Você só pensa em Lula como presidente?

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Foto: Bárbara Lopes

–  Não. Não penso só em Lula virar presidente de novo. Você me subestima. – respondi calmamente a um amigo na mesa de um bar enquanto tomava meu suco de laranja sem canudinho diretamente no copo ajudando o mundo a ficar menos poluído.

– Ah bom. – disse ele aliviado.

– Outro dia pensei em como será lindo o dia em que ele conseguir sair dessa maldita cadeia. Depois veio à mente ele feliz fazendo campanha pelo Brasil antes de virar presidente.

– Então. Não pensa em outra coisa não?

– Claro que sim, ô. Outro dia pensei que poderia haver o Impeachment de Bolsonaro e Mourão virar presidente.

– Mourão?

– Justamente. Daí continuei pensando em como seria. A ditadura iria se instalar. Logo depois imaginei a tal Revolução acontecendo, as mulheres pretas encabeçando tudo, derrubaríamos os militares, tiraríamos Lula da cadeia e ele se tornaria presidente.

– De novo isso?

– Imagina. Outro dia estava pensando em outra coisa. Vi o discurso da Greta desesperada na ONU, daí vi as pessoas zoando uma menina de 16 anos que tem um certo grau de autismo ou algo que o valha. Não gosto muito de apontar que ela tenha algo que nós não temos para além da inteligência. Se ela não tivesse nenhuma síndrome, ainda assim, o discurso dela seria por demais fabuloso. Daí vi a quantidade de homens de meia idade falando mal dela e Eduardo Bolsonaro aparecer com uma foto-montagem na tentativa de mostrar que Greta era hipócrita. Veja bem, Eduardo Bolsonaro, o futuro embaixador. Depois ouvi o discurso de Bolsonaro na ONU. E fiquei pensando em Lula na cadeia vendo tudo isso também. Mas calma. Daí veio mais uma notícia bombástica que se somou a esta. Janot falou que ia matar Gilmar. Daí foi quando falei: para. Vou fazer a janta. Comecei a lavar o arroz, pensei no MST que é um dos maiores produtores de arroz orgânico do mundo, depois pensei nas questões ambientais e concluí que a Greta é o máximo, Bolsonaros só fazem a gente passar vergonha mentindo descaradamente, que esse processo todo tinha que ser anulado e Lula precisa virar presidente.

– E no Ciro? Não pensa nele não?

– Claro que sim. Ele é super culto e mega importante para a política. Imaginei para as próximas eleições ele concorrendo e vindo firme como sempre com um discurso forte contra o governo Bolsonaro, contra os erros cometidos pelo PT, falando em números, trazendo planilhas com gráficos, como só Ciro sabe fazer.

– Ufa.

– Pois é. Daí imaginei Ciro debatendo com o cabo Daciolo de novo.

– Ia ser o máximo…

– Ah ia. Depois imaginei Ciro debatendo com Lula, ficando novamente com 12% dos votos e Lula com 70% virando de novo presidente.

Davi estava na linhagem de Jesus Cristo. E amou Jonatã.

Para quem insiste na Bíblia como exemplo de conduta moral e para a definição de família como a união entre um homem e uma mulher baseados em preceitos bíblicos, trago verdades.

Saibam que na Bíblia:

1- A poligamia era a regra. Tanto que o primeiro caso aparece logo no capítulo 4 do primeiro livro: “E tomou Lameque para si duas mulheres” (Gênesis).

2- Abraão engravidou a empregada, ato falho, a escrava, depois expulsou a coitada e o filho de casa para morrerem no deserto.

3 – O caso de Jacó é interessante, ele casa com as irmãs Lea e Raquel. Leiam.

4 – Salomão, o Rei, merece destaque: foram 700 esposas. Setecentas de papel passado, já que o sábio soberano ainda mantinha 300 concubinas que eram as amantes oficiais.

5 – Há um lei clara na Bíblia: quando um homem morre e deixa uma viúva, seu irmão deve casar com ela, para garantir que o patrimônio da família não se perca.

6 – Vejamos a família de Ló considerada uma das melhores da região, segundo o Livro Sagrado. Depois da mãe delas ter sido transformada num pilar de sal, as duas filhas de Ló moram com o pai numa caverna, no alto de uma montanha. Carentes de companhia masculina, adivinha (!), elas decidem embebedar o pai e copular com ele.

Ló não percebeu quando sua filha mais velha chegou a sua cama, mas não estava bêbado demais para engravidá-la. Na noite seguinte as duas filhas combinaram que era a vez da mais nova. Novamente Ló estava bêbado e engravidou a mais nova também.

7 – Quanto às prostitutas, elas devem morrer a pedradas, segundo Levítico. A regra, como todos vocês sabem, foi fortemente contestada por Jesus, com a famosa frase que salvou Maria Madalena: “Aquele que não tem pecado atire a primeira pedra”.

Não há dúvidas. A Bíblia é um livro machista em muitas passagens onde pregam a violência contra a mulher de forma bastante cruel. Como dizem, só Jesus na causa. O Novo Testamento é uma perfeição. Jesus defende qualquer oprimido ou oprimida com unhas e dentes.

Para finalizar:

8 – Se alguém resolver tomar Davi como exemplo, pode ser homossexual e dizer que segue a Bíblia, sim senhor. Vejam: os livros Samuel I e Samuel II contam a história da amizade entre ele e Jonatã, filho do rei Saul, antecessor de Davi e candidato natural ao trono de Israel.

Davi acaba escolhido para a sucessão, mas isso não abala o relacionamento dos dois. Está escrito: “A alma de Jonatã se ligou com a alma de Davi. E Jonatã o amou, como à sua própria alma” (Samuel I). Em outra passagem, Jonatã tira todas as roupas, entrega a Davi e se deita com ele. “E inclinou-se 3 vezes, e beijaram-se um ao outro”.

A minha Bíblia está quase toda lida e grifada, pois a tenho como um bom livro de literatura. Entendo que as Escrituras não devem ser encaradas ao pé da letra. É um livro escrito por várias mãos (masculinas) situado em um tempo na história em que não existia a Lei Maria da Penha.

Se vamos utilizar as Sagradas Escrituras como exemplo, não sejamos hipócritas. Na Bíblia, há a celebração do relacionamento homoafetivo entre Davi e Jonatã.

Percebo muita gente separando algumas passagens para justificar suas atitudes. De fato, o machismo pode ser justificado pelo Velho Testamento que deixa claro que as mulheres deveriam ser funcionárias de seus maridos. Mas, se assim for, apoiem para ser coerentes, a homossexualidade porque ela também está na Bíblia.

Vale observar que Davi não é um herói menor na Bíblia. Ele é chamado de “o homem segundo o coração de Deus” (Samuel I) e é um dos mais queridos reis de Israel. Davi estava na linhagem de Jesus Cristo. E amou Jonatã.

Durmam com essa.

Uma história de dor e de luta

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Militante não descansa.

Tô com essa mania que não vem de agora de perguntar, antes de mandar fazer o serviço, se a pessoa gosta de Bolsonaro. Isso vale para médico, dentista, cabelereiro, sapateiro, eletricista, manicure e serviços gerais. Se é para cuidar de mim e pagar por isso, que seja para quem não bate palma para maluco homofóbico.

Ontem fui à depiladora. Faço isso uma vez na vida e outra na morte porque dói, não sou obrigada e é uma situação humilhante onde nos arreganhamos toda para uma pessoa que nos taca talco, depois cera, puxa com pressa e pressiona levemente a mão em cima para aliviar a dor. Tudo isso com um ventilador ligado voltado para nossas entranhas.

Já tinha me certificado de que a moça odiava Bolsonaro, inclusive, por ter um filho gay. Mas militante que é militante quer doutrinar até com um joelho no norte e outro no sul.

– Você sabe quem foi Marx? – perguntei enquanto ela avaliava a temperatura da cera.

– É o moço que alfabetiza adultos? – questionou ela olhando para mim enrolando a espátula.

– Não. Esse é Paulo Freire.

– É aquele careca que fala com muita calma? Abre mais, por favor.

– Careca? O Karnal?

– Carnal? Ele é carnal?! Jesus amado. – disse ela enquanto espalhava cera.

– Não. Pera. Calma. Ai. É Karnal com ká. Esse aqui é o Leandro Karnal. – e mostrei a foto dele no meu celular.

– Esse mesmo! Ele é muito inteligente. Benzadeus.

– Ai! Vou te mostrar ai! Marx. Que dor miserável.Esse aqui é Marx.

Enquanto mostrava para Jocilene e ela me besuntava de cera, falei:

– O da luta de classes. Sabe o que é isso?

– Do MST?

– Não!, respondi na hora que ela puxou. Quer dizer, pode ser.

Daí fui explicando entre uma puxada de cera e outra sobre classe social, meios de produção, mais-valia, produção dos bens de consumo e tudo o mais quando conseguia respirar.

Foi um papo muito rápido. Ufa. Terminou.

– Entendeu, Jocilene?

– Entendi não sei se entendi. Mas olha aqui no espelho – disse ela toda sorridente. – Confere o meu serviço e veja sua transformação de Marx para Karnal.

Rimos muito ainda mais depois de eu ter observado que Karnal estava todo vermelho.

Daqui a algumas semanas, chego lá toda Paulo Freire e saio Suplicy.

É isso, gente. Lula livre.

Réchi tégui depilada.

Isaac no Mundos das Partículas

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Para saber mais sobre o livro, continue a leitura:

O nascimento de um cientista, de uma escritora e de um grande espetáculo:

Olá. Meu nome é Elika Takimoto e vivo da teimosia. Não me considero uma pessoa sonhadora, pois, as pessoas sonhadoras vivem… sonhando. Entre querer fazer e fazer para mim não há diferença. E não sou dessas de desanimar diante as portas que se fecham para mim e os “nãos” que acumulei jamais me diminuíram. Pelo contrário.

Isaac no mundo das partículas foi escrito há cinco anos. Desde então, ando com ele debaixo do braço oferecendo para todas as editoras que vejo pela frente. Colecionei respostas educadas rejeitando Isaac.

Todo o processo desde a sua elaboração até a publicação rendeu, para variar, muitas histórias que me engrandeceram e que pretendo compartilhar com quem quiser ouvir. Acho que não são apenas narrativas sobre fracassos que vocês lerão aqui e sim formas de lidar com a realidade, ou melhor, como fiz para driblar todas as bolas mal jogadas para mim e,   finalmente, fazer meu gol de placa.

O texto desse livro de Física de Partículas para crianças de 6 a 106 anos em pleno Brasil escrito por uma suburbana carioca já foi selecionado dentre não sei quantos mil para receber o patrocínio do Oi Futuro. Isaac virou um mega espetáculo infantil cuja estreia foi 27 de Janeiro de 2018 no Teatro Oi Futuro em Ipanema. A peça (que foi um lindo musical infantil de extremo sucesso) recebeu indicações para vários prêmios!

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Mais essa. Ele virou peça antes de ser um livro publicado! Quanta história temos pela frente, não?

Como o livro nasceu?

Em 2010, fui selecionada por análise de currículo, para fazer o curso de Física de Partículas no CERN (Centro Europeu de Pesquisa Nuclear), o maior laboratório de física do mundo.

Fiz parte de uma atividade de um programa oficial do CERN para professores de Ensino Médio dos países membros. O Brasil, para quem não sabe, coopera com o CERN mas (ainda) não é membro. Logo, para que nós brasileiros participássemos deste evento, tivemos que entrar na cota dos portugueses que gentilmente nos abriram espaço por iniciativa do LIP – Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas.

A organização do grupo foi coordenada pela Secretaria para Assuntos de Ensino da SBF – Sociedade Brasileira de Física. Nós, professores do Brasil, participantes deste curso de capacitação contamos com apoio financeiro do CBPF – Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas e recebemos o apoio financeiro do Departamento de Educação Básica da CAPES e do Departamento de Popularização e Difusão da Ciência e Tecnologia do Ministério de Ciência e Tecnologia.

Ou seja, foi algo sério e grandioso para a minha formação.

Mas nem tudo são flores. O CERN fica na fronteira entre Suiça e França. Eu já era mãe de três, estava casada na época e nunca havia pensado em viajar sem a minha família. Não foi fácil para mim esse processo porque a educação que tive (digo, educação como um todo, incluindo a sociedade doente da qual fazemos parte) foi tão castradora que a impressão que tinha o tempo todo era de que estava abandonando meus filhos.

– Mas eles vão ficar com quem? – perguntavam para mim quando eu dizia que ia fazer essa viagem.

Deixei-os sob cuidado do pai e dos avós e fui. Fui com medo, mas fui. Não dormi quase em todo o tempo que estive lá. Por ansiedade, por querer registrar tudo para não me esquecer de nada (para quem quiser tem toda a história no meu blog), e por viver algo tão mágico.

Voltei outra. Cheia de novidades e querendo dar palestras sobre tudo o que havia aprendido e visto com esses olhos arregalados.

Quem mais quis entender sobre o que vivi foi Yuki, meu filho caçula que na época estava super caçulete de tão pequetitito. Foi com ele que tive os melhores diálogos sobre física de partículas e graças às perguntas que ele me fazia me vi obrigada a ter que explicar para uma criança um tema tão complexo (bem sabemos que explicar para uma criança ou para uma pessoa idosa seja lá qual for o assunto nos exige manobras neurais de nível olímpico).

De que o mundo é feito? Como tudo começou? Como sabemos que tudo isso que falam é verdade se não conseguimos ver as partículas? Como é que somos feitos de partículas invisíveis se todos conseguem nos enxergar? A partir de quantas partículas invisíveis que se juntam temos um corpo com massa? O que é massa?

O interesse do Yuki foi tanto que comecei a procurar livros sobre o tema para lhe dar. Qual o quê. Quando encontrava era algo extremamente técnico e chato. Nem eu suportava.

Daí, tive a ideia de escrever um livro para Yuki mas que também fosse um registro dos diálogos que tive com ele.

A primeira vez que li Isaac no mundo das partículas para Yuki chorei de emoção. Quando era a vez do Isaac falar, Yuki o atropelava e dizia exatamente o que estava escrito. As dúvidas e as perguntas de Isaac eram as mesmas de uma criança!

Um detalhe que não é um detalhe: as questões que Yuki fez quando cheguei do CERN eram as mesmas que movem os cientistas a fazer tanta pesquisa em um laboratório gigantesco. De que o mundo é feito? Como tudo começou? Como sabemos que tudo isso que falam é verdade se não conseguimos ver as partículas? Como é que somos feitos de partículas invisíveis se todos conseguem nos enxergar? A partir de quantas partículas invisíveis que se juntam temos um corpo com massa? O que é massa?… Todas essas e muito mais aparecem no Isaac no mundo das partículas.

Não tem como fazer ciência sem filosofia, assim penso. Isaac no mundo das partículas não é somente um livro de Física de Partículas. Considero-o também um livro que estimula todas as pessoas que o lêem a fazer mais e mais perguntas, pois, paradoxalmente, entendemos mais sobre um assunto não quando conseguimos  explicá-lo em sua plenitude (porque isso é impossível) mas sim quando somos capazes de fazer perguntas cada vez mais profundas sobre o que estamos estudando. Ou seja, quando deixamos fluir a filosofia subjacente a qualquer assunto.

Assim como fazem todas as crianças.

Ilustrado por um grande artista italiano. Mais essa.

A linguagem que usei no Isaac fui aprendendo lendo outras coisas, vendo os desenhos animados atuais e os jogos de videogames. Fiquei assustada com a quantidade de informações e de ciência que passam hoje em dia para as crianças. Quem acha que um livro de Física de Partículas para o público infantil pode ser algo complexo para eles, sugiro acompanhar o que essas crianças de hoje consomem na Internet e na televisão. Não as subestimem. Vai por mim.

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Mas nada disso estaria completo sem as ilustrações de Sérgio Ricciuto Conte. Acho que já falei aqui. Não considero esse livro de minha autoria somente. Isaac no mundo das partículas é um livro feito por Elika Takimoto e Sérgio Ricciuto Conte.

Ricciuto quando recebeu o texto se viu imerso em outras questões: como vou desenhar um grão falante? Como vou desenhar o CERN? Perguntas como essas mais ou menos tiraram literalmente o sono desse gênio. Ricciuto é um artista com uma sensibilidade e uma inteligência sem igual mas um ser humano acima de tudo e, como todos, receosos frente a novos desafios.

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Ótimo. Sei que o lugar de conforto é o que se morre em vida. Se ele nunca havia desenhado máquinas, que lindo será para nós dois. Assim pensei. E foi muito melhor do que eu esperava o resultado!

Ricciuto ficou tão imerso no mundo de Isaac que chegou a sonhar com uma cena. Acordou e desenhou. Mandou para mim observando que a ilustração que ele havia feito em que Isaac aparece com uma estrela pendurada no pescoço dada por Aristóteles não estava no texto e que ele só queria me mostrar a imagem que invadiu sua cabeça enquanto ele dormia. Tratei de modificar o texto incluindo esse momento maravilhoso.

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Enfim, Isaac no mundo das partículas é um livro em que mergulhei de todas as formas convidando para essa apneia uma pérola como Ricciuto que a cada ilustração fazia respirar algo onde já batia forte um coração.

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Não basta escrever. Tem que ser teimosa.

Publicar um livro nesse país é uma questão de teimosia. Você cisma com uma ideia doida em que não faltam pessoas da área dizendo que é impossível e inviável, mas você segue firme alheio ao tamanho dos muros que lhe cercam. Agora… publicar um livro infantil de física de partículas já ilustrado… aí é uma questão de sei lá meu deus. Teimosia nível advanced plus master.

Ter uma obra feita com tanta seriedade, pesquisa e amor como Isaac no mundo das partículas ser recusada por grandes editoras com o argumento de que o livro não será compreendido, não terá público para comprá-lo ou com a condição de que não se use as ilustrações já que as editoras têm seus próprios desenhistas é algo, diria, por incrível que pareça, edificador.

Cresci ouvindo os nãos dados das formas mais secas ou mais polidas para Isaac. Entendi bem mais como o capitalismo funciona e como os adultos subestimam a inteligência de nossas crianças e como são escravos do tal Deus Mercado.

Parece-me, no entanto, que Isaac tem mesmo uma força metafísica interna que vai além do livro e permeia o campo dos sonhos e das ideias. Antes de virar livro impresso, o texto de Isaac foi escolhido dentre não sei quantos mil para receber o patrocínio do Oi Futuro e virar um mega espetáculo. Isaac foi parar nas mãos de Joana Lebreiro que, acostumada com o público infantil, enxergou nele um potencial para uma grande troca e uma excelente oportunidade de divulgar ciência em forma de arte, luz e muito som.

Com o espetáculo à vista, decidi publicar Isaac de forma independente. E, segue daí, uma história de peregrinação. Escolher as pessoas que fariam a diagramação e a revisão não foi algo simples e tive que rever minhas escolhas mesmo depois de tudo pago e pronto.

Não aceitei que ninguém trabalhasse nessa obra se não tivesse por ela muito respeito e amor. Diante a menor percepção de uma falta de carinho, abortava o projeto e voltava para a estaca zero. Não foi fácil nenhum desses passos. Noites e dias de ansiedade e trocas de ideias, medos e inseguranças com meu amigo Sergio Ricciuto Conte, o ilustrador do Isaac.

Não tenho berço, sou suburbana, meu pai foi engenheiro e minha mãe sempre dona de casa. Não tenho contatos. Só me resta a opção de confiar em quem me aparece para ajudar ou se vender. E, claro, há uma coleção de decepções que não valem à pena narrar aqui. Apenas é necessário dizer que a Isaac é fruto de muitos fracassos porque foram eles que me levaram às pessoas que assinaram a obra.

Paralelamente a isso, ver o espetáculo ganhando forma é uma emoção indescritível. Entendo que a linguagem teatral não é a mesma do que a literária. A despeito de muitas modificações, Joana Lebreiro é uma pessoa que soube lidar com meu filho. Trocou sua roupa, mas não o obrigou a mudar de personalidade. A alma de Isaac seguiu, em essência, do início ao fim do espetáculo e só agregou valor a tudo que fizemos.

Enfim, como já disse Clarice. Felicidade é pouco. O que sinto tem outro nome.

Isaac no mundo das partículas nasceu por teimosia.

Monteiro Lobato, depois que fazia os livros, saía pelo Brasil para vendê-los. Por muitas vezes, colocava em chalanas, embarcações rústicas, charretes, para levá-los a aldeias distantes. Ele queria ser lido. Acreditava que a sua obra abriria a mente de crianças e não mensurava esforços para isso. Tinha prazer de oferecer o mundo que saiu de sua cabeça.

Guiada pela imagem de Monteiro Lobato, fui só de carro buscar os livros que foram impressos em São Paulo, na gráfica que achei o melhor preço e com a melhor qualidade de impressão. Pobre é uma desgraça.  A gente tem que superar os traumas no susto.

O medo foi gigantesco. Mas o foco foi maior. Imagino crianças abrindo Isaac, olhando pela lupa com ele, e observando esse mundo mágico da ciência. Vislumbro mais pessoas formulando mais perguntas sobre o tema porque acredito que, quando estudamos um assunto, se ele nos cativa, não nos satisfazemos com as respostas e acabamos sempre por ter mais dúvidas sobre o mundo. Incrivelmente, estudamos não para saber mais mas sim para sabermos o quanto não sabemos e, a despeito disso, que coisa deliciosa é a pesquisa sobre seja lá qual for o tema…

Fui só, mas voltei com muitos livros. Meu carro se transformou na nave que Isaac usa para viajar no tempo e no espaço. Dentro dela, carreguei, além de infinitas partículas, um universo de sonhos a ser compartilhado, a partir de hoje, com você.

Boa leitura e vida longa a Isaac!

“Só tem espaço para os melhores”, disse aquele que confunde Kafka com kafta.

O ministro da (falta de) Educação, Abraham Weintraub, defendeu na última quarta-feira que o país “só tem espaço para os melhores” ao dirigir-se a crianças e adolescentes homenageados na cerimônia Destaques na Educação.

“Tem que haver uma dinâmica para aumentar a competição e mostrar que quem vai melhor recebe mais, que quem melhora mais recebe mais. É um critério de gestão”, afirmou mostrando que não entende absolutamente nada de Educação pois a confunde com o Mercado.

Aos alunos, o ministro disse que a importância da educação de qualidade é “para que vocês sejam livres e fortes para pensar por vocês mesmos e ter uma profissão e uma renda sem depender de bolsa.”

Claro que o ministro estava se referindo ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ao projeto Bolsa Família elogiado pela ONU, pelo Banco Mundial e reconhecido internacionalmente como o maior programa de transferência de renda do mundo que ajudou não só na redução da pobreza, mas também na melhoria de indicadores de desenvolvimento humano.

Muito a dizer, gente.

Para começar, é claro que nem todo sofrimento humano é culpa da falta de bens materiais ou causado pela má distribuição deles. Porém, há muitas dores que estão enraizadas na nossa estrutura social. Não sou eu quem as provoca nem você individualmente, mas as instituições como a escravidão, por exemplo, podem sim ser as grandes culpadas.

Vejam que curioso: a nossa cultura que não considera parasita o cidadão rico que vive de renda financeira, a nossa cultura que considera justo conceder isenção, incentivos fiscais e perdão da dívida com os bancos públicos aos grandes empresários é a mesma cultura que chama de vagabundo quem recebe o Bolsa Família.

O sistema é tão cruel que ricos fazem até mesmo com que os próprios pobres sintam vergonha de sua pobreza, pois a consideram como resultado de um fracasso pessoal (como faz o ministro da Educação) e não de um arranjo socioeconômico.

Para todos os estudantes que não receberam prêmio algum, eu gostaria de parabenizar vocês também.

Certamente, vocês são pessoas bacanas, esforçadas, cheias de potencial, empáticas, amigas e criativas. O que não quer dizer que esses que ganham prêmios não sejam serumaninhos legais, mas não foram premiados por isso.

Muitos prêmios significam que eles se adaptaram bem a um sistema de ensino que prima pela competitividade e exclusão dos que dele fazem parte e dos que não conseguem a ele se moldar.

Vale observar que se Einstein vivo fosse e estudasse em muitas escolas tradicionais (quiçá militares) que existem hoje poderia ter sido expulso dado seu comportamento rebelde com esse modelo que não estimula os alunos a perguntar, a questionar e sim a responder e obedecer regras.

Um Prêmio é legal, mas absolutamente nada diz sobre a capacidade de lidar com o próximo e sobre a felicidade que os premiados terão no futuro e até mesmo se tem alguma no presente.

O mundo é extremamente complexo e, em certa medida, pode ser muito cruel. É triste quando testemunhamos essa crueldade sendo vivenciada e estimulada nas escolas.

Possivelmente, muitos de vocês que não foram premiados estão se sentindo burros e incapacitados por não terem conseguido, por exemplo, obedecer regras de redação que se Guimarães Rosa e Mário de Andrade tivessem obedecido não teriam escrito o que escreveram.

Preciso acrescentar que eu reconheço a necessidade em certas instâncias de uma política de seleção rigorosa. Mas me recuso a chamar isso de “Educação” já que o meu conceito de Educação envolve um bem estar de uma maioria.

Rigor, competição e disciplina são muito valorizados nesse conceito de Bozo-Educação. O que eles desprezam (ou admiram) é o fato de nunca na história termos tantas crianças e jovens frustados, infelizes, doentes e egoístas.

Aos premiados, parabéns! Aos que não foram, parabéns também! Cada um tem uma história, um ritmo para aprender e uma forma de fazer o mundo um lugar mais agradável de se viver. Não desistam dos seus sonhos, jamais deixem de acreditar no potencial de vocês e cuidem de todas as pessoas. O bem que fazemos é nosso melhor alimento.

Para finalizar, vindo de quem acha que Educação é mercadoria, o discurso não surpreende. Irônico e didático, porém, foi ouvir toda essa ode à meritocracia de um ministro da Educação que confunde Kafka com kafta, já mostrou que entende pouco de matemática e escreve ‘suspenção’ e ‘paralização’.