Primavera na minha sala

Ontem, quando fui dar aula remota, algo aconteceu.

Há muitas pessoas – como eu – dando aulas em casa e é comum ninguém abrir a câmera porque não deixa de ser uma invasão de privacidade. Há um quarto bagunçado, uma sala com pessoas da casa circulando, um irmão dormindo na cama,… daí, nessa cultura que surgiu em tempos de pandemia, o normal é a gente ensinar sem ver quem está aprendendo.

Nem preciso dizer o quão estranho é isso. Não tenho ideia do quão traumatizados sairemos dessa experiência mesmo reconhecendo que há, nelas, grandes aprendizados.

Como várias professoras deste Brasil, tenho feito o meu melhor. Acho que nunca trabalhei e me preocupei tanto com meus alunos a minhas alunas. Se está sendo difícil ensinar, para eles, não está sendo nada fácil aprender.

Tenho procurado fazer de tudo para que esse momento estranho seja producente e minimamente agradável. Esqueço minhas fragilidades e me lanço neste oceano chamado ensino remoto como quem mergulha numa água turva querendo trazer para a superfície uma pedra bonita.

Mas está tão difícil não ver o rosto deles, gente.

Ao término de cada aula, fico olhando ainda para a tela do computador como alguém que olha para o horizonte segurando um cachimbo.

Sem a comunicação corporal e facial, eu não tenho retorno imediato sobre o que estou dizendo. E, meudeus, como me sinto só em vários momentos nesta casa.

Tento me apegar à ideia de que tudo vai passar, mas, cada dia que acaba, o fim de tudo isso parece mais distante.

E, ontem, quando comecei a falar, algo diferente aconteceu.

As câmeras abriram.

Fiquei olhando todo mundo como quem observa o passado, o presente e o futuro de uma só vez. Via a minha tela como uma professora diante de sua classe.

Senti saudade. Mas senti também a ausência dela, se é que me entendem.

Desde então, estou tentando contar para vocês isso, mas daí eu choro enquanto escrevo. Leio o que redigi. Por mais que eu tente, não darei conta de mostrar a intensidade do que vivi.

Recebam esta minha tentativa. Preciso dividir com alguém a primavera que passou, ontem, pela minha sala.

4 comentários em “Primavera na minha sala

  1. Só posso te desejar que continue tendo Forças e Esperança. Quase não consigo terminar a leitura, fiquei com os olhos marejados…
    Um grande abraço

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