Foco na Primavera, Lúcia.

Sou seguida por muitas mulheres de idades bem variadas. Há quem acredite que eu sirva para dar conselhos. Vira  e mexe, recebo mensagens plenas de histórias e, no final, pedem para eu dar uma opinião a respeito. Em tempos de pandemia, foram muitas delas. Afinal, quantas de nós conhecemos melhor a pessoa com a qual estamos nos relacionando ao passar por um período tão difícil? 

Não quero aqui e agora debater a violência que as mulheres têm sofrido e cujo número aumentou muito com a pandemia. Queria, se me permitirem, responder a mensagem da Lúcia que está sofrendo por achar que o Jorge não lhe dá muita atenção.

(Jorge é gente boa, pelo o que entendi da longa mensagem de Lúcia, vale observar).

Não respondo a Lúcia com o intuito de explicar nada ou de apontar um norte. Não. Nada disso. Quem me dera ter uma bússola… Apenas trago algumas ponderações que me ocorreram depois que passei três décadas da minha vida namorando a mesma pessoa, me separei, fiquei uns três anos solteira e, depois, conheci Pipo. 

Ou seja, Lúcia, sente o drama: me vi apaixonada novamente em plena transição capilar e com Lula me ligando, sendo candidata pela primeira vez, Nara dizendo que era bi e que eu poderia ser também… Era muita coisa para dar conta, amiga. Aprendi um bocado sobre mim mesma. 

Não sei se vai lhe servir a minha experiência e meus devaneios. 

Mas vamos lá, Lúcia.

Estou há seis meses trancada em um apartamento com o Pipo. Estamos há uns três anos juntos. Ele trabalha com teatro, Lúcia, você deve saber.

Sou agora esposa de Hermanoteu que veio da Pentescopeia, filho de Ooloneia e irmã de Micalateia. 

Antes da pandemia, Pipo se apresentava todo final de semana por esse Brasil. Tinha reuniões de trabalho direto e a minha agenda, Lúcia, não era lá muito diferente. Para além de dar aula no CEFET, eu tinha lançamentos de meus livros e ministrava palestras também em várias cidades diferentes, tinha reuniões do partido e mais outras coisas.

Vivíamos pegando uber e avião. 

Sempre que podia e o salário permitia, eu acompanhava Pipo nas apresentações e, quando dava, ele também me acompanhava em vários eventos. 

O tempo juntos era raro. 

Daí veio 2020, Lucia.

Ô ano ruim, amiga. Pelamordasdeusas, o que é isso que estamos vivendo?

Eu vivia sentindo saudades dele. E continuo assim em plena pandemia com o homem dentro de casa o dia inteiro comigo.

(Grazadeus, Lúcia, sinto saudade dele)

Eu e Pipo, amiga, passamos por vários momentos bem difíceis aqui, mas em nenhum deles ficamos mal um com o outro. Pelo contrário. Também não vou dizer que nosso relacionamento ficou mais forte porque a verdade é que nada mudou desde que nos conhecemos. Vale dizer que ao ver Pipo pela primeira vez, tive a sensação de estar em um reencontro e não em um encontro. Não era o início. Já era amor antes de ser, Lúcia.

Estou me dispersando. Perdão, amiga.

O que quero dizer, Lúcia, é que o tempo que passamos juntos não aumentou ainda que estejamos trancados dentro de um apartamento. Exatamente agora, ele está na sala assistindo um filme e eu aqui sentindo vontade de escrever para você que nem conheço mas já considero pacas. 

Ontem, Lúcia, ele passou o dia trancado no quarto gravando um podcast (Tábua de Salvação, está no spotify, se você quiser ouvir). Mandei mensagem pelo whatsapp dizendo que o almoço estava pronto e depois que a pizza havia chegado. Fiquei com medo de abrir a porta e estragar a gravação toda.

Tenho um mantra aqui na minha cabeça, Lúcia, que sempre repeti para meus filhos: não se tira a paz de ninguém. Se há alguém feliz, lendo, costurando, cozinhando, dormindo, olhando para o teto, trancado no banheiro, assistindo televisão, estudando, ensaiando, escrevendo… deixa a pessoa em paz. Se for chamá-la, veja se o motivo pelo qual a paz da pessoa será interrompida vale a pena.

E isso serve para qualquer pessoa que estamos nos relacionando.

Sofro quando vejo alguém cobrando presença do companheiro ou da companheira. Aquele papo de manter o relacionamento vivo como se estivesse regando uma plantinha, sabe? Então, Lúcia, perdoa a minha sinceridade e honestidade, mas acho um desserviço danado porque a metáfora é usada quase sempre para cobrar atenção do outro. 

Se a pessoa estiver fazendo outra coisa e está feliz, em paz, por que querer competir com isso ou colocar algum sentimento de culpa por ela não estar mais tempo com você?

Pode ser que ela não esteja mesmo a fim de estar ao seu lado e pode ser que isso signifique apenas que cada um tem seu tempo de ficar sozinho e viver outras coisas. 

O amor que temos não pode ter o peso de uma responsabilidade para ninguém. Carinho pedido é sentimento mendigado. Quando dado assim não é paixão, Lúcia. É compaixão. Deus me livre viver de favor concedido nesse plano abstrato. Pense se vale a pena ter DR com Jorge pedindo que ele fique mais tempo com você, amiga.

Eu ando bem calminha depois que entendi que a quantidade de tempo que se passa junto não diz nada a respeito sobre sentimento. Estou vivendo uma forma de paz.

A gente foi educado por esse mundo de uma forma muito equivocada. Romantizamos o que é perverso, o que não é natural. 

Romantizamos a monogamia das novelas, Lúcia. Veja bem, amiga. Tentamos criar fórmulas para algo que não é passível de ser equacionado: nós. 

Lúcia, não adianta jurar amor eterno, o Papa abençoar o casamento e assinar o papel de compromisso com caneta de ouro. O que sentimos não cabe em um documento.

Entendo que o amor aparece, ou não, espontaneamente, mas nunca por força de imposição. Quando você demanda, pode vir o compromisso, mas o amor não atende a pedidos. 

Então, levando em conta que o Jorge está aí pela casa, não te trata mal, pelo contrário, é carinhoso com você e apenas tem ficado muito tempo jogando videogame com o Jorginho, peço para você reavaliar a sua conclusão de que o amor do Jorge por você acabou. E caso tenha acabado, entenda que não é pedindo que ele renasce.

Pode ser que acabou? Pode, Lúcia. Mas pode ser que não também. Pode ser tudo, Lúcia. Há muitas formas de amar e não somos (nem queremos ser mais) a princesa da Disney.

Amém, amiga. Foco em tu e na Moana que foi feliz sozinha.

Pense comigo, Lúcia. Se esse amor que é idealizado nos filmes fosse o natural, por que fazer leis para garanti-lo pela eternidade em nossas vidas? Não quero nem analisar tudo isso a luz da história que aponta o surgimento da monogamia atrelado ao conceito de propriedade.

Já leu sobre isso?

Então, minha filha Nara tem conversado muito comigo a respeito. A mulher, como objeto de posse de um homem, Lúcia, entrou nessa para garantir a herança dentro de uma família. 

Mas nem quero me encalacrar nessa discussão com você agora não, amiga. 

Quero apelar para o eu nosso de cada dia.

Você pode ser desejada, mas é necessário que lhe tenham amor para incluir o respeito ao seu relógio – ao seu tempo.

Conheci a liberdade de poder fazer o que quiser e ser amada ainda assim. Isso é o paraíso, amiga. E é o que desejo para qualquer ser humano deste planeta. Para você e para o Jorge também.

O meu conceito de amor passa, hoje, por um entendimento que há um indivíduo para além de mim e pleno de complexidades. E isso não significa não me importar com o que Pipo faz quando não estamos juntos e sim se ele está feliz onde quer que ele esteja – e em êxtase ao meu lado. Sou sincera e superlativa, amiga. Você sabe.

Ocupe sua cabeça, Lúcia. Fortaleça-se.

Borboleta-se com o Jorge quando vocês dois se sentirem bem.

Por pior que esteja sendo esse ano, Lúcia, teremos ainda a primavera. Foco nela, amiga.

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