembrei que ela viu um prédio novo e disse: “Trabalho de homem é assim. A gente vê. O de mulher não. Todo dia a mesma coisa. Não se constrói nada. Não tem beleza alguma.” Eu era criança quando ouvi esse lamento e ver minha mãe com o olhar perdido me deixou aflita. Quis acalmá-la e falei que, se ela deixasse de fazer o que faz, todos iam perceber a importância de seu trabalho. Não foi bem com essas palavras, mas foi isso que quis dizer.

Houve um dia em que fui ajudá-la a lavar louça e ela me expulsou da cozinha. Larga isso, Elika!, ela disse, vai estudar para nunca ter que fazer isso na vida. A fala foi carregada de uma amargura que eu vi, ao longo dessa caminhada até aqui, nos olhos de muitas outras mulheres que conheci. Não era um discurso, digamos, comunista já que ela queria que eu ganhasse muitos dinheiros para poder pagar alguém que fizesse o trabalho braçal para mim, mas era uma oração de amor materno. Esse amor serviçal, escravo, mas amor também porque não são todas as relações humanas que podem ser explicadas por vias marxistas.

Cá estou eu – que passei por portas abertas por outras mulheres que me permitiram uma vida diferente de minha mãe e de minha avó -, mulher-mãe em plena metamorfose entre romantizar o dia de hoje, dizer que ser mãe é a coisa mais maravilhosa que pode acontecer com quem carrega os cromossomos XX ou fazer textão e alertar que todas as flores que estamos recebendo é trabalho de um sistema patriarcal que inventa essa beleza na maternidade pois uma mãe, vista por este ângulo, é uma mulher com muito menos tempo de incomodar e de reivindicar seus direitos na sociedade.

Nem tanto ao céu. Nem tanto à Terra. Na verdade, parei para pensar em tudo isso porque hoje é o primeiro dia das mães que passo longe dos meus filhos e de minha mãe porque estou em Brasília sendo feliz neste fim de semana ao lado de um ser humano que me devolveu a alegria de ser mulher.

Conversei com todas as pessoas que pari nesta vida. Pedi que entendessem a minha ausência, justifiquei-a dizendo que estou amando novamente e que estar aqui no segundo domingo de Maio não deveria ser motivo para que não comemorássemos a data pois estou feliz e militando pelo direito de amar sem cabresto seja de pai, de filho ou do espírito de porco.

O dia tem corrido bem. Estou tendo sucesso em exorcizar o demônio da culpa e mostrar para minha filha que não transgredimos quando andamos em direção ao que nos fortalece seja lá em que data do ano isso acontecer. Cometeria um delito se me negasse esse impulso e não abrisse a porteira para ela.

Às mães perfeitas, desejo que o dia de hoje ajude a equilibrar o peso dessa cruz que colocaram em seus ombros. A todas as outras tão imperfeitas como eu, que são criminalizadas por insistirem em escrever uma história da qual se orgulhem de cada parágrafo repleto de pecados pelos quais jamais vão pedir perdão, ergam de onde estiverem seus copos e encoste aqui no meu.

Tim tim.

Ela. A anã. Eu. A pequena.

Eu vi uma anã andando no centro da cidade. Não era uma anã comum. Era tão pequena que jamais me dei ao trabalho de imaginá-la por supor a sua inexistência. Sabia que se contasse sobre sua metragem ninguém acreditaria em mim. Sua presença, entretanto, foi tão perturbadora que não consigo deixar de falar o quanto eu vi.

Ela entrou no prédio e observei que seus olhos ficavam na altura do joelho do guarda que a cumprimentou e levou-a até o elevador. Seus pés eram minúsculos e suas mãos menores que meu dedo mindinho.

Não sonhei. Não estou exagerando. Talvez seja uma das menores anãs do mundo.

O ponto é o que ocorria em mim minutos antes de eu ver essa anã.

Estava esperando uns amigos para o almoço. Não mexia no celular com medo de ser assaltada. Olhava o cosmos sem esforço porque me avisaram que chegariam em quinze minutos. Em uma das esquinas da Almirante Barroso eu era um ser livre que observava tudo, sem peso e sem compromisso. Respirava apenas por estar viva e à toa.

Não pensava no Brasil. Não pensava nas injustiças. Não pensava nos boletos. Não pensava nos filhos, na minha mãe, no meu pai e no Pipo. Estava satisfeita com o ar poluído que inspirava. Desfrutava a dádiva de ignorar o mundo e todo o meu amor por ele.

Isso era novo para mim. Apenas esperava sem ansiedade, sem ler notícia, sem esperança mas também sem desespero. Liberdade parece ser algo parecido com esse estado no qual me encontrava observando sei lá meu deus. Estava em silêncio como aqueles que sentem uma flor brotando em um rim. Era finalmente feliz a despeito da fome no universo. Levitava ao desconectar-me da Terra.

Foi quando ela, minúscula, apareceu.

Ela. Que não consegue pegar ônibus, que não consegue ir a um banheiro público, que não consegue beber água nem mesmo em bebedouros feitos para anões por ser uma anã entre os seus. Que não consegue abrir nenhuma porta. Que não alcança as janelas. Ela em um mundo que não foi feito para recebê-la. Andava sorrindo dando boa tarde para o porteiro.

Eu a reverenciei com meu amor solene e meu pré-conceito julgando-a infeliz por nascer numa sociedade inadequada. Sua alegria me confundia em muitos níveis e fiquei irritada por estar refletindo sobre o conceito de perfeição vendo intensamente uma anã anã.

Eu. Com sete graus de miopia. Eu. Deficiente auditiva. Eu. Cercada de moradores de rua. Eu. Plena de limites. Eu que não vou ao cinema sozinha. Eu que vivo isolada. Eu. Ateia duvidei novamente de Deus quando vi uma anã.

Porque o tamanho do que realmente somos se mede na interação com o outro. E a pequena ali era eu. Porque sempre fui de me indignar muito. Indignar-me é meu ato principal. E os mendigos que dividiam a calçada comigo não impediram que eu sentisse a liberdade plena. Porque foi a anã que me fez tornar íntima da realidade, ela que era tão vista por ser quase invisível. Porque me achei primorosa demais por não ser percebida.

Não era uma anã andando no centro da cidade e sim um ser humano perfeito caminhando alegremente em um mundo inapropriado.

 

 

 


Não consegui descobrir quem ilustrou a figura para dar os créditos.