A volta do exílio

Quando criança, nunca tive vestido. Como gostava de jogar bola, subir em árvore, andar de bicicleta e coisas afins, um short me parecia muito mais seguro e agradável.

Quando criança, nunca usei brinco. Minha mãe não furou as minhas orelhas na maternidade e eu achava que incomodava por demais qualquer penduricalho no meu corpo.

Quando criança, nunca tive cabelos compridos. Cabelo curto me dava mais liberdade e praticidade. Andar de patins de cabelo curto é um tipo de liberdade que usufrui muito quando criança.

Quando criança, não usava roupa rosa. Gostava de cores mais neutras e a minha cor preferida sempre foi azul. A colcha da minha cama era azul. Meu estojo era azul. Minha mochila azul.

Quando criança, também não tive sandálias com lacinhos porque meodeos. Como correr com aquilo? Usava tênis e calçados que achava confortáveis.

Quando criança, brinquei de carrinho, trem, joguei bola, queimado e tive bonecas cujas casas eu adorava fazer com o que tivesse de sucata em casa.

Fui aprendendo a “ser feminina” conforme fiquei adulta. Adolescente, ainda usava blusas largas, tênis e calças e bermudas. Saias jamais. As unhas sempre eram roídas pela ansiedade que fez parte de mim desde quando soube o que eram as mãos e comecei a sonhar com lugares onde meus pés pisariam.

Aprendi a “ser mulher” com o tempo.

A menstruação para mim era um problema como é até hoje. Não me entendia com absorventes e em nada me sentia feminina com um bolo de algodão se encharcando de sangue entre as minhas pernas. Nunca senti nojo de mim mas repugnei as dores que tive por ter um útero. Não seria um órgão assim como minhas roupas que me definiam como mulher.

Quando comecei a dar aula, tive vergonha das minhas mãos sem cor, das roupas largas, da falta de maquiagem. Procurei seguir os padrões que me eram impostos e conheci vários tipos de prisão, algumas formas de lesão por andar de salto alto com a mente um tanto perdida e a dor da depilação senti depois dos quarenta. Estive com homens que não leram nada do que escrevi mas me elogiaram quando estava com uma porcaria de uma calcinha combinando com uma titica de sutiã.

Seguir padrões é um exílio da infância.

Dentre tantos sentimentos bonitos que me fizeram voltar a dormir com uma mesma pessoa, a gratidão está presente. Não consigo ser extremamente feliz sem ser grata.

Andava exausta. Vazia. E meu vazio era imenso porque sempre tive muita interioridade.

Obrigada, Pipo, por povoar um lugar em mim onde o silêncio fazia ecos.

Quando você está, me reconheço. Na sua presença, sempre saúdo uma liberdade que só senti quando fui criança.

11 comentários em “A volta do exílio

  1. Como é bom não seguir os padrões! Quem segue os padrões fica sempre no mesmo lugar. É como seguir o caminho que todos trilham: tudo igual! O bom mesmo é não seguir padrões porque, como sugeria Baktin, transitar pelo centro é fácil, até o dia em que nos deparamos com o primeiro abismo. O problema é que nesse momento, só quem está acostumado a fazer alguns desvios pela periferia é capaz de achar os atalhos e retomar o caminho. Essa escolha só é possível para quem aprendeu a transgredir as normas. Quem as segue sempre vai fazer o mesmo e isso não muda nada! Onde ficaria, então, a evolução tão sonhada? Amei o texto!

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  2. Conheci alguns de seus bons predicados, através da entrevista na TV 247. Uma vida referencial, sem dúvida. Mas uma coisa chamou minha atenção: a cor de seus olhos. A sra disse que seu pai é japonês autêntico, logo, a cor desses seus olhos vem ou de sua mãe (sueca, alemã, dinamarquesa??), ou deve ser uma herança genética.
    Pedindo perdão, desde já, por minhas efemeridades, desejo uma vida boa e profícua.
    Ps. Quando for candidata a presidente do BR, pelo PT, terá meu voto.

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