O coco de Duda

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Hoje fui ler no Aterro. Precisei me desconectar de tudo. Peguei um livro e lá fui eu com uma canga equilibrar meu universo no final da tarde. O local é democrático. Vemos frequentando o parque pessoas de comunidades, desempregados, gente de carteira assinada e empresários.

Perto de mim, havia um grupo de crianças. Uma menina estava há horas tentando subir no coqueiro. Não havia responsável com eles. Do outro lado, havia um pai vestindo um terno, um celular na mão e um filho aprendendo a andar naquele brinquedo que a pessoa fica em pé em cima de uma plataforma motorizada com rodas e, no caso, algumas luzinhas.

De repente, a menina pega o jeito. Grita de felicidade e desata a subir o coqueiro com ajuda de um cinto. Os meninos embaixo em festa dando apoio moral. Ao chegar nas folhas, não se dando por satisfeita, ela começa a balançar um coco com força avisando para saírem debaixo. O coco resiste mas não é de ferro nem imune a tanto foco e vem ao chão.

Ela desce rapidamente como se estivesse executando isso pela enésima vez. A felicidade tem essa mania de fazer a gente se esquecer de que não sabe das coisas.

Ela agarra o coco como se ele fosse um filhote de cachorro dado de presente. Os garotos batem nas costas dela em alvoroço cumprimentando a menina. O garotinho rico no brinquedo assistia a tudo absorto. Estava estático em cima de rodas enquanto o pai resolvia algo importante falando alto no telefone.

–  Eu quero coco! – gritou ele para o pai.

O pai fez shhhh com o dedo pedindo para ele falar baixo.

– Eu quero coco! – insistiu.

– Eu quero coco! – perturbou.

O pai terminou de forma ríspida a ligação e foi comprar um coco logo ali na barraquinha em frente.

Há várias pelo Aterro todo.

– Eu quero aquele coco! – explicou apontando para a menina que segurava a fruta como se fosse o troféu do Oscar.

O pai tinha problemas para resolver, pressa e dinheiro.

Foi até aquelas crianças.

– Quero esse coco. Quanto é? – perguntou para a menina que ficou séria na hora.

– Não estou vendendo. – ela respondeu.

O menino fez cara de choro.

– Dou dez reais – disse o pai.

– Não estou vendendo. – ela repetiu.

O pai tentou se afastar explicando para o filho a situação. O filho não entendeu e fez que ia chorar.

O pai voltou.

– Dou vinte reais – disse o pai.

Os meninos descalços e sem camisa olhavam assustados para a menina que segurava aquele coco como uma gestante acariciando a própria barriga.

– Não estou vendendo meu coco. – ela disse calmamente olhando nos olhos do homem de terno.

A cada vez que ela explicava que o coco não estava sendo vendido, parecia que aumentava a vontade do filho de ter o que não havia preço.

– Pago cinquenta reais – disse o pai impaciente.

Os meninos vociferavam, esbravejaram, estrondearam como se estivessem vendo um jogador dentro da área prestes a fazer um gol.

– Eu disse que ele não está a venda.- falou  a menina com a firmeza de uma mulher dizendo não.

Eu observava a cena como quem lê um livro.

O pai saiu irritado. Menos com a birra do filho e muito mais por ter encarado o olhar da dignidade.

Quando o pai se afastou, eu me aproximei. Descobri que a menina que aprendeu hoje a subir em um coqueiro se chama Duda. Perguntei o motivo de ela não querer vender o coco.

– Quero mostrar para meu avô. Ele veio do nordeste e diz que lá ele sempre subia em coqueiros e pegava cocos. Hoje ele tá velho, minha mãe cuida dele.

– Seu pai trabalha? – perguntei querendo entender mais sobre a Duda.

– Ele trabalha de bicicleta entregando remédio ali perto.

– E sua mãe?

– Ela só cuida do meu avô que não consegue nem mais andar e só fica deitado.- explicou para mim e para os meninos como agem os que amam.

– Vou levar esse coco para ele.- disse com o olhar de quem admira o mar antes de sair correndo para brincar dentro dele.

13 comentários em “O coco de Duda

  1. Ah, Elika…. seus escritos são um alento para minha alma tão cansada dessa realidade insana…
    Grata grata grata!!! ❤🌹

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  2. bela ficção, vale como uma metáfora de como ela (inocência, pureza, dignidade) resiste a ele (malandro, avido, agressivo). Não precisamos de fatos reais para tornar isso como valido. Precisamos sonhar mais, mesmo que a realidade siga indiferente aos nossos desejos.

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