Fio anti democrático

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Meu cabelo está horrível e cada dia pior. Ele sempre teve muito brilho, um volume que me agradava, um caimento bacana para a estrutura dele. De uns tempos para cá, comecei a ter cabelos brancos e desatei a tacar tinta nele de 15 em 15 dias. Acho linda essa mulherada que assume os fios brancos, mas aqui eu mirei na Meryl Streep no filme O Diabo veste Prada e acertei na Bruxa do 71 do Chaves.

A tinta fez meu cabelo parecer cabelo de boneca que tem a juba lisa. Não consigo passar um pente porque ele está muito ressecado e embaraçado. Por outro lado, ele não é um cabelo cacheado. Dá-lhe escova, chapinha e coisas afins que têm deixado ele cada vez mais fraco e sem vida. O natural dele está confuso, indeciso como, por exemplo, muitos cidadãos brasileiros a respeito da paralisação dos caminhoneiros.

Daí hoje entrei numa dessas lojas que só vende produto para cabelo. Comprei um óleo de côco baratinho porque a Nara disse que tinha acabado o dela. Nara, minha filha, anda nessa vibe vegana e usa esse azeite de fruta para qualquer coisa seja de comer, de olhar, de transar ou de pentear.

Uma atendente muito simpática veio me perguntar se eu precisava de mais alguma coisa. Mostrei minha cabeleira para ela e a moça prontamente me ofereceu uns produtos mega profissionais e bem caros mas que “super iam valer a pena porque tinham óleo de Argan e Semi di Lino”, seja lá o que isso for. Parecia – pelo seu sorriso – ser tudo aquilo que essa crina caótica estava precisando.

Vim para casa e, como toda pessoa normal que compra produtos novos para cabelo, entrei no chuveiro e comecei a tacar de uma forma nada comedida os creminhos que iam me deixar com a cara da menina da embalagem.

Deixei secar naturalmente e tcharã! Nada de novo no front. Continuo brigada com o espelho. Gritei a Nara desesperadamente. Nara veio e mostrei a ela as mercadorias recém adquiridas e o resultado horroroooooso depois daquele processo super cuidadoso e pleno de esperanças como as que eu tenho com a restauração de nossa democracia.

Conversei com ela sobre ditadura militar, emendei o assunto no livro que estava lendo sobre politicamente correto e voltei o foco para meus fios que outrora tinha a cor da asa da graúna (tal como os da Iracema de José de Alencar) e agora estão na cor-Tonalizante-Casting-Creme-Gloss-400-castanho-claro-The-Walking-Dead-da-Loreal. Nara ouviu tudo com a mó atenção e perguntou quem foi que mandou eu comprar aquilo e quem foi que disse que aquilo era bom para mim.

Respondi baixinho e de cabeça baixa que foi a vendedora.

Ouvi sermão sobre como funciona o capitalismo, sobre sustentabilidade e cronograma de hidratação capilar. Nara, essa feminista marxista empoderada que mais parece um coronel, me mandou sentar e tacou metade do pote de óleo de côco nas minhas melenas irresolutas. Cá estou eu com as ideias deslizando de tão bezuntada que tá minha caixola sem saber no que isso vai dar. Tenho que ficar com isso por três horas.

Para o tempo passar mais rápido, vim dividir com vocês a minha ansiedade sobre o fio anti democrático que anda conduzindo nosso país e sobre o alinhamento da minha juba desnorteada. A única certeza é que se tudo der certo com o último, mesmo eu virando modelo de xampu, estou sempre pronta para me descabelar pela liberdade de nossos presos políticos. Porque uma mulher em paz com seus cabelos continua em guerra com quem ataca as suas ideias.

Batuquemos.

Um comentário em “Fio anti democrático

  1. Comecei a pintar meu cabelo, por causa dos fios brancos, há cerca de 5 anos. Mas sempre sofri com os efeitos que vc descreveu. Há 40 dias resolvi mudar para a Henna da Casa da Índia e gostei muito – vou ficar nela agora. Não agride os cabelos e deixa os fios brancos meio avermelhados, parecendo luzes. Custa R$ 26 um pacote de Henna… Recomendo!

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