Retrospectiva 2020

Todo ano faço minha retrospectiva. Sempre fico assustada com a quantidade de coisas que consegui realizar em 365 dias. Disposição nunca me faltou. Fui conferir pela estatística do meu blog e nunca escrevi tão pouco na minha vida. Se escrevi três textos por mês durante 2020, foi muito. E, ainda por cima, de qualidade bem reduzida em relação aos anos anteriores em que cheguei a publicar umas 10 crônicas por mês.

A verdade é que tenho andado sem tempo e sem muita cabeça para escrever. 2020 dispensa maiores explicações. Passei por muitas fases diferentes por aqui e em todas elas tive que fazer almoço. Sempre tive, como uma mulher de classe média e privilegiada que sou, uma pessoa que me ajudasse com a cozinha, com a faxina e com as roupas. Mas dada a pandemia, não conto mais com o suporte profissional da Lucimar e tenho que fazer almoço todo dia. Pipo faz almoço? Faz quando está no Rio e acorda antes da hora do almoço. Uma combinação difícil de ser feita já que Pipo funciona bem melhor de madrugada. Yuki ainda não sabe cozinhar e Nara cozinha muito mal. Aliás, Pipo também. Hideo não mora mais comigo mas almoçamos juntos toda quinta e em alguns finais de semana.

Isso posto. Aqui está a minha restrospectiva:

Fiz campanha fazendo almoço todo dia e estou dando aula remota fazendo almoço. Faço almoço quando acordo e antes de dormir. Antes do banho e depois de ler as péssimas notícias do dia, eu faço almoço. Durante o banho, eu penso no almoço do dia seguinte. Há dias em que acordo animada, daí faço um almoço melhor. Durante a TPM, faço almoço pensando o sentido da vida. Quando estou com enxaqueca, faço almoço também. Tive que dar aula remota e fazer almoço na segunda-feira logo depois das eleições. Enquanto faço umectação no cabelo, faço almoço. Vi várias entrevistas boas em 2020 enquanto fazia almoço. Coloquei o almoço para assar no forno antes de começar as diversas lives. Todo domingo, preparo aulas e o almoço . Durante a semana, só o almoço.

Já fazia almoço antes? Não. Minha vida de princesa de Madureira me permitiu ter a paz de não pensar em almoço por muitos anos. Sabia cozinhar antes da pandemia? Sou mãe de três, então, sabia fazer miojo e bolo porque sei fazer uma criança feliz. Almoço igual estou fazendo com ingredientes comprados já com o destino certo, preciso confessar, não sabia.

Peguei-me, já em março deste ano horroroso, falando e ouvindo coisas que jamais pensei que fossem sair da minha boca e entrar pelos meus ouvidos com próteses auditivas. “Na minha cozinha, não pode faltar isso…”, “Mãe, estou com saudade da sua comida”, “Amor, que comida boa você fez!”, “Mãe, arrasou nesse pastel”, “Adoro cozinhar nessa panela…”, “Mãe, que feijão bom esse que você fez!”,… coisinhas assim que estavam longe de meu universo-intelectuala-de-esquerda onde ficava mais de dez horas seguidas escrevendo ou lendo e, quando podia, pedalando.

Bem da verdade que teve um momento que percebi que deveria sentir prazer nisso e procurei fazer de um fogão, uma página do word em branco e, da minha comida, o lançamento de um livro. Comecei a sentir felicidade em servir. Aprendi a fazer várias combinações, a fazer comida árabe e japonesa, a pechinchar na feira, a conservar verduras por muito tempo, a congelar alimentos, a usar os temperos certos, a deixar os grãos de molho, a cozinhar feijão de uma forma que não dá gases, a ficar perguntando para todo mundo se funcionou,… Enfim, se fosse escrever um livro sobre esse ano fatídico, seria um livro de receitas vegetarianas. 

Pois é. Sou uma militante-combo: mulher, feminista, petista, marxista, comunista, ambientalista, anti-racista, anti-capacitista, pela laicidade do Estado, a favor das escolas públicas, defensora do SUS e da liberdade religiosa, mãe de três artistas, mergulhada de cabeça nas pautas LGBTQIA+, filha de Oxum e… vegetariana. Um extremista de direita, por exemplo, que votou nesse incapaz que está na presidência vê em mim uma espécie de livro com pouca figura e com mais de vinte páginas: olha e sai correndo.

Neste ano, pensei em fazer muitas coisas: escrever a continuação de Isaac no Mundo das Partículas, manter a média de ler uns 30 livros por ano, viajar com o Pipo comemorando os 25 anos do Os Melhores do Mundo (companhia de comédia da qual ele faz parte), ver o lançamento de Hermanoteu nos cinemas me sentindo a primeira dama do cinemark, aprender libras, fortalecer alguns músculos, pedalar, ver baleia, participar de tudo que é manifestação contra esse governo, aplicar novas metodologias em sala de aula, publicar mais um livro de crônicas, dar palestras novas sobre Educação por esse Brasil e ser vereadora dessa cidade abandonada. 

Nada disso deu certo. 

Em 2020, gente, em 2020 eu fiz almoço. 

Fiz muito almoço.

Para o ano que vem, estou planejando fazer uma revolução e algumas sobremesas.