O rosto dela é o de todas nós

Aconteceu de novo. Uma menina de dez anos, abusada sexualmente pelo tio desde os seis anos, ficou grávida. A tia percebeu algo estranho e levou a sobrinha para o hospital onde foi constatado a gravidez de três meses. A tragédia se deu, dessa vez, no norte do Espírito Santo nessa bagaça chamada Brasil.

O caso é horrível, triste e nauseante mas mais repugnante e pavoroso é saber que não é o único e não será o último, assim como não foi a primeira vez que vemos uma menina ser estuprada e correr risco de vida por ter engravidado do estuprador.

Por lei, o aborto em situações como essa onde foi detectado crime de estupro e a gestante – friso, uma menina de 10 anos – corre risco de vida, enfim, por lei, o aborto é permitido aqui.

A reação dos conservadores de plantão não tardou a aparecer. Vieram com tudo para “defender o bebê”, a maioria homens pelo que percebi aqui no meu radar.

As mesmas pessoas que são “a favor da vida” são contra a educação sexual nas escolas. Esses seres não mostraram revolta e não demonstraram repúdio com o estupro que a menina sofreu – mas sim com a possibilidade do aborto, como disse, neste caso, permitido por lei.

Se acha que estou exagerando, faça a pesquisa com seus próprios olhos. Pode ser que a minha bolha esteja podre mas, dado o mundo, creio que não seja só a minha.

A violência sexual contra crianças e adolescentes é, infelizmente, uma realidade que estamos a todo custo, há tempos, tentando combater. Se o tema parece repetitivo e chato para você, imagine para nós que lidamos diariamente com essas notícias e até mesmo passamos por isso.

Se você se coloca contra a educação sexual nas escolas saiba que os casos de violência sexual são muitos, também, pela falta desse debate.

A questão de gênero, palavrinha que causa furor em conservadores, está vinculada a vários crimes de estupro cometido em crianças.

Trago alguns números. Vai que você não tem noção do tamanho da desgraça…

Ao menos uma em cada três mulheres foi vítima de violência física ou sexual exercida por um companheiro íntimo (ONU, 2014).

89% dos casos de violência sexual registrados no Brasil são contra mulheres. Do total, 70% representam casos contra crianças e adolescentes, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2014).

Em campanha realizada na internet pela organização Think Olga com a #PrimeiroAssedio, a idade média do primeiro assédio sofrido por mulheres é de 9,7 anos, ou seja, ainda na infância.

A esmagadora maioria das vítimas de violência sexual é de meninas entre 0 a 17 anos. Nos casos notificados ao Sistema VIVA/SUS, a porcentagem de crianças e adolescentes do sexo feminino foi de 83,5%.

Qual seria a causa disso? Há quem diga que os homens têm um impulso incontrolável. Será tão fora de controle assim? São em todas as comunidades do mundo em que temos estupros? E cá para nós, como assim os homens não são capazes, como dizem, por uma questão hormonal de sua natureza, de controlar sua disposição sexual mas conseguem, por exemplo, esperar a mãe da criança sair da casa para cometer o crime ou tem a calma para procurar um lugar seguro para agir violentamente? Que impulso incontrolável é esse que consegue esperar o momento ideal para segui-lo?

Sou a favor da Educação sexual nas escolas mas tenho pleno entendimento que essa responsabilidade não se restringe somente a elas.

Esse enfrentamento deve ser feito nas Igrejas, nos clubes, nas praias, nos bares e em qualquer lugar onde exista alguém que se incomode com esses números. Não cabe só ao professor o ato de educar. Debater a origem dessa violência é um dever de toda a sociedade.

Fato é: o caso dessa menina de dez anos não é um caso isolado. Pelo contrário, esses crimes integram a nossa organização social e fazem parte de uma estrutura que regula as relações entre homens e mulheres e meninas.

Vale dizer, que essa estrutura não é algo natural e sim cultural e, portanto, passível de releituras, debates e mudanças e elas só vão acontecer quando cada pessoa tomar para si a responsabilidade de participar dessa revolução.

O nome da menina de dez anos que ainda está grávida (dada a morosidade do processo para autorizar o aborto) não foi revelado e não importa.

Ela tem vários nomes e o rosto dela é a de todas nós.

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Não consegui descobrir o nome da artista para dar os créditos.

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