CEFET há de sobreviver ao Governo Bolsonaro

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Em Agosto deste ano, fomos surpreendidos com a nomeação do diretor pró-tempore para o CEFET/RJ. Havíamos acabado de finalizar nossa eleição para Diretor Geral na qual, por decisão acirrada, elegemos Maurício Motta. Houve uma denúncia de irregularidade que foi devidamente apurada pelo Conselho Diretor que votou pela homologação da nomeação de Motta.

Ainda assim, o Ministro da Educação nomeou um professor externo para a nossa Direção Geral. Maurício Aires, o interventor, chegou tentando amenizar os ânimos dizendo que estava ali de forma temporária até que todos nossos problemas em Brasília fossem resolvidos – o que levaria 60 dias dada a sindicância aberta. Isso foi registrado por ele mesmo na nossa página oficial do CEFET. Palavras do interventor nas quais tivemos que acreditar.

Para quem não sabe, foi aberta uma sindicância investigativa instalada pelo MEC que iria completar hoje, dia 25 de Outubro, o prazo de 60 dias para se encerrar e ser emitido um relatório. Estávamos todos atentos já que não temos ideia do que se trata essa sindicância. Toda a justificativa da intervenção federal estava vinculada diretamente à tramitação desse processo que falarei mais adiante.

Ou seja, estávamos sob uma intervenção sem saber exatamente o real motivo. Hoje, ao menos, teríamos alguma pista.

Nesse período, muita coisa aconteceu. Nos movimentamos muito politicamente. Fizemos passeatas, colocamos cartazes pelo CEFET, fizemos Assembleias e muitas reuniões com o intuito de proteger o que é nosso: uma instituição com quase 20 mil alunos que coloca na sociedade técnicos, engenheiros, mestres e até doutores de qualidade. No entanto, tivemos que aguentar essa gestão já que se não deixássemos o interventor trabalhar, ficaríamos sem salário e sem bolsas, por exemplo.

Aguentamos as inúmeras postagens do interventor em nossa página oficial feitas com o intuito claro de mostrar para a comunidade que ele estava trabalhando e se preocupando com nosso CEFET.

Um detalhe importante: Mauricio Aires não fazia parte do nosso quadro de servidores que está em torno de 1500 pessoas. A escolha de um nome externo foi justificada pela necessidade de ter uma pessoa isenta das discussões que vivemos ali dentro durante as eleições.

O inferno terminaria hoje com o fim do prazo da sindicância.

Qual o quê…

Foi publicado ontem, dia 24 de Outubro, uma nova portaria do MEC prorrogando por mais 60 dias a sindicância investigativa. E, pasmem: o interventor não cumpriu sua palavra e partiu da mesma forma que chegou. Sem aviso algum!

Por que diabos ele não ficou até o fim desse processo sigiloso conforme combinado?

A nossa comunidade que sempre trabalhou de forma séria foi desrespeitada desde o início desse pesadelo.

E piora:

Antes de sair, Maurício Aires, o interventor, nomeou outros nomes para o cargo:

  • de Chefe do Departamento de Administração, da Diretoria de Administração e Planejamento,
  • de Chefe do Departamento de Gestão Orçamentária, da Diretoria de Administração e Planejamento,
  • de Diretor da Diretoria de Gestão Estratégica e
  •  de assessor da Direção-Geral.

A (essa sim!) balbúrdia por eles feita é tão grande que, observem o nível, no mesmo dia que foi publicada a portaria que nomeia o novo diretor pró tempore Marcelo Nogueira, todas as nomeações para os cargos acima citados também foram realizadas. O curioso é que todos esses nomes estão alinhados com a chapa perdedora da nossa eleição. E se não escolhemos Sergio Araujo como Diretor Geral, tínhamos nossos motivos que tem a ver com tudo isso que está acontecendo.

Em junho deste ano, foi entregue em mãos no protocolo do gabinete da SETEC em Brasília, um documento proveniente da liderança no senado federal do PROS, partido político da base aliada do governo Bolsonaro. Consta desse processo que um dos interessados é quem? Ele mesmo: Sérgio Araújo.

Tem mais: o Senador Telmário Mota assumiu ter indicado Sérgio Araújo como Diretor geral do CEFET/RJ, mesmo sem conhecê-lo, atendendo a um pedido do diretório do seu partido no Rio de Janeiro. Não está tudo muito estranho? Piora: o senador assinou uma carta logo depois pedindo para desconsiderar o pedido do Sérgio Araújo e, ao que parece, o que foi desconsiderado foi sua carta. Os motivos? Desconfiamos de muitos.

Por que trocaram toda a administração? Por que demitir uma diretora de planejamento faltando um mês para o término da execução orçamentária? A instituição corre o risco de ter que devolver milhões do nosso orçamento recebido. A antiga direção de gestão estratégica tinha uma responsabilidade com a finalização do PDI, um documento norteador para o CEFET. O novo diretor não tem experiência alguma com esse documento e pode alterar as diretrizes do CEFET abrindo as nossas portas para o Future-se, um projeto do MEC que tira por completo a nossa autonomia!

Está evidente que o CEFET foi aparelhado para isso. Há muita gente que não sabe perder e muito menos respeita a Democracia.

A sindicância termina daqui a dois meses quando estaremos de férias e todos os parlamentares em recesso. Isso não é coincidência.

Precisamos lutar pelo o que é nosso.

CEFET, assim como as Universidades e Institutos Federais, merece toda nossa disposição.

Semana que vem, quarta-feira, dia 30 de Outubro, às 16h, teremos uma Assembleia extraordinária no CEFET campus Maracanã.

Vamos sobreviver a esse governo.

A Democracia há de vencer!

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http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-1.841-de-24-de-outubro-de-2019-223867499

http://www.cefet-rj.br/index.php/component/content/article?id=4535

http://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-n-1.837-de-23-de-outubro-de-2019-223590373.

http://www.cefet-rj.br/index.php/comunicados-da-direcao-geral-pro-tempore

http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-de-24-de-outubro-de-2019-223862736

Número do processo sigiloso: 23123.006032/2019-46

Número do processo movido pelo senado federal: 23000.018375/2019-40

Cansei de tentar ser linda

Estou com 46 anos e olhando, agora, para trás.

Quando casei com 23 anos, minha mãe me deu uma caixa de cosméticos da melhor qualidade e me disse: “quero que você me prometa que sempre que um desses acabar, você vai repor. Não quero que você se esqueça de cuidar de si como eu me esqueci de mim”.

Minha mãe é dona de casa e teve a vida dedicada a cuidar da gente e a manter tudo limpo. Disse ela que não tinha tempo de ficar passando creminhos, pintando cabelo e se maquiando.

Comecei a dar aulas com 21 anos. Até então, eu roía unhas. Parei com o vício de tanta vergonha. As professoras tinham as unhas grandes e coloridas. Passei a fazer unha toda santa semana.

No ambiente de trabalho, dentro de uma escola, sentia que não podia repetir roupa e que a minha aparência era essencial para que as pessoas me dessem respeito. Salto alto, calças moderninhas, blusinhas fofas, vestidos estilosos… Grande parte do meu salário era gasto renovando meu armário.

Daí veio a moda de cabelos muito lisos com a tal da escova progressiva. Tenho uma juba que está ficando branca. Eles não são lisos como os das japonesas nem crespos como das mulheres negras. Tem definição? Há ordem? Nananinha. Eles têm vontade própria e são imprevisíveis. Quando viajo, levo escova, chapinha e prendedor de cabelo caso não tenha tempo de alinhá-los. Se não uso nada disso, dado a natureza desses fios, a impressão que dá é que eles não são passíveis de compreensão dada a (aparente) falta de personalidade, típica daqueles que não se encaixam em lugar algum.

Quanto à depilação, passei por fases. Fase da gilete, fase do depilador elétrico, fase de pedir para uma pessoa tirar tudo. Fase do desespero. Em todas elas, sofri de dor e pelos encravados.

Minha pele tem sardas. Minha mãe é toda pintadinha e eu me pareço com ela. Fiz tratamento para clarear essas manchas e não tenho mais noção de quantas vezes fui à dermatologista e das variedades de cremes que já passei para deixar o coro uniforme. Tudo em vão.

Para esconder minhas olheiras, comprei muita maquiagem para os olhos. E para ficar “linda” no verão, gastei uma grana numa base 24 horas ótima que de tão boa só sai com bombril e veja multi uso. Perdi as contas de quantas blusas manchei por conta do reboco que passei nessa fuça todo santo dia há mais de vinte anos.

Se eu colocar na ponta do lápis tudo o que gastei em tempo e em dinheiro para me sentir bonita, acho que vou ficar mais noites sem dormir conectando tudo isso com esse maldito sistema que faz da gente uma bela marionete. E, a despeito de “tanto cuidado”, está tudo, digamos, piorando. Preciso ficar cada vez mais tempo no cabeleiro, na manicure, escolhendo cremes, hidratando cotovelo, joelho, calcanhar para que as pessoas sintam que eu estou bem.

E segue tudo caindo e murchando.

Há dois meses, dei uma chutada de leve no balde. Parei de usar base. Assumi minha pele manchada e fui sem maquiagem até, pasmem, dar palestras. O rosto parecia o de um urso panda dado o estrago que as noites mal dormidas têm feito em volta dos meus olhos. Mas quis experimentar esse tipo de liberdade e, venho avisar, gostei.

Gostei muito.

Ganhei uns minutos preciosos que gastava passando primer, iluminador, corretivo, delineador… fiquei só com o protetor e um lápis básico.

Senti o prazer de ter mais tempo e resolvi fazer o mesmo com as unhas. Elas estão limpinhas, cortadinhas, mas as cutículas estão aqui e está tudo sem cor, ou melhor, com a cor natural que elas têm. Em um mês, economizei, só com as unhas, mais de cem reais e tive quatro horas a mais, pelo menos, para ler.

Detalhe, o tempo que eu perdia não era só para me deslocar e da hora em si que o trabalho estava sendo feito. Eu perdia tempo me olhando para ver quanto tempo aguentava. Isso também é um tipo de subtração. Se juntar todos os minutos, acho que perdi semanas nisso: “Tenho que fazer a unha”. “Terça tem promoção na depiladora”. “Acho que o cabelo aguenta mais um dia sem lavar”… coisinhas assim que pensava enquanto podia estar ocupando a cabeça com literatura, arte e nada, por exemplo.

Como a revolução interna nunca acontece pela metade, joguei todos meus sutiãs de bojo no lixo. Nunca me entendi com aqueles arames e acho que pelo fato de eu ter as costas largas e os peitos murchos, foi difícil arrumar sutiã que me deixasse confortável nessa vida. Várias vezes ficava me ajeitando de forma disfarçada porque algo ali estava fora de lugar. Em algumas situações, até mesmo dando aula, o sutiã abriu de tanto que tentava me compor. No lugar desse assessório do capeta, comprei aquilo que usamos quando vamos à academia (coisa que não faço também). Algo bem confortável que me permita andar, dar aulas e pedalar com as costas e as muxibas em paz.

Daí, comecei a pensar nos homens e percebi que vários amigos estão na minha frente em tempo livre e em dinheiro só porque são homens. Não somente porque ganham mais, mas porque gastam menos também já que para serem considerados bem sucedidos, basta cuidar do conteúdo e tomar banho. Colocar a mesma calça jeans e um tênis confortável com uma camisa básica branca não é problema algum para eles. Serão vistos com respeito e ninguém há de julgá-los porque estão somente limpos.

Não é fácil de verdade, gente. É muito difícil – em vários níveis – ser mulher. E olha que estou falando de um referencial super privilegiado.

Estou me sentindo mais bonita depois que parei de passar um monte de coisa para ficar me colorindo? De forma alguma. São anos lendo revistas femininas em que retratam as mulheres bem sucedidas com a pele nova, lisa, maquiada e os cabelos devidamente domados. São mais de vinte anos trabalhando com pessoas elogiando minha aparência. Semana retrasada, duas pessoas me perguntaram se eu estava cansada. Senti-me horrível, mas entendi que preciso descansar e não me maquiar.

Passei a ir para a cama com livros novamente. Hábito que havia deixado de lado dado a demanda do celular. Não raro, por conta do Brasil, perdia o sono. Os cabelos seguem discutindo comigo, rebeldes que são, mas parei de querer alisá-los.

Diriam muitos de vocês (e até a minha mãe) que estou “me largando”, deixando de cuidar de mim. Tenho pedalado muito, namorado bastante, comido super bem, estou lendo como nunca, aprendendo libras e voltei até a escrever. Tive ideia para um novo livro e estou trabalhando nisso muito animada. Também andei dando umas aulas diferentes e resolvi fazer um filme para mostrar para vocês como a experiência foi bacana. Ainda assim, para essa sociedade que nos impõe modelo de beleza, tenho a aparência de quem não está se cuidando.

Sigo pintando meus cabelos. Queria me livrar também desse cativeiro. Porém, miro na Meryl Streep no O diabo veste Prada e acerto na bruxa do setenta e um. Ainda há uma infinidade de coisas a serem trabalhadas. Há, por exemplo, uma voz aqui dentro me dizendo que preciso escolher, no futuro, ser a Hebe Camargo ou a Dona Benta.

Há, por sorte também, outras vozes.

Sei que a vida não é assim e que existem outros caminhos.

O meu caminho.

Eu disse que uma revolução interna não acontece pela metade mas, por vezes, preciso admitir, não se dá também por inteira. Temos que ter paciência com o nosso pretérito imperfeito.

Pode ser que um dia acorde com todo o tempo do mundo e resolva me enfeitar para ir à padaria. Pessoas fortes e guerreiras têm muitas recaídas e inseguranças.

Mas, se me virem por aí cheia de sardas, cutículas, olheiras e de tênis, percebam que há um fenômeno acontecendo.

É como eu pedisse a Deus para me fazer voar e ele me transformasse em um urubu.

Não estarei me sentindo mais bela mas, certamente, experimentando um tipo de liberdade.

O dia é 15 de Outubro. O ano é 2019. Aqui não se comemora Dia dos Professores.

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Hoje, Dia dos Professores, 15 de Outubro de 2019, ouço ecos do discurso de que o ensino deve formar um cidadão e que ao professor não lhe cabe a tarefa de educar e sim de ensinar. Entende-se por “ensinar” enfiar goela abaixo do aluno conteúdos distantes de sua realidade e domesticá-lo para servir a um sistema que insiste na ideia de que “ser alguém na vida” é um ser que tem muito dinheiro para consumir coisas supérfluas.

Discutir o pluralismo de ideias significa, para essa gente pequena, uma ameaça, pois implica preparar o educando não somente para desenvolver pensamento crítico, mas também para respeitar a diversidade, a alteridade e a divergência de opiniões que caracterizam as sociedades democráticas. Por incrível que pareça, isso é visto como algo perverso.

Hoje, há professores estimulando o debate sobre o consumismo moderno, a urbanização do mundo, a atuação das empresas multinacionais, a corrida desenvolvimentista, a sustentabilidade e a história contada por pensadores brancos entre outros assuntos marcados pela hegemonia do saber. Questionamos por quê as mulheres são tão agredidas, os negros assassinados, a indignação ainda é tão seletiva, debatemos sobre o sucesso ser baseado unicamente na ascensão econômica, enfim, falamos sobre vários temas conectados a natureza da perversidade das relações. Hoje, há professores estimulando a discussão sobre as desigualdades sociais, o feminismo, a discriminação sexual, entre outros assuntos. Isso tem feito o futuro cidadão pensar e, por isso, estamos sendo considerados inimigos da sociedade.

Querem nos fazer acreditar que será através dessa nova escola pública militarizada que estão nos impondo que vamos tirar as pessoas da pobreza. Não somos idiotas, Bolsonaro. Sabemos que foi com o advento do colonialismo juntamente com o dito “desenvolvimento” e a ideia de “ajuda” que a pobreza foi criada no mundo. Só mudaram os atores, os personagens são os mesmos e não nos enganam.

Sigo muito animada. Sei que é impossível essa profissão morrer ainda que agonize em praça pública. Verdade seja dita, nunca falamos tanto em Educação como hoje e a venda dos livros de Paulo Freire bateu recorde.

Quem odeia paulo Freire odeia professor. Se leram o mestre, viram o amor com que ele trata a nossa profissão e as reflexões profundas que ele fez sobre o educar. Não tem como não citá-lo no dia de hoje: “Seria uma atitude ingênua esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que proporcionasse às classes dominadas perceber as injustiças sociais de maneira crítica”.

Ainda que me falte a danada da esperança, continuarei lutando porque não quero passar por esse mundo como alguém que foi amputado sem grito, resistência e  repúdio diante de tanta atrocidade e dor. A esperança está acabando. Mas a nossa paciência também. E bem se sabe o quanto a falta desta nos move para outros lugares.

Sou uma professora. Acho que nasci assim. Por uma necessidade ontológica do meu ser e da minha carreira que se fundem, onde estou não pode ser  um espaço de conformismo social, cultural e intelectual.  Uma Escola que não promove um livre debate não é uma Escola. Precisamos dar a esse espaço que o governo Bolsonaro quer administrar um outro nome.

Estão fazendo de tudo para acabar com a nossa profissão que em essência estimula o vôo do pensamento. Enquanto as asas de muitos professores e professoras desse país estão sendo cortadas, muitos e muitas de nós já estamos usando as leis da física-  e as que estão na Constituição – para fabricar um modelo novo de asa delta.

O dia é 15 de Outubro. O ano é 2019. Aqui não se comemora Dia dos Professores. Não há festa entre nós hoje. Com as pedras que nos tacam, estou com muitos colegas aprendendo a construir um castelo. E, teimosos que somos, usamos o dia de hoje também para trabalhar nesse projeto.

Aquele sonho de melhorar o mundo pela educação que sempre tivemos… aquele sonho nem Bolsonaro vai tirar de nós. Posso lhes garantir. Daremos o nosso jeito.

Deus me livre ser fanático pelo PT!

Preciso lhes contar uma história que aconteceu hoje.

Passei o dia com um grupo de petistas que me fazem sentir um polvo. Explico: tenho agora vários braços para além dos meus que parecem dez. Quando vocês me virem andando por aí saibam que não sou eu e sim um coletivo de nós.

Antes que vocês venham julgar, saibam que estamos longe de ser fanáticos pelo partido. Inclusive, vale observar, temos problemas sérios com quem é fanático pelo PT.

São insuportáveis.

Eles acham que o PT é o melhor partido do mundo e ficam levantando teorias.

Meu grupo não.

Tudo petista sério.

Aqui não achamos nada. Temos certezas. Não levantamos teorias. Chegamos com a prática.

Um petista sério pode ter visto o PT tirar o país do mapa da fome, criar milhares de empregos, construir Universidades e Institutos Federais e o salário mínimo aumentar, mas ele vai e diz: falhamos nisso falhamos naquilo.

É como a Gisele Bündchen passando um batom.

A gente acha que sempre pode ser melhor daquilo que vemos no espelho.

Não somos simpatizantes do PT. Nananinha. Aqui a gente faz reunião com bandeiras estendidas. Petista que é petista não desperdiça tempo com sentimentos pequenos como a simpatia. Aqui é paixão eterna para cima.

A gente se reúne toda semana para decidir o que queremos decidir na semana que vem. Tem votação sempre porque temos apego a esse conceito: o voto.

Votar para nós é um tipo de modalidade olímpica. Se não tiver nada para votar na semana, a gente inventa. É importante a prática.

Quando uma amiga saiu de uma plenária que não pude ir, ela me ligou e disse:

– Elika, quando saí da reunião algo horrível aconteceu. Levei um tombo e quebrei os dois pulsos.

Eu, petista linda e doce que sou, disse:

– Sinto muito. Me conta: o que foi decidido hoje na reunião?

Claro que isso é um exagero. Minha amiga não quebrou dois pulsos e sim um.

Petista que é petista arruma confusão com qualquer um que não consegue ter opinião. Arruma confusão também com quem pensa diferente. E gasta uma energia infinita tentando convencer até quem concorda com a gente para garantir que não vai mudar de opinião lá na frente.

O nível é esse.

Acabada a nossa reunião hoje que durou o dia inteiro com um breve intervalo para o almoço, alguns falaram que iam pedir uber.

Houve confusão.

Normal.

Afinal, precisamos fazer nossa economia interna movimentar e não estamos aqui para dar dinheiro para empresa estrangeira, disseram uns.

Teve debate depois de sete horas reunidos debatendo.

Nós, petistas sérios, somos incansáveis.

Votei a favor do táxi-rio e tratei de pedir minha corrida com 40% de desconto que o aplicativo me dá. Para quem não sabe, o aplicativo oferece descontos nas corridas que variam de 10 a 40%. Petista não é burro e vai lá e escolhe o maior desconto que muitas das vezes fica até mais barato do que Uber.

E quem pensou que a história está no fim se enganou mais do que aqueles que acharam que tirando o PT do poder o povo melhoraria de vida.

Aqui começa a minha saga.

Mal entrei no táxi – acompanhada de Lucimar e meu amigo Paulo – o taxista começou a reclamar “do cliente que só escolhe o maior desconto e se lixa para o motorista que precisa fazer a manutenção do carro e tem família para sustentar”.

-Tem gente que paga no cartão oito reais, moça! Não dá. É muita falta de senso!

A minha corrida ia dar 28 reais com aquele desconto gostoso. Eu já havia separado 30, crente que estava arrasando no exercício da cidadania deixando o troco para o motorista.

Eu precisava me explicar.

-Mas o aplicativo dá essa opção de desconto, Miguel. Quem vai escolher um desconto menor podendo escolher o maior?

– Quem? Quem pensa no outro, moça! Por isso táxi tá acabando! Crivella que inventou esse aplicativo!

– Mas vocês não estavam gostando do Crivella? Ouvi de um colega seu dizer que…

– Moça, eu tenho muito colega burro. Não é porque é taxista que eu vou defender. – E desatou a reclamar de tudo de ruim que a categoria estava passando dizendo que em vinte anos trabalhando nunca esteve tão mal de vida. – Pior é ver gente doente balançando a bandeira do PT. – Falou Miguel.

Desse jeito, gente. O papo mudou que nem sei como.

O PT está para o Brasil tal e qual Platão para a filosofia. Você cita qualquer político, elogia a reforma de uma calçada, se queixa do preço do gás ou pede Anitta no Rock in Rio e o cidadão vai e desata a falar do PT.

– Minha filha entrou para Universidade Federal e ficou doente. Deu de balançar a bandeira do PT também. Para mim, moça, quem balança bandeira do PT é doente!

Galera, eu fatidicamente estava, pela primeira vez na vida, carregando na mochila cinco bandeiras do partido e dois bonés porque fiquei com a incumbência de lavar nosso manto sagrado e nosso capacete da alegria.

Imagina.

Só imagina.

– Eu votei no Bolsonaro, moça. Falam que ele é homofóbico porque arrumou treta com o Jean Uílis que só virou deputado porque foi bígui broder. Nem no Brasil o cara tá mais e ficam chamando Bolsonaro de homofóbico por causa desse Jean.

Não me calei. Claro. Fiz algumas perguntas.

– Miguel, na época do PT, o senhor estava ruim, economicamente falando?

-Eu tinha tudo, moça. Tinha assinatura de tudo. Sky, Net, Claro… Minha geladeira era cheia de longui néqui. Agora não tenho uma para beber quando chegar em casa. Ontem não tinha dez reais para dar para meu filho, moça. Mas é mole governar quando se tem dinheiro. Quero ver sem nada! – terminou Miguel.

-Miguel, que medidas estão sendo tomadas pelo seu presidente para que pessoas como o senhor melhorem de vida?

-Não sei, moça. Mas preciso confiar no cara né.

Não vou me estender mais. Daí para frente, é suficiente dizer que estava diante de um eleitor confesso de Bolsonaro que dizia que o Brasil não está bom porque vai levar tempo para consertar e que o PT isso o PT aquilo.

É necessário observar que tive um dia muito produtivo e havia felicidade e esperança dentro de mim.

A corrida terminou. Miguel soube que eu era petista quando estava quase chegando em casa.

Paulo ouviu tudo em silêncio e resolveu reiniciar, pasmem, no mesmo táxi, uma outra viagem até sua casa na Cruz Vermelha. Logo ali perto.

Chegando no destino, Miguel disse para meu amigo que achava que tinha me chateado e Paulo (que sabia que ele ia dizer isso) respondeu:

– Ela com certeza não ficou chateada. Ela ficou muito preocupada com você que está perdendo tudo e dando o apoio para quem está pouco se lixando para sua categoria.

Paulo estava se referindo ao estranho fenômeno do gado que aplaude quem lhe tira o pasto.

Miguel pensou por três segundos.

Talvez menos.

Apertou a mão do Paulo e foi pegar, certamente, outros petistas porque muitos de nós temos essa mania de escolher o táxi para fortalecer a economia nacional.

Terminamos o dia satisfeitos como aqueles que tiram do forno um bolo cheiroso. E não há bolo de festa sem cereja. A nossa foi esses míseros segundos que Miguel (quero acreditar nisso) cogitou que algo estava fora de lugar.

Petista fanático tem essa mania de acreditar que a Terra é redonda e que o mundo dá voltas.

Nós, petistas sérios, vamos além.

Miramos na reviravolta.

Cremos que nossa missão é infinita, a ditadura, não. E, fofos e sérios que somos, acreditamos que (juntamente com o amor) o diálogo vencerá.

Me julguem

De uns tempos para cá, tenho frequentado mais lugares na zona sul do Rio. Ter sido moradora de Madureira há 45 anos e do Flamengo há 10 meses fez com que eu observasse tudo com atenção e me movimentasse pelos lugares novos de forma cuidadosa para me socializar bonitinha.

A risada altíssima permanece seja lá em que lado estiver do túnel Rebouças, mas o que falo tem passado por um crivo do meu superego pela necessidade da sobrevivência.

Ouvi, numa reuniãozinha em Copacabana, uma mulher dizendo que ia para Miami renovar o guarda roupa porque lá tem tudo muito barato e de qualidade. Quem sou eu para julgar a economia e os valores de cada um, mas as pessoas que estavam em volta olharam de cara feia.

Observei tudo.

Eu, a atenta. A safa. Eu.

Precisava me enturmar e mandei na lata com a naturalidade daqueles que não olham preço no cardápio, enfim, falei que tenho planos de ir para o centro histórico de Bérgamo, uma cidade na Itália, ver umas roupas artesanais em uma feirinha de coisas usadas que ocorre sempre na Primavera. Detalhei porque sou dessas.

Pronto.

Me amaram.

Esquerda Cult tem dessas coisas. Disseram que a feirinha é ótima e enquanto eu ouvia elogios tentava adivinhar de qual região do meu cérebro eu inventei aquilo. Começaram a me dar dicas de brechós pelo mundo. Beleza.

Réchi tégui enturmada.

Lá pelas tantas, quando serviram bolinhas de mussarela de búfala com damasco, eu falei que estou planejando uma viagenzinha pela CVC há tempos e vendo quantos filhos o orçamento permite que eu leve.

Bola fora, Elika, bola fora.

Jamais falem em CVC aqui. Meu alarme bullying disparou e tive que recuar na conversa.

Para essa galera que faz festinha sem ter panelão na mesa com prato fundo descartável e que curte queijo muito mofado com taça de vinho francês, viagem em excursão e caravana para ir ao programa do Silvio Santos são coisas semelhantes em essência.

Eu que precisava avançar nas relações respirei fundo para não perder o pouco que havia construído em termos de contatos. Busquei segurança nos confins dos porões dos museus abandonados do meu Bacurau particular e disse que estava também pensando em ir fazer um Brit Movie Tours na Europa.

Dei um gole longo daquela bebida esquisita numa taça que tinha o diâmetro de uma moeda e mantive a postura.

Bingo.

Recebi várias dicas de caminhadas cults com temas de arquitetura, artes de rua, espionagem e outros motes que eu nem sonhava que existia. Me mandaram na hora roteiro pronto pelo whatsapp que farei um dia quem sabe quando tiver dinheiros e a paz de espírito necessária para passear em Paquetá.

Empolguei-me com a receptividade deste grupo específico. Verdade seja dita. Estava indo bem.

Havia a necessidade de dar um passo além para aprofundar a intimidade.

– Gente, amei visitar a exposição permanente do Pierre Choinier em Paris. – falei com a segurança daqueles que tem o mapa do mercadão de Madureira decorado na cabeça.

Paris. Nunca fui também.

Não vou dizer que é meu sonho porque sonhar a gente sonha com o resgate da autonomia do CEFET, com a diminuição da desigualdade social, com a liberdade de Lula e que o Uber tenha bala 7 belo. Paris a gente deseja com o sorriso nos olhos daqueles que vêem um sorvete ser bem servido pela moça do outro lado do balcão.

Quanto ao Pierre Choinier, para quem não sabe, é um grande artista renascentista francês inventado por mim na década de 80 em uma apresentação da escola quando o professor pediu para eu citar o nome de um pintor famoso e contar um pouco sobre ele em um trabalho oral. Não havia estudado nada mas não podia tirar zero. Mandei essa e, pasmem, ganhei um 10. Desde então, compreendi como me comportar no mundo.

Mas quase coloquei tudo a perder, gente.

Dei uma rateada e disse empolgada, super sem querer, que fui passar Lua de Mel em Cancun.

Jamais, eu disse jamais, façam isso quando estiver no meio dessa tribo específica porque eles vão achar que você também nunca experimentou palmito pupunha assado e isso pode ser fatal no julgamento de sua inteligência.

Se foi a Cancun, diga calmamente que foi para um lugar onde pode ver as antigas civilizações maias, astecas e toltecas, que esteve no Complexo de las Monjas e que a astronomia, a geometria, a matemática, a engenharia e as artes plásticas dos Maias são obras de arte.

Não satisfeita, falei que Guillermo del Toro faria a festa com aquele cenário. Não tenho a menor noção do sentido dessa frase mas isso é o que menos importa. Saber proferir expressões como está na página 1 do livro 1 do manual de sobrevivência que escrevi somente na minha cabeça.

Consegui corrigir tudo no tempo certo.

Vi orgasmos múltiplos e fui respeitada por ser burguesia-cultural-nível-hard.

Me acharam hiper cool.

Réchi tégui amigos de infância.

Se souber se comportar direitinho, você tem o mundo em suas mãos. Vai por mim.

Hoje, depois de votar no Conselho Tutelar, visitei a vila que morei em Madureira.

Encontrei meu vizinho lavando o carro na calçada e dei um berro de longe:

– Fala, corno! Teu time, hein! Vou te contar!

Ele me mostrou o dedo do meio, largou a mangueira na rua e veio me receber com um abraço. Não faço ideia para quem ele torce e do campeonato que está rolando.

Assim sigo caminhando, gente. Me julguem.