Feliz dia das mães imperfeitas!

O dia das mães vem me trazendo reflexões. Eu que nasci feminista – como todos nascemos por não entender a diferença de tratamento entre gêneros porque toda forma de amor é natural e todo preconceito cultural – já fui neta, filha e hoje sou mãe imersa nesse mundo que não para de girar e se transformar. Trocamos as rodas do carro com ele em movimento. Haja habilidade para não capotarmos.

Lembrei-me hoje de minha avó que se casou ainda adolescente e pariu dezesseis crianças ao longo de sua breve estadia por aqui. A vida dela foi cuidar de casa, obedecer meu avô e ser mãe de mais de uma dúzia de gente. Ela e meu avô fizeram bodas de diamante e ouvi, na época, que era um casal que deveríamos nos espelhar. Que tipo de inspiração poderia buscar vendo uma mulher que nunca teve um projeto de vida já que lhe foi imposta a única opção de nascer para criar uma família e cuidar dos filhos pois havia nascido mulher?

Com minha mãe não foi muito diferente. Era, de fato, raro ver mãe de alguém trabalhando fora há uns 40, 30, 20 anos. Sempre vi minha mãe limpando casa e na cozinha reclamando o quanto odiava fazer comida por obrigação. Daí, lembrando lembrando, lembrei que ela viu um prédio novo e disse: “Trabalho de homem é assim. A gente vê. O de mulher não. Todo dia a mesma coisa. Não se constrói nada. Não tem beleza alguma.” Eu era criança quando ouvi esse lamento e ver minha mãe com o olhar perdido me deixou aflita. Quis acalmá-la e falei que, se ela deixasse de fazer o que faz, todos iam perceber a importância de seu trabalho. Não foi bem com essas palavras, mas foi isso que quis dizer.

Houve um dia em que fui ajudá-la a lavar louça e ela me expulsou da cozinha. Larga isso, Elika!, ela disse, vai estudar para nunca ter que fazer isso na vida. A fala foi carregada de uma amargura que eu vi, ao longo dessa caminhada até aqui, nos olhos de muitas outras mulheres que conheci. Não era um discurso, digamos, comunista já que ela queria que eu ganhasse muitos dinheiros para poder pagar alguém que fizesse o trabalho braçal para mim, mas era uma oração de amor materno. Esse amor serviçal, escravo, mas amor também porque não são todas as relações humanas que podem ser explicadas por vias marxistas.

Cá estou eu – que passei por portas abertas por outras mulheres que me permitiram uma vida diferente de minha mãe e de minha avó -, mulher-mãe em plena metamorfose entre romantizar o dia de hoje, dizer que ser mãe é a coisa mais maravilhosa que pode acontecer com quem carrega os cromossomos XX ou fazer textão e alertar que todas as flores que estamos recebendo é trabalho de um sistema patriarcal que inventa essa beleza na maternidade pois uma mãe, vista por este ângulo, é uma mulher com muito menos tempo de incomodar e de reivindicar seus direitos na sociedade.

Nem tanto ao céu. Nem tanto à Terra. Na verdade, parei para pensar em tudo isso porque hoje é o primeiro dia das mães que passo longe dos meus filhos e de minha mãe porque estou em Brasília sendo feliz neste fim de semana ao lado de um ser humano que me devolveu a alegria de ser mulher.

Conversei com todas as pessoas que pari nesta vida. Pedi que entendessem a minha ausência, justifiquei-a dizendo que estou amando novamente e que estar aqui no segundo domingo de Maio não deveria ser motivo para que não comemorássemos a data pois estou feliz e militando pelo direito de amar sem cabresto seja de pai, de filho ou do espírito de porco.

O dia tem corrido bem. Estou tendo sucesso em exorcizar o demônio da culpa e mostrar para minha filha que não transgredimos quando andamos em direção ao que nos fortalece seja lá em que data do ano isso acontecer. Cometeria um delito se me negasse esse impulso e não abrisse a porteira para ela.

Às mães perfeitas, desejo que o dia de hoje ajude a equilibrar o peso dessa cruz que colocaram em seus ombros. A todas as outras tão imperfeitas como eu, que são criminalizadas por insistirem em escrever uma história da qual se orgulhem de cada parágrafo repleto de pecados pelos quais jamais vão pedir perdão, ergam de onde estiverem seus copos e encoste aqui no meu.

Tim tim.

2 comentários em “Feliz dia das mães imperfeitas!

  1. Também sou uma mãe imperfeita e é triste pensar no que nossas mães e as mães delas tiveram que abrir mão na vida para que pudéssemos voar mais alto. Sair do ciclo da culpa e nos enxergamos mulher para além desse ofício é trabalhoso, mas absolutamente necessário. Seu texto me emocionou muito, obrigada! E Feliz Dia das Mães!

    Curtir

Participe! Comente você também!