Equilátera amorosa

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Em matéria de amor e sexo, as possibilidades são infinitas e por mais que eu me ache espertinha no assunto sempre me surpreendo.

Vou colocar pseudônimos para não expor as pessoas que conheci há pouco. Isso posto, essa é a história de Joana, Fernanda e Ludmila que praticam um triângulo amoroso equilátero que jamais imaginei que existisse.

Comecei a pensar sobre um projeto interessante. Para tanto, precisava de três mulheres adultas que quisessem aprender a andar de skate. Por um caminho que não interessa mencionar aqui, marquei uma reunião em um café com Ludmila e ela levou junto Joana e Fernanda. Aqui começa uma história que nem sei se darei conta de contar. 

Como sempre, vou tentar.

Joana é a mais nova. Vamos começar por ela. É jornalista e fotógrafa de um jornal importante. Tem 34 anos e contou para mim que nunca se interessou por homens na vida. Ela é do tipo modelo-big-size mega advanced plus empoderada. Super delicada, cílios longos, alta, imponente na postura e no olhar. Fala pelos cotovelos e sabe narrar histórias que nunca vi igual.

Fernanda é a mais velha das três. Está com a minha idade, 46 anos. Já foi casada, tem dois filhos que estão na faculdade. Disse que nunca na vida tinha pensado que se apaixonaria por uma mulher, ainda mais por duas. Confessou que teve lá suas vontades de transar, quando casada ainda, com uma mulher para sentir a diferença, ver se era melhor, como muitas dizem, experimentar pelo menos, sabe como é, disse ela. Fernanda é doutora em sociologia política e professora de uma universidade particular. Tem uma retórica que meu deus…

Ludmila acabou de fazer 40 anos. A mais agitada das três. Se tivesse oportunidade de transar com uma delas, seria ela de longe a minha favorita. A conversa com elas me fez ter esse tipo de pensamento embora nenhuma das três estivesse aberta para ir para cama com mais ninguém. Que fique claro, nem eu estou procurando nada e muito menos disponível. Sigo apaixonada e vivendo um grande amor. Mas o papo foi tão louco que, preciso confessar, saí do foco por alguns segundos.

Ludmila é escritora. Trabalha com livros infantis com uma pegada progressista e alerta sobre possibilidades de abusos na infância. Discute a questão de gênero com maestria. Muitos de seus livros são usados em escolas para discutir a questão da família e de preconceitos. Sabe andar de patins, mas não anda. Sabe pedalar, mas não pedala. E queria aprender andar de skate. Ela foi o meu primeiro contato. Disse que eu caí do céu com esse projeto cujo nome é skatias (esqueitias). Skates para mulheres acima de 40 anos. Coisas que brotam da minha cabeça do nada.

Primeiro Joana se apaixonou por Fernanda. Joana foi fazer uma matéria, precisou de uma consultoria e chegou até o nome da doutora no assunto. Joana disse que não teve outra opção a não ser se apaixonar loucamente. Fernanda é inteligentíssima, tem os cabelos grisalhos mais lindos que já vi e uma força no discurso que, de fato, impressiona. 

Joana arrumou várias outras desculpas para conversar com Fernanda que sempre se mostrou muito solícita. Numa tarde, ao se despedirem na sala em que Fernanda trabalha na Universidade, Joana deu-lhe um beijo molhado que Fernanda, inicialmente assustada e cheia de freios, foi mandando toda sua formação conservadora às favas. Entregou sua boca para Joana e se permitiu ter o melhor primeiro beijo de sua vida.

Depois disso, Joana, que morava sozinha em um apartamento na Tijuca de dois quartos, convidou Fernanda para conhecê-lo. Mandou uma mensagem carinhosa dizendo que sabia cozinhar e se Fernanda estava a fim de experimentar a comida dela. Ok. Também não achei lá muito original a cantada, mas Fernanda já estava enlouquecida por Joana e, mesmo se não tivesse janta, ela iria.

Fernanda me disse que foi uma das coisas mais libertadoras que ela já viveu na vida. Joana fez com que Fernanda redescobrisse seu corpo. Numa técnica que domina, Joana fez – veja bem, meninas – Fernanda aprender o que é squirt.

Confesso aqui que fiquei super sem graça quando começaram a me contar isso porque sequer tinha ouvido falar sobre essa palavra na vida. Fernanda, percebendo meu desconcerto, veio ao meu socorro dizendo que até ir para a cama com Joana também não sabia o que era aquilo. Fernanda me acalmou dizendo que não é um super orgasmo. Trata-se “apenas” uma ejaculação feminina que nem toda mulher consegue e que não melhorou nem piorou seu prazer depois que ela vivenciou seu squirt. Porém, óbvio, o fenômeno lhe fez entender muito mais sobre o seu corpo.

Amém. Estou perdendo alguma coisa mas nada de desespero, Elika, relaxa.

Daí que Fernanda ficou louca por Joana. Ela que tinha se separado e há um ano estava morando com seus pais, arrumou sua mala e partiu morar com Joana que lhe aceitou de braços e pernas abertas. Para a família, Fernanda disse que ia morar com uma amiga e, claro, ninguém desconfiou de nada nem seus filhos superprafrentex e defensores de pautas identitárias.

E onde era a maluquinha da Ludmila?

Pois então. A filha de Fernanda está fazendo psicologia e convidou a mãe para assistir com ela uma palestra de uma escritora que tratava de um tema super delicado como a pedofilia e escrevia sobre isso para crianças.

Fernanda foi. Quando viu Ludmila quis apresentá-la para Joana fazer uma matéria no jornal sobre ela e dar luz a esse tema.

E agora a história dá uma virada e tanto, gente do céu, foco aqui agora.

Fernanda pegou os contatos passados pela própria Ludmila ao final da palestra. Mandou um e-mail inicialmente para sondar o interesse. Ludmila respondeu bonitinha e bem polida o convite. Marcaram de se encontrar no Museu da República, próximo do apartamento em que Ludmila morava no Catete.

E assim aconteceu o primeiro encontro das três. Joana começou a entrevistar Ludmila e Fernanda se pegou, de repente, olhando para as duas como se as duas fossem uma só. Emergiu dali, entre Joana e Ludmila uma terceira alma, digamos assim.

Fernanda tentou conter seus pensamentos porque estava se julgando depravada demais depois que se juntou com Joana. Já basta o relacionamento que tem com Joana…, pensava tentando se conter. O que ela não sabia era que, enquanto conversava com Ludmila, Joana também olhou para as duas assustadas e com a mesma sensação. O papo entre as Fernanda e Ludmila fluiu demais. Joana até pensou que seria melhor gravar as duas conversando do que ela, a jornalista, entrevistar a escritora Ludmila. Estava agradável a ponto de exalar beleza.

Há flores em qualquer sintonia, sabemos disso.

E o que nem Joana nem Fernanda sabiam era que Ludmila também percebeu as duas com uma unicidade inerente. E por esse uno que transcende de muitos casais, Ludmila se encantou.

Terminada a entrevista, Joana e Fernanda se despediram de Ludmila como o mesmo sentimento daqueles que não fazem uma viagem dos sonhos por falta de dinheiro.

Joana editou a entrevista, mostrou para Fernanda que leu a matéria pensando em algo para acrescentar. A matéria estava perfeita como todas da danada de Joana. Não sem motivo, Joana anda se destacando em um dos maiores jornais do Brasil.

O texto poderia ter sido enviado por e-mail para aprovação de Ludmila. Joana, no entanto, de uma forma intuitiva como agem os apaixonados, perguntou se não era melhor fazer a revisão pessoalmente. Ludmila aceitou prontamente. Disse que daria uma palestra em uma escola ali na Tijuca tal dia. Joana pegou a deixa e perguntou se Ludmila aceitaria tomar um café na casa delas.

E daí, gente, aconteceu uma coisa muito interessante nesse mundo. Continua comigo aqui que a história ainda não terminou.

Quando Ludmila entrou, Fernanda e Joana,  que não tinham tocado no assunto-delírio-da-minha-cabeça uma com a outra por acharem que era uma bobagem dessas que todas as pessoas têm quando olham para uma pessoa linda lambendo um sorvete, Fernanda e Joana estavam olhando para Ludmila como os girassóis piscam para uma estrela.

Houve uma tensão no ar do tipo que que se dá com muitos sorrisos, passadas de mão no cabelo, olhares que vão para além do corpo, ajeitadas de brincos, gargalhadas altas… Quer ficar para janta, Ludmila? Ah não quero incomodar. Imagina, Fernanda adora cozinhar e hoje é dia de vinho.

A conversa, claro, tinha ido muito além da pauta. Ludmila se sentiu à vontade para falar sobre outros assuntos e de sua vida pessoal. Tinha sido casada por três anos, tem um filho de 12 anos que mora com o pai em São Paulo. Ela e o pai de Felipe são super amigos. Depois disso, nunca conseguiu se relacionar de forma mais séria com ninguém. Seja homem seja mulher. Ludmila escancarou sua bissexualidade como aquelas que retocam a maquiagem em local público.

Na primeira taça de vinho, Joana beijou Fernanda sabendo que Ludmila estava olhando. Quando terminou o beijo, chamou Ludmila para mais perto das duas e aconteceu o famoso beijo triplo.

Nenhuma das três jamais tinham feito um ménage e, por incrível que pareça, como já disse acima, nenhuma das três se sentia em um mènage à trois e sim à deux.

Vou tentar explicar.

A primeira transa delas se deu de um jeito que não tinha, de fato, como se sentir diferente. Digo, uma com duas. Sei lá se estou conseguindo elucidar o que elas me passaram.

A cada momento, duas tomavam a iniciativa em se dedicar a dar prazer extremo a uma delas e essa uma experimentava, para além do tesão jamais sentido, a sensação de abraçar um universo.

Apesar das horas imersas em seus fluidos, como as possibilidades são infinitas, o tempo  que tiveram naquela noite foi muito curto para tantas descobertas.

Joana, Fernanda e Ludmila, hoje, moram juntas em um apartamento em Botafogo. Cada uma tem um quarto e é muito difícil acontecer de duas delas irem para cama juntas. Afinal, cada uma se apaixonou pelo que emerge das outras duas juntas, compreende? Quando Joana está com Fernanda é muito bom, mas quando Joana vê Fernanda e Ludmila conversando parece que Joana está vendo a queima de fogos no reveillon. Quando Ludmila está com Joana é muito agradável para elas. Mas se Fernanda chega, o deleite vai para um outro patamar.

Nenhuma das três acha que encontrará isso em mais nenhum outro lugar do mundo. Joana, Fernanda e Ludmila não querem mais ninguém e nem se interessam em outras configurações porque nem chegaram perto de esgotar as possibilidades entre elas que já estão juntas há quase dois anos. O triângulo jamais se tornará outra figura geométrica. Foi o que ouvi, de uma forma diferente, de cada uma delas.

Os filhos de Fernanda e de Ludmila, por uma decisão delas, ainda não sabem os detalhes dessa história. É tudo muito bonito, mas tem coisas que precisam ter um certo preparo antes de serem apresentadas porque podem causar estranhamento. Uma pessoa que está acostumada a ouvir somente rock, por exemplo, pode achar lindo um samba de Cartola. Mas a possibilidade de haver uma rejeição inicial por uma questão de hábito tem que ser considerada. E qualquer forma de amor requer cuidado.

Eu vi as três juntas. Por algum motivo que nem sei explicar, o papo foi de skate para esse babado todo. Fiquei como ficam aqueles que olham pela primeira vez o mar. A sensação era que aquilo era lindo e grande demais.

Para variar, sempre que me deparo com algo que me assusta pela ordem de grandeza, quis apresentá-las para vocês. Joana, Ludmila e Fernanda me comprovaram, pela milionésima vez, que não há mesmo fórmula para o amor.

O amor é um tipo de estado emotivo e nada do que sentimos cabe dentro de uma equação matemática. Nem mesmo nós temos acesso à química suscitada em nossas veias. Quando percebemos, estamos sentindo algo que foge ao nosso controle. Seja fome seja qualquer outra vontade.

Para finalizar, Joana, Ludmila e Fernanda, em algum lugar extenso do passado, já tinham um ideal, para elas, do que seria o amor. O que elas têm hoje nem de longe um dia chegaram a cogitar.

Amor, acima de tudo – aprendi olhando Joana, Ludmila e Fernanda –  é algo que não combina com explicações. E o amar acontece quando deixamos fluir o nosso surpreender.

5 comentários em “Equilátera amorosa

  1. Caramba, Elika, acho que esta é de longe sua melhor crônica e uma das histórias mais lindas que já li na vida.

    Minto: empata com aquela do dia em que o Lula te ligou.

    Sigo aqui te seguindo e me emocionando com suas palavras. Já dei livro seu de presente pra mozão, que agora também é fã apaixonada.

    Pena que eu sou de São Paulo e você do Rio, queria te dar um abraço, desses que a gente dá a quem não vê faz tempo mas que o amor não mudou.

    Beijo.

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