O que o beijo uniu, a distância não separa.

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Nasci feminista como todas as pessoas neste planeta. Como qualquer criança, quis entender as regras do mundo. Quando, aos onze anos, minha mãe me explicou o que significa o vestido branco da noiva, rejeitei para sempre a ideia de adentrar uma igreja para me casar.  A imagem de todos me olhando sabendo que eu ia ter uma relação sexual pela primeira vez naquela noite me enchia de constrangimento. Como pode essa exposição de uma intimidade que só diz respeito à moça e ao rapaz?

O tempo passou. Vi várias amigas casando na Igreja, sendo levadas pelos pais até o altar e entregues ao marido. Outra coisa que sempre tive horror. A conotação disso para mim sempre foi forte e aterrorizante demais. É como se elas jamais fossem livres e sempre dependessem de um homem para protegê-las. Primeiramente o pai, depois, o marido. Idem com a mudança de sobrenome. Sempre falei que nasci Elika Takimoto e não haveria macho nesta Terra que me faria morrer com outro nome. A minha identidade jamais esteve  suscetível à mudança.

Casei-me no civil e não tive sequer uma festa. Ainda que me emocionasse em todos os casamentos que fui por entender o motivo da celebração, jamais senti falta de algo semelhante porque, não importa a religião, continuamente havia uma acepção machista nas cerimônias que presenciei. Sempre tive um excesso de cuidado comigo mesma.

Por crer na existência da felicidade como os seres humanos que bebem o vinho acreditando sorver o sangue de Jesus, dei adeus àquele que me viu lendo mais de duzentos livros porque ouvi uma outra vida me chamando. Separei-me desejando – com a mesma determinação daqueles que lançam um chinelo para matar um barata – nunca mais amar. Não havia mais o menor sentido eu, com quatro décadas de existência, viver em busca de um príncipe encantado. 

Houve a confirmação de que uma separação é sim um bicho de sete cabeças. Mas, constatei também que esse monstro morre fácil até quando encostamos em sua barriga uma faca de manteiga. Houve aquele famoso encontro comigo mesma, o sentimento de plenitude mesmo se vendo sozinha no mundo. Houve o tal do empoderamento. O reconhecimento de uma força que jamais supus ter.

A matemática da vida, no entanto, não tem a mesma lógica das quatro operações. Eu, completa como um transatlântico e livre no mar, atraquei-me em um porto, depois de anos navegando sem companhia, mesmo tendo feito a âncora virar pó. Andando inteira, deparei-me com alguém que fez um quarto ser meu paraíso. Não me dividi, mas dupliquei-me e hoje, para sermos um, juntamos nossas quatro partes.

Antes de nos vermos pessoalmente pela primeira vez, vejam vocês, pedi para que ele me aceitasse como sua esposa. Havia um não-sei-quê que eu não conseguira explicar, mas que me alegrava com mesma intensidade de quando senti a temperatura do mar do nordeste. Algo estava acontecendo que não admitia racionalizações. Não tinha vontade de pertencer a ninguém no sentido capitalista e simbolizado nos rituais de união que vemos por aí. Mas, na conexão que foi feita e consolidada após o primeiro beijo, constatei uma forma de existir parecida com o que acontece quando decompomos a luz branca em um espectro de várias cores.

Continuo sem querer ver ninguém me esperando em um altar enquanto eu ando em sua direção. Sigo firme abominando a ideia de usar um vestido branco. O que me assombra é essa primordialidade de um ritual que sacramente esse reconhecimento de que há magia, ainda que os príncipes não existam. De entrar de mãos dadas com ele em vários templos. De agradecer de joelhos sabe deus para quem já que sou ateia. Mas, Senhor, preciso dizer muito obrigada por ter entendido, enfim, para que servem os fogos nas festas de reveillon.

O que me surpreende é essa necessidade de que esse encontro, em um local sagrado,  seja abençoado por uma mulher negra como a Elza Soares, por exemplo. Nesse lugar iluminado preferencialmente pelas estrelas, mas que tenha ao menos uma vela acesa, quero lhe prometer todo o meu amor que é da mesma natureza do que sente a águia quando busca as alturas.

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Não costumo pensar nisso todo dia não. Mas hoje, como só se falou do casamento de Harry e Meghan Markle, queria deixar registrado que há coisas grandiosas acontecendo também no Brasil.

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4 comentários em “O que o beijo uniu, a distância não separa.

  1. Nem sei o que dizer, acho que fiz uma grande descoberta lendo esse teu texto, fantastico como todos os outros; sempre me senti dessa forma em relação ao casamento, nunca foi meu sonho, nem de menina moça e nem de mulher, so que eu acabei casando na igreja. Meu único gesto de protesto foi -eu caso, mas nao boto vestido de noiva- . E não botei .
    Mas quanto a descoberta, senti que os meus motivos podem ter sido sim essas questoes de machismo e feminismo, mas que na epoca nao haviam despertado em mim. Hoje aos 60 anos, casada a 35, dois filhos maravilhosos e uma neta, me descubro feminista de esquerda e mais pra anarquista que comunista, ( conceitos esses que aprendi com meus adorados filho e filha. Nao há como voltar no tempo, nem gostaria pois perderia muita coisa importante, mas na outra encarnação serei tipo assim uma Elika Takimoto. hehe

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