Aprendemos na aula de hoje que…

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Hoje fui andar de skate com o Pipo no Aterro do Flamengo. Estamos, a despeito de morarmos juntos há um ano, naquela fase (que eu espero que dure para sempre) que a gente está se conhecendo.

Hoje, particularmente, nesta linda tarde de Sol, levei um susto com o fato de Pipo ter se mostrado um pessoa completamente ignorante, irresponsável e sem noção. Guardei para mim toda essa impressão porque sou dessas de carregar as dores em silêncio.

Estávamos parados no sinal de uma avenida super movimentada. Tinha gente andando pelas calçadas e muita criança animada com os pais em nossa volta. De repente, passou bem na nossa frente um homem andando de patinete na rua praticamente no meio dos carros carregando um bebê num tipo de bolsa canguru.

Meu instinto materno veio com tudo em forma de julgamento e indignação.

– Que perigo! Onde já se viu expor a criança assim! Ela pode se machucar feio! Que gente irresponsável! Tinha que ter prova para saber se podia ser pai nesse mundo! Onde já se viu! Coitada da criança! Que perigo!

Pipo imediatamente discordou de tudo.

– Amor, isso foi feito para carregar criança, não tem como se machucar…

– Se o adulto cair, vai cair por cima da criança que está na frente, Pipo! E apontei para o cara que já tinha sumido.

Pipo nem me olhava. Ele estava ansioso para atravessar a rua como se vidas de bebês não importassem. O sinal abriu e ele foi atravessando puxando a minha mão.

– Não tem como cair, amor. O brinquedo é estável. Deixa disso. A criança está segura. Vai por mim. Vamos. Abriu.

Engoli a seco. Não vou discutir com maluco que não vê perigo num bebê andando de patinete no colo do pai no meio de uma avenida, gente. Queria relaxar nessa tarde de Domingo, fazer exercício, tomar água de coco sem estresse, sem notícias, sem celular…

Andamos de skate, tirei foto dele, vimos árvores bonitas, as nuvens avermelhadas ao fundo e sentimos a brisa de fim de tarde.

Mas a coisa ruim estava ali. Guardada nos porões de onde produzimos de forma natural um tipo de tabaco para nossos pulmões.

Uma pena esse homem lindo ter essa indiferença sem tamanho com todos os bebês deste planeta, pensava como aquelas pessoas gripadas que comem um doce sem sentir o gosto.

Agorinha, veja, vocês, já com a Lua e Vênus no céu, a gente estava sentado na grama tomando uma água de coco. Pipo me apontou um bebê sentadinho em um triciclo que estava sendo empurrado por uma alça (que faz parte do brinquedo) pelo adulto que o estava acompanhando.

– Ali, amor, observe. O brinquedo é todo protegido. Tem uma frente grande. É estável. Não tem como a criança cair ali não. – explicou ele todo cheio de calma.

– Ali não tem né. Mas e em um patinete no colo do pai andando junto com os carros na rua? – perguntei balançando a cabeça como um sino e com o queixo mole pendurado.

– Onde cê viu isso, amor? Que absurdo! disse Pipo assustado.

Pois então, gente…

Por achar que todo mundo enxerga com os meus olhos, quase fiz um estrago num diamante aqui. Um professor de história um dia me disse que grandes guerras acontecem sempre por falta de diálogo.

Aprendi hoje que as grandes guerras são também aquelas que travamos dentro da gente.

Iti Malia Luiza, Márcia e seu Lúcio.

Já falei muito sobre a Márcia aqui, a pessoinha que conheci que ajuda pessoas em situação de rua há mais de 20 anos. Hoje quero falar da Maria Luiza, a netinha da Márcia de quatro anos.

Maria Luiza cujo nome completo é Iti Malia Luiza acompanha a avó em várias atividades.

Para a criança que cresce em um ambiente repleto de pessoas que não têm sequer onde dormir, a forma de olhar o mundo é outra. O conceito de amor, beleza e amizade que Maria Luiza já tem em sua cabecinha é bem diferente do que vemos nas novelas.

Márcia fica doida com Maria Luiza que não para quieta. Vejam vocês, outro dia a menina saiu do carro da vovó, viu um guardador de rua imundo, fedorento e não pensou duas vezes. Correu para lhe dar um abraço e conversar com ele.

Quando Márcia olhou, a neta já estava agarrada na perna do homem que, ao ver o rosto da avó, colocou as mãos para cima assustado dizendo – no olhar apavorado – que foi Maria Luiza que havia tomado a iniciativa daquela união.

Márcia não pensou duas vezes. Deu uma bronca daquelas.

Na Maria.

– Maria! Você sabe lá se ele quer esse abraço? Quantas vezes já te falei que não pode sair abraçando as pessoas assim, Maria Luiza? Perguntou a ele se podia abraçar antes? Desculpa, moço, ela é muito levada!

O moço que se chama Lúcio abriu um sorriso como aqueles que veem o garçom chegando com a comida.

Maria Luiza aprendeu a abraçar as pessoas que gosta. Ela já sabe que a verdadeira beleza é coisa que não se vê e sim que se semeia.

E seu Lúcio tem conhecimento, como qualquer ser humano, que muitas dores se dissolvem com um abraço e que é no abraço, mais do que qualquer outro gesto, que as pessoas se encontram e se gostam.

Mas seu Lúcio sabe mais do que isso.

Sabe que um abraço pode ser dado sem que dois corpos se encontrem e que Márcia quase lhe quebrou uma costela.

Por quem as sementes florescem?

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Aconteceu, gente. Eu vi uma forma de felicidade. Vou tentar descrevê-la.

Perdi a noção um dia e convidei Maria Gadu para cantar para pessoas em situação de rua que Márcia ajuda há mais de 20 anos ali em São Cristóvão (Rua Bela, 795). Fiz o pedido como aqueles que nos estendem a mão nas calçadas esperando uma moeda.

Qual foi minha surpresa ela aceitou de pronto!

A data seria especial: nossa festa de Natal.

Ontem preparamos, com tudo o que foi nos doado (inclusive por muitos de vocês) uma ceia maravilhosa e Maria Gadu cantou lindamente para um público bem diferente do qual ela está acostumada. Maria Gadu cantou com a alegria de uma mãe batendo palmas no aniversário de um filho.

Hideo, meu filho músico, deixou tudo preparado para ela no palco que veio direto de São Paulo para nossa festa. Mal Gadu sentou e pegou no violão, pediu para que Hideo ficasse ao lado dela.

Réchi tégui emocionada

Yuki também se apresentou ao lado da Gadu porque Hideo achou que seria legal o caçula aproveitar a oportunidade. Cedeu a vez para o irmão como um faminto que divide um prato de comida.

Réchi tégui chorei baldes

Gadu emocionou demais.

Vou colocar aqui uma mensagem que mandei para ela por Whatsapp assim que ela topou, eu anunciei nas redes a novidade e algo aconteceu:

“Oi, Gadú. Vou falar uma parada aqui para você.

Sou muito sem noção. Eu sei. Esse negócio de ser suburbana me fez ficar assim. Acho que foi isso.

Conheci a Márcia no ano passado. Ela trabalha com pessoas em situação de rua há 20 anos. A bicha tem é história viu.

Me senti uma ameba diante dela. Uma vida dedicada a ajudar o outro.

A população vulnerável aumentou. Comecei a entrar em desespero quando vi tudo de perto e a pedir socorro nas minhas parcas redes que cresceram sabe Deus por quê.

Pede daqui pede dali e a gente vai dando conta com o que conseguimos do nosso jeito.

Daí fui falar com você. Você topou. Nenhuma data amarrada ainda em nome de Jesus mas Deus viu nossa boa vontade (Digo isso desse jeito por retórica porque sou ateia por parte de pai).

Daí, feliz que estava, compartilhei a novidade na rede. “Maria Gadú topou cantar para a galera, gente”. Não falei em data. Não falei mais nada. Disse isso. Desse jeito.

Um fenômeno aconteceu.

Pessoas se prontificaram a ajudar também. Mas muitas! Pencas de pessoas! Epidemia de gente do bem. Enxame de amor. Coletivo de luz. Impressionante.

A associação passou o dia todo recebendo ligações. Doações já começaram a aparecer.

Estamos falando para as pessoas que estão entrando em contato que se você for, não será aberto ao público de fora e sim só para as pessoas que frequentam o local.

Não importa. Geral quer ajudar mesmo assim porque Maria Gadú isso Maria Gadú aquilo amo Maria Gadú…

Estou te contando tudo isso porque estou impressionada com o que estou vendo aqui. Sei que você é uma artista e tanto e não é isso que me surpreende, digo, as pessoas te amarem.

Estou impressionada com a mobilização e a força de um(a) artista para fazer o bem (ainda que nada aconteça, a dizer, o show em si).

Espero que você conheça a Márcia e as pessoas que trabalham ajudando outras. Espero que você possa cantar e emocionar quem nada tem.

E ainda que tudo tenha sido um sonho doido da minha cabeça, quero te agradecer pela confiança e por você existir.”

Ela estava em turnê internacional quando lhe fiz o convite e, alguns dias depois, mandei a mensagem acima.

Verdade foi que conseguimos tudo bem antes do dia da festa que foi ontem. Teve comida, roupa, enfeites, tudo! A festa já seria perfeita mas, ainda assim, Deus nos mandou Maria Gadu. Agradeci em silêncio sorrindo olhando tudo como aqueles que acreditam Nele, pois o que seria lindo teve um quê de divino.

No carro, saindo do evento, ela me contou uma coisa: no dia em que recebeu o meu convite, ela estava muito triste lá em Portugal por estar longe de casa e ter recebido uma notícia extremamente ruim sobre a perda de uma amiga.

Disse para mim, a seguir, que a minha mensagem equilibrou seu universo particular e me agradeceu muito por isso com a cabeça encostada no meu ombro.

Chorei disfarçadamente como aqueles que, depois de muita suspeita, deparam-se com uma prova esperada.

Era isso e muito mais que queria compartilhar com vocês hoje. Tem algo além que as palavras não alcançam mas espero que vocês consigam captar daí.

O amor é muita coisa, gente.

A arte resiste. E, de fato, faz um bem danado para nossas vidas.

Obrigada a todas as pessoas que contribuíram para a realização dessa festa de um jeito ou de outro.

Obrigada, Márcia, pela oportunidade de me fazer crescer tanto ao lado dos meus filhos.

Obrigada, Maria Gadu, por ter confiado em mim e por existir.

Para finalizar, as pessoas em situação de rua precisam de ajuda o ano todo. Toda as quartas, faça chuva com enchente faça chuva sem enchente aqui no Rio, estamos na rua Bela em São Cristóvão oferecendo oportunidade para banho, roupas limpas e um jantar para quem lá chegar.

Como vocês sabem, o número de gente sem casa aumentou muito e precisamos de doações sempre. O ano todo.

Independente de Natal, se você quiser doar roupa, comida e tempo para ajudar, só chegar lá. Faço esse aviso como aqueles que compartilham a descoberta de um curso gratuito.

Deixo aqui o celular da Márcia para quem quiser maiores informações 21 98627 5163

Foi lindo, gente. E há de ser sempre assim. E, se tudo correr bem, com menos caridade e mais políticas públicas.

O amor resiste porque viver só não basta. E floresce porque as sementes servem para isso.

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