Castração não é a solução.

Não defendemos a castração química em caso de estupro porque isso não resolve nosso problema.

Desenhando para entenderem:

1- Homens castrados quimicamente estupram.

2- Estupro não se resume a ato sexual.

3- Não é só um pênis que entra em uma vagina.

Para quem não leu:

Artigo 213 do Código Penal. O estupro consiste em “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. A pena é de seis a dez anos de prisão.

Estupro tem a ver com o subjugamento da mulher. Um beijo forçado, segundo a lei, pode ser considerado estupro. E é. A castração química pressupõe que os estupros são causados pela libido incontrolável, em vez de considerá-los crimes de poder e de controle. Um homem castrado quimicamente poderia continuar tendo atitudes violentas contra mulheres, ainda que não conseguisse consumar o ato sexual pela penetração, mas inserindo objetos e cometendo outras formas de agressão.

Estupro é sobre violência, não sobre sexo. Esse é o ponto principal.

Definitivamente, essa não é a solução. Precisamos combater a cultura do estupro e a violência contra a mulher. Isso sim seria eficaz, pois somente através desse enfrentamento conseguiríamos ensinar a população a essência das palavras “respeito” e “consentimento”.

Mas mais do que isso. A medida seria uma perfumaria pois tem um prazo de duração irrisório. Queremos mudanças efetivas e não uma maquiagem para disfarçar o problema real.

Depois que o efeito passa (e é rápido esse efeito), o criminoso pode voltar a ter ereção. E, durante o efeito, ele não está impossibilitado de estuprar porque o estupro já é cometido por muitos homens que possuem dificuldade em ter ereção, vale observar.

No mais, a medida não teria garantias, pois o resultado depende da mente de cada paciente e, como já apontaram vários especialistas de saúde, pode ser revertido com ingestão de Viagra, por exemplo.

Se levarmos em consideração o fato de que isso pode destruir o organismo do cara todo podendo comprometer fígado, rins, causar diabetes, retardo cognitivo, etc., enfim, se refletirmos sobre isso, a castração parece ainda mais controversa. Vejamos:

“Quero mais é que ele morra!” não pode ser argumento, a meu ver, porque, se assim for, temos que pular da castração para discutir a pena de morte de uma vez. A medida da castração configura um tratamento altamente desumano ou degradante que se equipara à tortura e interfere na integridade física e moral do estuprador e o mais importante: sem garantia alguma de que ele deixará de ser violento.

Não é isso definitivamente que queremos.

Não precisamos nos tornar seres iguais ou até piores que o estuprador para impedir que o estupro aconteça em nossa sociedade. Há outros caminhos que indicam ser muito mais efetivos e duradouros; por eles andaremos.

Uma questão:

Por que, de uma forma geral, as pessoas que propõem a castração química como solução são as mesmas que resistem a um debate sobre igualdade de direitos, conscientização e empoderamento das mulheres?

E mais outra para terminar:

Se as mulheres que são vítimas do estupro em sua maioria acham que castração química não resolve o problema, por que diabos que homens, que são, para nós, todos estupradores em potencial, insistem (de forma até violenta) que isso resolve?

Para não esquecer quando for pensar no assunto: em muitos casos, os estupradores são pessoas da própria família, quiçá marido e namorado, ou amigos próximos. Por isso, quando afirmamos que “Todo homem é um estuprador em potencial” queremos dizer que para nós, mulheres, os estupradores não têm “cara de estuprador”. Para nós mulheres que já sofremos assédio (e a campanha ‪#‎PrimeiroAssédio‬ mostrou que são todas nós ou algo próximo de 100%) o medo e o risco são constantes justamente por não sabermos de quem e quando podemos sofrer um abuso.

Pode ser um professor, um médico, um padre ou pastor, o chefe, o amigo ou mesmo o padrinho, o tio ou o pai… E, claro, pode ser inclusive um desconhecido que nos pega na rua. A expressão fala de como para nós, mulheres, o perigo de ser estuprada é iminente.

Então se você é um homem decente, saiba que essa expressão não é para te atacar. É sobre como nos sentimos ameaçadas até mesmo nos locais que deveriam ser nosso porto seguro.

E acho bom que (até ordem contrária) você avise a sua filha, a sua afilhada, a sua irmã e a sua mãe que todo homem é sim um estuprador em potencial. Se tivessem me avisado isso com todas as letras, talvez eu não tivesse sofrido o que sofri com um médico, um vizinho e um desconhecido na rua. Todos me pegaram, me sarraram, colocaram o pênis para fora… e, pasmem, quando eu ainda era criança. Não fui estuprada segundo muitos pensam, mas fui se seguir o texto da lei e não o senso-comum. Quando adulta já perdi as contas de quantas vezes fui assediada ou fui tratada de forma desrespeitosa.

Sendo assim, entenda: não é sobre você. É sobre como nos sentimos ameaçadas e sem saber quando e em quem confiar.

Quando falamos isso não estamos querendo ofender e muito menos atacar. Queremos apoio. Estamos pedindo socorro e reflexão profunda sobre o tema porque há mulheres sendo estupradas diariamente e a castração química não vai impedir que esses crimes continuem ocorrendo.

Viajando com Isaac

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Estou morta de cansaço, mas quero compartilhar algo ímpar que aconteceu hoje em minha vida.

Muitos já sabem que o espetáculo Isaac no mundo das partículas está novamente em cartaz. Desta vez, porém, o financiamento foi via benfeitoria, ou seja, conseguimos reestrear com a colaboração de muitas pessoas.

O que vocês não sabem é o quanto trabalhamos para alcançar a meta. Cada um de nós forneceu e produziu o que podia para ajudar nas recompensas. Por exemplo, a Joana Lebreiro, diretora do espetáculo, ofereceu aulas de teatro com ela para quem contribuísse com uma determinada quantia. Fizemos botons, CDs, chaveiros e vídeos de agradecimento. Eu, particularmente, ofereci meus livros autografados e… aí que quero chegar, palestras para escolas sobre Física de Partículas.

Nunca dei aula para crianças. Não sei dar bom dia para mais de cinco delas juntas. Tenho medo de parecer apresentadora de programa infantil. Escrevi um livro para a molecada mirim baseado nos diálogos que tive com Yuki. E só.

Pois não é que contribuíram lá com um tanto no financiamento coletivo para receberem a palestra nas escolas? E agora?!

Comigo é tudo assim. Não penso. Vou fazendo, vou oferecendo coisas no calor das ideias e quando vejo tô desesperada com um desafio enorme pela frente.

Vou dizer o que aconteceu. Peguei todos os livros que tinha sobre o tema. Reli várias passagens. Refiz várias contas para aquecer os neurônios. Separei fotos do CERN, montei os slides tudo em sequência cronológica. Lindinho. Coloquei ilustrações do livro do Isaac para embelezar a palestra. Estou há umas duas semanas fazendo isso. Ontem à noite terminei. Ufa! Em tempo.

A palestra foi hoje pela manhã no CEAT em Santa Teresa.

Acordei três e meia da madrugada. E não dormi mais. Fiquei pensando nos slides, no livro, nas metodologias tradicionais que massacram a criança de informação que elas não querem saber.

E pensei no quanto a curiosidade move um cientista.

Mudei tudo.

Decidi não usar nada que levei dias preparando.

Às onze da manhã estava diante uma turma de uns 50 alunos com idade em torno de dez anos. Apavorada como ficam todos que vão fazer algo que não tem a menor ideia no que vai dar.

– Bom dia. Meu nome é Elika Takimoto. Vim aqui dar uma palestra. Mas não vou falar nada a não ser que seja perguntada. Só darei a primeira informação. Se vocês não perguntarem nada, eu muda ficarei. Meu nome é Elika, sou professora de Física e fiz um curso de Física de Partículas no maior laboratório de física do mundo.

Pronto. Me calei.

Umas oito crianças levantaram a mão.

– O que é física?
– Esse laboratório fica onde?
– O que se estuda lá?
– Física de Partículas? Tem outros tipos de física? Por que a divisão da física?

Respondi todas as questões. E a cada resposta mais crianças sinalizavam que queriam participar.

E assim, por uma hora e meia, tive várias pessoinhas me bombardeando com pontos de interrogação. Falamos sobre Big Bang, sobre a origem da massa, sobre Física Quântica, sobre a natureza da luz, sobre buracos negros, sobre a relatividade de Einstein, sobre Deus, sobre espaço e tempo e sobre o espaço-tempo, enfim, sobre Ciência sem rodeios.

Tive que interromper e sinalizar que a palestra estava terminando. Ao final, deixei claro para as crianças que todas as perguntas que elas me fizeram foram feitas pelos maiores cientistas que já passaram pela Terra e várias delas ainda estão sendo respondidas lá no CERN, o maior laboratório de física do mundo.

Provoquei dizendo que muitos dos que lá estavam hoje conversando comigo, pela profundidade das perguntas, podem ser os cientistas que irão responder às principais questões que estão hoje em aberto.

Não subestimei meu público. Não tive dedos em tocar em nenhum assunto e fiz questão de mostrar que a ciência é um conhecimento extremamente poderoso e perigoso porque pode transformar o mundo ou acabar com ele. Daí a necessidade de entendermos minimamente do que se trata e não ter medo das equações, pois elas são frases como uma outra qualquer.

A física quântica sequer é ensinada no Ensino Médio e hoje tive uma turma de crianças alucinadas por querer saber mais sobre o assunto. Orientei como eles iam continuar pesquisando na internet e alertei sobre a quantidade de informações erradas que temos nas redes.

Era isso que queria compartilhar antes que meu dia acabasse. Estou extremamente feliz e morta de cansaço. Só não sei se sonharei mais quando dormir ou agora em que vislumbro um mundo onde todas as crianças sintam prazer em aprender e entendam que crescemos muito mais nas dúvidas do que nas certezas.

Jamais pensei quando escrevi Isaac no mundo das partículas que iria tão longe dentro da nave do meu personagem.

Gratidão eterna para Joana Lebreiro e Camila Vidal (diretora e produtora do espetáculo) que vivem reabastecendo o meu foguete.